10 de julho de 2020 8:17 por Redação
A forma como o homem (Homo sapiens) trata a Natureza tem relação direta com o aparecimento de determinadas doenças; e nos leva mais uma vez a estabelecer uma relação entre ecologia e economia.
Para os comentários que vou tecer neste primeiro momento, usarei, como referência principal, um artigo publicado no The New York Times, em 14 de julho de 2012. Sim, já se foram quase 8 anos! Jim Robbins escreve para o NYT há mais de 35 anos, sobre questões científicas e ambientais. A ECOLOGIA DA DOENÇA é o título usado por ele e escolhi adotá-lo também. Ele começa falando de um termo “igualmente usado por biólogos e economistas: serviços ecossistêmicos. As florestas filtram a água que bebemos, por exemplo, e as aves e as abelhas polinizam as culturas, ambas com valor econômico e biológico substanciais”. Ou seja, os ecossistemas “fazem” estes “serviços” que dão suporte gratuitamente aos humanos.
Para lidar com a natureza, é necessário que os humanos conheçam e respeitem o funcionamento da “natureza intacta”. Isto evitaria certos prejuízos resultantes da ganância que tem levado a uma realidade bem conhecida, “da privatização dos lucros e socialização dos prejuízos”, com custos que são representados, muitas vezes, por perda de vidas humanas.
Enrique Leff – doutor em Economia do Desenvolvimento (Sorbonne) – afirmou, no seu livro Saber Ambiental, “as estratégias de poder da ordem econômica dominante foram transformando o discurso ambiental crítico, submetendo-o aos ditames da globalização econômica”. E mais: “o discurso neoliberal afirma que já não existe contradição entre ambiente e crescimento”. Será?
As leis da natureza não são revogáveis. Robbins afirmou: “Se não entendermos e cuidarmos do mundo natural, isso poderá causar um colapso desses sistemas e voltar a nos assombrar de modo que sabemos pouco”. Como exemplo crítico, ele cita o modelo em desenvolvimento de doenças infecciosas, no qual “a maioria das epidemias – AIDS, Ebola, Nilo Ocidental, SARS, doença de Lyme e outras centenas que ocorreram nas últimas décadas” – não aconteceram por acaso, mas são resultado de alterações que os humanos fizeram à natureza.
E assim, conclui: “A doença, ao que parece, é, em grande parte, uma questão ambiental”. Já se sabe que 60% das doenças infectocontagiosas que atingem o homem têm origem em animais não humanos (as zoonoses), sendo que “mais de dois terços deles são originários da vida selvagem”. Robbins informava, em 2012, resultado de um estudo divulgado pelo International Livestock Research Institute: “mais de dois milhões de pessoas por ano morrem por doenças que se espalham para os seres humanos a partir de animais selvagens e domésticos”.
Há apenas uma ou duas décadas, afirma John VIDAL – editor ambiental do jornal inglês The Guardian durante 27 anos –, “acreditava-se amplamente que florestas tropicais e ambientes naturais intactos repletos de fauna exótica ameaçavam os seres humanos ao abrigar os vírus e patógenos que levam a novas doenças em seres humanos como Ebola, HIV e dengue. Atualmente, afirma Vidal, pesquisadores pensam que é realmente a destruição da biodiversidade pela humanidade que cria as condições para o surgimento de novos vírus e doenças como COVID-19”. Isto já afirmava Robbins em 2012: “[…] as doenças emergentes quadruplicaram no último meio século, dizem os especialistas, em grande parte por causa do aumento da invasão humana no hábitat, especialmente nos “hot spots” [pontos quentes]de doenças em todo o mundo, principalmente nas regiões tropicais. E com as viagens aéreas modernas e um vigoroso mercado no tráfico de vida selvagem, é enorme o potencial de um surto grave em grandes centros populacionais”.
