5 de março de 2020 4:12 por Marcos Berillo
O golpe militar de 1º de abril de 1964 atingiu a todos − parlamentares, juízes, ministros, religiosos, advogados, operários, trabalhadores rurais, portuários. Em Alagoas a antiga Cadeia Pública “hospedou” centenas de patriotas, homens e mulheres. As prisões, as cassações de mandatos parlamentares, a suspensão dos direitos políticos e as torturas tiveram início nas primeiras horas daquele dia e se seguiram por 21 anos (1964-1985).
O semanário A Voz do Povo, fundado no dia 1º de maio de 1946, nas primeiras horas da manhã do dia 1º de abril de 1964 foi saqueado e destruído pelos delegados Rubens Quintela e Albérico Barros, entre outros policiais.
A ordem foi dada pelo governador Luiz Cavalcante, chefe do golpe civil-militar em Alagoas. Os jornalistas, gráficos e diretores foram presos na Cadeia Pública de Maceió. Ao tomar conhecimento do saque e das prisões, colaboradores do semanário procuraram se esconder e foram viver na clandestinidade. É o caso de Silvio Lira, secretário de organização do PCB e diretor do semanário comunista.
O diretor-responsável, jornalista Jayme Amorim de Miranda, foi preso ainda pela manhã, sendo conduzido à penitenciária de Maceió. A polícia continuou a busca dos membros da redação, da administração e colaboradores. A Polinter prendeu Valter Amorim Pedrosa, Dirceu Accioly Lindoso, José Alípio Vieira Pinto, Dalmo Lins, jornalistas e colaboradores do jornal, e a proprietária do imóvel onde funcionava o semanário, Maria Augusta de Miranda (Marinete, como era conhecida) e seu irmão, o comerciante Péricles de Araujo Neves, ambos dirigentes históricos do PCB.
O vereador por Maceió, Nilson Miranda, editor de A Voz do Povo, vinha sendo perseguido e hostilizado pela sua atuação parlamentar. Desde o dia 30 de março não aparecia em público, passando no dia 1º de abril a viver na clandestinidade.
O ex-operário têxtil Sílvio da Rocha Lira, secretario de organização do PCB em Alagoas e administrador do semanário, passou a ser procurado pela polícia. Escapou da prisão escondendo-se no Tabuleiro do Martins. Entrou também na clandestinidade, inicialmente em Maceió; sentindo-se inseguro, sai de Alagoas, vai atuar no PCB em Pernambuco, e posteriormente em São Paulo, na área de organização do partido.
O historiador Moacir Medeiros de Sant’Ana, dotado de arguto senso de pesquisador, salvou as poucas, porém significativas coleções de A Voz do Povo. Esse gesto inegavelmente contribuiu para que nesse momento estivéssemos tratando da existência de pouco mais de uma centena de jornais. Não devemos associar o gesto do historiador ao salvar a coleção a qualquer simpatia com o ideário do PCB e do seu porta-voz, A Voz do Povo.
Precárias eram as condições em que esteve acondicionada a coleção de A Voz do Povo, na hemeroteca do Arquivo Público de Alagoas, dirigido por mais de quarenta anos por Moacir Medeiros de Sant’Ana. A atitude pouco convencional para se preservar documentos de valor histórico nem sempre ocorreu pelas vias normais. Felizmente, assim aconteceu com o semanário dos comunistas de Alagoas, como declarou o historiador:
“(…) o general Bittencourt esteve aqui em Alagoas como secretário de Segurança e me convidou para que eu fosse até a Secretaria. Me lembro bem: diante dele, estava o José Fernandes Maya Pedrosa, que é coronel do Exército. O general perguntou ao coronel:
– Você conhece o Dr. Moacir?
− Conheço, ele é oficial da Reserva.
− Oh, oficial da Reserva? Ah, então vai ficar aqui comigo, na minha equipe.
E foi ai que fiquei como assessor do general Bittencourt naquele período do Luiz Cavalcante. (…) Foi depois de abril de 64. Demorei muito tempo trabalhando com o general Bittencourt. Então, resolvi carregar (a coleção de A Voz do Povo). Não pedi, não. E se eu pedisse, eles não dariam e terminariam dando fim. Aí, tranquilamente, ‘amaciei’ o Rivoredo e, realmente, a tirei de lá e levei-a para casa. Morava bem pertinho. Aliás, mandavam me levar em casa de carro”[1].
O mais antigo jornal popular de Alagoas, A Voz do Povo, foi destruído pelos golpistas depois de sobreviver durante dezoito anos − de 1946 a 1964 − a inúmeros empastelamentos e invasões policiais nos governos de Silvestre Péricles de Góis Monteiro e Arnon de Mello. O semanário foi fechado e nunca mais voltou a ser publicado, a não ser em algumas poucas edições comemorativas na década de 1980.
[1] Depoimento prestado ao autor pelo historiador Moacir Medeiros de Sant’Ana, em 19 de agosto de 2005.