26 de abril de 2020 12:23 por Marcos Berillo
Um estudo da Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio (Seplag ), publicado em 2017, mostra que “a população indígena autodeclarada de Alagoas distribui-se em todos os municípios alagoanos”, com destaque para a capital, Maceió, “por abrigar uma parcela importante dessa população que vive fora das aldeias”.
Intitulado “Estudo sobre as comunidades indígenas de Alagoas”, o levantamento cita o Censo Demográfico (2010), para revelar que nosso estado tem 14.509 indígenas, dos quais 4.486 habitam nas terras indígenas e 10.023 fora dessas terras.
“A migração para grandes centros e cidades circunvizinhas acontece, na maioria das vezes, pela busca de melhores oportunidades de trabalho, de estudo, dentre outras razões” – contextualiza o levantamento feito pelo governo estadual, por meio da Seplag.

Foto: Arquivo Pessoal
Essa afirmativa serve bem para explicar a motivação de duas mulheres indígenas alagoanas, que formam o mais recente grupo de novos soldados da Polícia Militar de Alagoas. Elas são exemplo perfeitos da luta dos povos indígenas por sobrevivência com dignidade, e também das mulheres que fazem de cada dia um degrau de auto-afirmação e respeito.
Integrantes da tribo Xucuru-Kariri, localizada no município de Palmeira dos Índios, as irmãs Simone Mendes de Menezes Silva, 39 anos, e Silvânia Mendes de Menezes, 38, acabam de ingressar na vida militar. Elas estavam entre os 57.365 inscritos para disputar as mil vagas do concurso público realizado pelo governo do estado em 2018.
Agora, as duas integram o 10º Pelotão do Curso de Formação de Praças (CFP), da PM alagoana, iniciado em 15 de janeiro deste ano. Nada de excepcional, numa turma formada por 291 alunos, entre homens e mulheres da turma 2020.1. O interessante, e que poucos dos colegas de formação e da própria corporação sabem, é que Simone e Silvânia, além de irmãs, são índias.
O Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e estatísticas (IBGE) revela que a taxa de analfabetismo nas terras indígenas, das pessoas com 15 anos ou mais, foi de 32,3%, muito superior a taxa brasileira em 2014, que foi de 8,7%. Por si só, esse dado já diz das dificuldades que as duas indígenas alagoanas enfrentaram para chegar onde estão hoje.

Some a isso mais algumas informações. Mãe de 3 filhos, Simone teve que lutar muito para concluir os estudos. Sua irmã, a aluna Silvânia, também enfrentou muitos desafios. Na infância teve pneumonia, o que não surpreende se considerarmos que nas tribos indígenas, “a rede geral de distribuição de água atende apenas 30,8% dos domicílios, 40% não possuem coleta regular de lixo e 30,7% não possuem banheiro”, como mostra o Estudo sobre as comunidades indígenas de Alagoas”, citado acima.
Mãe adolescente, Silvânia teve que deixar a filha com os pais na aldeia para buscar o sustento da família. Chegou a ser gari. A vida dura, porém, não lhe tirou o ânimo e nem lhe desviou do destino vitorioso. Com dom para escrever, ela encontrou na poesia um alívio e uma forma de enfrentar a realidade adversa.

“Indígena, poetisa, ela agora vive o sonho de estar se preparando para ser uma soldada da nossa Briosa!” – alegra-se o coronel PM Marlon Araújo, comandante do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), que tornou pública a história de Simone e Silvânia no último dia 19, em saudação ao Dia do Índio.
Para ele, são dois exemplos de mulheres lutadoras, com histórias de vida permeadas de dificuldades.
“Elas têm histórias de luta que se repetem, diante da dificuldade de acesso à educação, e uma força de vontade seivosa, ou seja, que não se abate diante de tantas dificuldades!” – acrescenta o comandante. O coronel Marlon escolheu Simone e Silvânia para exaltar os povos indígenas, resistentes às adversidades impostas pela vida moderna.
“Destaco Silvânia e Simone como exemplos para que todos nós sejamos fortes, guerreiros, como são os nossos indígenas, e que, sobretudo, um dia a gente aprenda o respeito a nossa ancestralidade” – afirmou o oficial da PM alagoana, em sua rede social, no Dia do Índio.

É fato que, como em todo Brasil, a população indígena alagoana também foi perseguida, privada de suas terras, obrigada a migrar para outros destinos. Sua história está na memória dos que sobreviveram à extinção e nos livros e estudos feitos por autores e estudiosos comprometidos com a realidade história. Diante desse contexto, é de fato necessário destacar a conquista de Simone e Silvânia, do povo Xucuru/Kariri.