sábado 23 de novembro de 2024

Resistência cultural e ditadura militar em Alagoas

11 de março de 2020 5:59 por Marcos Berillo

O presidente do DCE da UFAL, Radjalma Cavalcante

A luta contra a ditadura em Alagoas se deu em diversos campos. Os estudantes organizaram passeatas e manifestações denunciando prisões de líderes estudantis, bem como a censura à imprensa, ao teatro, a música e ao cinema. O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), presidido por Radjalma Cavalcante, estudante de economia, em abril de 1967 criou o Cinema de Arte de Maceió.

A ideia foi do crítico de cinema Imanoel Caldas, numa reunião onde estiveram presentes o estudante Gildo Marçal Brandão, o jornalista Bezerra Neto e Radjalma Cavalcante, fato conhecido e documentado pelo ex-dirigente estudantil. As sessões foram realizadas por dez anos no Cine São Luiz, da Empresa Luiz Severiano Ribeiro, a principal sala de cinema de Maceió.

O cientista político e jornalista Gildo Marçal Brandão

A parceria firmada entre o DCE e a empresa definiu atribuições: a empresa, em conjunto com a comissão do cinema de arte, escolhia os filmes e custeava a publicação semanal da folhetaria distribuída na entrada, com uma resenha crítica escrita por Imanoel Caldas e Gildo Marçal, sobre o filme a ser exibido. O jornalista Bezerra Neto, no Jornal de Alagoas, onde trabalhava, realizava os comentários semanais.

Cine São Luiz, Maceió, 1971. Lançamento de A Volta pela Estrada da Violência, um longa metragem alagoano

O Cinema de Arte de Maceió passou a ser um polo aglutinador de jovens intelectuais; ao final de cada exibição ocorriam debates sobre o filme. A afluência ao cinema de arte cresceu e obrigou a comissão e a empresa a criarem mais duas sessões, desta feita no Cine Rex, no bairro de Pajuçara.

Gildo Marçal Brandão (de óculos, na segunda fila), Imanoel Caldas e o pintor Getúlio Mota ( camisa listrada escura), no curso sobre cinema e a nova cultura brasileira

O movimento estudantil atraiu público para as suas atividades culturais, iniciando pelo cinema e, no ano seguinte, em 1968, foram lançados os festivais de música. A ditadura militar exercia cada vez mais o domínio e a coerção. Enquanto foi possível, as manifestações culturais passaram a ser uma atividade do DCE e de outras instâncias do movimento estudantil.

O Teatro Universitário de Alagoas (TUA) e o DCE promoveram em maio de 1968 uma palestra no Teatro Deodoro com o dramaturgo paulista Plínio Marcos, na época já considerado pelo regime militar como um maldito, pelas suas posições críticas à ditadura militar. Os estudantes lotaram o teatro. Este fato motivou o TUA e o Departamento Cultural do DCE a contatarem a produção da peça do Plínio Marcos, Dois perdidos numa noite suja, em exibição em várias cidades e capitais, interpretada por Emiliano Queiroz e Nelson Xavier.

Festival de Música Popular e Encontro de poetas universitários

Josimar França

O 1º Festival de Música Popular Brasileira foi realizado em novembro de 1968. A final aconteceu no Ginásio do SESC. As três músicas classificadas foram: 1º lugar: “Carta”, de Josimar Franca; 2º lugar: “Batuque no Banzo”, de Flávio Guido Uchôa; 3º lugar: “Manchete”, de Marcondes Costa. Menos de um mês após a final do festival é editado o Ato Institucional nº 5 (AI-5); a censura prévia é instituída, o habeas corpus foi suspenso e houve o recrudescimento da ditadura militar, com prisões, torturas, assassinatos e desaparecimentos.

Marcondes Costa

O 2º Festival foi realizado em junho de 1970, um ano e oito meses após a realização do primeiro, desta vez sob a égide do AI-5. Trinta e seis músicas foram inscritas, duas censuradas pela Polícia Federal. A música vencedora foi “Casa Nova para André”, de Vera Romariz e Wilma Miranda.