Aqui em Maceió, temos um estudo que ilustra esta realidade. A veterinária Flaviana Wanderley, doutora em Biociência Animal (UFRPE), professora na Uncisal, desenvolveu uma pesquisa sobre a ocorrência de Calazar – Leishmaniose visceral americana – uma zoonose que “é transmitida por um inseto que se alimenta do sangue dos animais silvestres, domésticos e do homem”. A doença, que acreditava-se estar eliminada em Alagoas, voltou a ser notificada em 1995, na zona rural do distrito de Ipióca.
Os resultados indicaram a presença altamente significativa (p< 0,01) de raposas próximo às residências, “em locais que apresentaram casos humanos positivos” e onde pessoas da comunidade informaram ter avistado o animal. A pesquisadora explicou a ocorrência: “existia um ecossistema em equilíbrio onde a raposa vivia e tinha todo seu alimento, não necessitando buscar em outros locais, vivendo em equilíbrio e harmonia. Com o desmatamento, houve diminuição de sua ‘área de moradia’ (hábitat), além da extinção ou diminuição da população de algumas espécies de animais que a raposa predava, forçando-a a se aproximar mais do homem em busca de alimento”. Isto fez com que a raposa – um reservatório – se aproximasse das residências propagando a doença naquela comunidade.
Retornando ao artigo de Robbins: “Na Amazônia, por exemplo, um estudo mostrou que um aumento no desmatamento em cerca de 4%, aumentou a incidência de malária em quase 50% […] porque os mosquitos que transmitem a doença vicejam na mistura certa de luz solar e água em áreas recentemente desmatadas. Desenvolver projetos em uma floresta da maneira errada pode ser como abrir a caixa de Pandora”.
Para entender o que acontece e fazer previsões com bases científicas, “[…] Veterinários e biólogos da conservação estão em meio a um esforço global com médicos e epidemiologistas para entender a “ecologia da doença“, informou Robbins, mostrando a relação entre ecologia, saúde e economia: “Não é apenas uma questão de saúde pública, mas econômica. O Banco Mundial estimou que uma grave pandemia de gripe, por exemplo, poderia custar à economia mundial três trilhões de dólares”.
“Invadimos florestas tropicais e outras paisagens selvagens, que abrigam tantas espécies de animais e plantas – e, dentro dessas criaturas, tantos vírus desconhecidos. Cortamos as árvores; matamos os animais ou os engaiolamos e os enviamos aos mercados. Rompemos os ecossistemas e liberamos os vírus de seus hospedeiros naturais. Quando isso acontece, eles precisam de um novo hospedeiro. Muitas vezes, somos nós” [este novo hospedeiro]. (David QUAMMEN).
Sim, milhares de pessoas já são hospedeiras do SARS-Cov-2, e morreram outras tantas que desenvolveram a COVID-19. Em um artigo com o título Fizemos a epidemia de coronavírus, publicado em 28/01/2020 no NYT, David Quammen escreveu: “Pode ter começado com um morcego em uma caverna, mas a atividade humana o libertou”.
*Docente aposentada da UFAL. Doutora em ecologia (UFSCar).
Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.
4 Comentários
Excelente! Reflexão pra todo mundo! Tomemos partido! Politizemo-nos! Nao podemos deixar tudo nas mãos dos ignorantes! dos indiindiferentes, dos usurpadores do presente! Abaixo o capitalismo! Outro mundo é l possível!
Sigamos nos informando e lutando contra a mediocridade da desinformação que campeia nas redes sociais da direita ignorante.
Fátima, querida amiga gostei muito desse artigo, você tá me saindo ums exelente escritora.
Gostoso de lê
Sugiro fazer um livro de crónicas. Eu vou para o lançamento e vou ser s primeira s pedir o autógrafo
Parece que é um bem de família
Um grande abraço! Cheio de amot e luz
Amiga
Esta luta é nossa!
Combinado. Daqui a 1 ano, quem sabe, a gente faz o lançamento, se causas e condições permitirem. Abraço