No 3º Festival, realizado em dezembro de 1971, no Ginásio do Colégio Estadual, o vencedor foi o cantor César Rodrigues, interpretando a música “América, América”. Os festivais passaram a ter visibilidade na mídia, mesmo sob censura, e as composições tinham caráter político, tornando mais visíveis as ligações entre os festivais internacionais da canção e os regionais. As atividades culturais levaram adiante as ações da política estudantil, dando-lhe visibilidade e também mobilizando os estudantes em torno das atividades culturais. Este foi o último festival.

César Rodrigues, a grande voz dos festivais de música de Alagoas

O 1ºEncontro de poetas universitários foi mais uma tentativa do TUA e do DCE, em 1969, de manter uma sequência de atividades culturais num clima de repressão e censura. A articulação realizada pelas duas entidades estudantis era legal e contava com o apoio da Reitoria e do governo do estado, além do Jornal de Alagoas e da Rádio Progresso. O vencedor foi o poeta José Geraldo Marques com a poesia “Cristo ou Marvel”.  

O cerco vai se fechando sobre o movimento estudantil, os lideres estudantis são cada vez mais observados pelos órgãos de repressão e prisões são realizadas em 1969, 1970, 1971 e 1973. O controle das entidades estudantis é executado, a partir das prisões, com intervenções nos diretórios e, sobretudo, com as prisões das lideranças.

Em outubro de 1971 foi organizada a 1ª Caravana de Cultura, focada na música e no teatro como meio de expressão e difusão da produção artística universitária alagoana. A caravana apresentou-se em Aracaju. Três espetáculos foram mostrados ao público sergipano: um show musical baseado nas músicas apresentadas nos três festivais realizados em Maceió; outro de música erudita comandado por Fred Marroquim, e a encenação da peça “O Amor do Soldado”, do escritor Jorge Amado, dirigida por Sabino Romariz.

O cantor Carlos Moura

Os festivais de música organizados pelos estudantes universitários ressurgiram, novamente por iniciativa do DCE. Nesse momento as mobilizações estudantis e operárias no Brasil integram a agenda da política nacional.

O 4º Festival ocorreu em janeiro de 1983. Deste festival as doze músicas finalistas comporão um long-play (LP) gravado pelo DCE, fato inédito no movimento estudantil brasileiro. O presidente do DCE, Edberto Ticianeli, é o diretor-geral do festival e um dos idealizadores do registro fonográfico.

Dois outros festivais foram realizados, o 5º em 1984 e o 6º em 1985; o último se realizou nos estertores da ditadura militar, com a eleição de Tancredo Neves e José Sarney, no Colégio Eleitoral, no início da transição da ditadura para a democracia.

O TUA ressurge em 1980, numa ação política dos estudantes da UFAL e da Escola de Ciências Médicas, sob a liderança de Denisson Menezes, afastado pelos militares que o prenderam em 1973. A peça “Ponto de Partida”, do dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri, teve inicialmente a direção de Cláudio Barradas, posteriormente substituído por Dário Bernardes.

Dário Bernardes, segundo diretor da peça Ponto de Partida

A formação do grupo contou com Denisson Menezes, Cláudio Barradas, Rita de Cássia, Paulo (Poeta) Pedrosa, Hermé Miranda, Roberto Lúcio, Graça Cabral, Suetônio Sarmento e Jorge Barbosa. Essa formação se apresentou em Porto Alegre, Curitiba e Antonina (PR).

O TUA, sob a direção de Jorge Barbosa, tornou-se um grupo de teatro de rua, cumprindo um papel importante na renovação do teatro e até mesmo mudando o formato do que se realizava tradicionalmente em Alagoas.

 

Fontes:

OLIVEIRA, José Alberto Saldanha de. A Mitologia Estudantil, Uma abordagem sobre o movimento estudantil alagoano.Maceió, Sergasa, 1994.

http://blogdaalessandravieira.blogspot.com.br/

Edberto Ticianeli, ex-presidente do DCE

Paulo Poeta, ator e ex-membro do TUA

 

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