1 de maio de 2020 6:43 por Marcos Berillo
[…] Como o mar de Jatiúca
Vive trágico, vive aflito
Perguntando se os coqueiros
E as jangadas vão restar
Pra passear no mar […]
(Música de Beto Leão)
A urbanização de Jatiúca, iniciada na década de setenta, mudou o bairro definitivamente: foram abertas avenidas, ruas; conjuntos habitacionais construídos e inaugurados. O saneamento básico na área central do bairro foi implantado. Os sinais de modernização chegaram com a urbanização dessa região que vivia apartada do resto da cidade.
Em pouco tempo ocorreram mudanças tão significativas, que alteraram toda a paisagem e a vida do então bucólico bairro de pescadores.
A beleza natural estava escondida da maioria dos habitantes da cidade, mas com a urbanização houve a descoberta do belo − poucos tinham o privilégio de desfrutá-lo. O coqueiral, o mar e a Lagoa da Anta, ao serem apresentados ao grande público, pareciam um objeto exposto à venda na vitrine da loja.
Os pobres, que se banhavam nas águas mornas da Lagoa da Anta, sobreviviam − muitos deles − retirando o sustento da família do mar, do lindo mar de Jatiúca. Passaram a observar o desempenho das máquinas aterrando os manguezais, derrubando os coqueirais, alterando a paisagem do lugar.
O acesso à praia foi aberto pelas avenidas Álvaro Otacílio, João Davino e pelas outras que passaram a fazer a ligação entre o bairro e a praia: Amélia Rosa, almirante Álvaro Calheiros, Jatiúca e deputado José Lages. Foi dessa maneira que definitivamente Jatiúca entrou no mapa da cidade.
A longa barreira formada por coqueiros gigantes foi destruída. As novas gerações não têm a ideia de quanto era bonito o coqueiral que vigiava a orla de Jatiúca. Mas, infelizmente, as denominadas urbanização e reurbanizações foram engolindo os coqueiros e a faixa de área marinha. A prefeitura vem se dedicando sistematicamente a derrubar os coqueiros, a impermeabilizar o solo e usar cada vez mais o asfalto, desnecessariamente.
O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre disse que o alagoano é um povo anfíbio. No entanto, isto não sensibilizou o governador e o prefeito quando entregaram a Lagoa da Anta aos proprietários das Casas Pernambucanas, à família Lundgreen, que aterrou a lagoa e sobre as suas águas ergueu o imponente Hotel Alteza Jatiúca. O primeiro cinco estrelas de Alagoas nasceu engolindo as águas mornas e límpidas da Lagoa da Anta.
A outra margem foi entregue ao ex-governador de Sergipe, para construir um conjunto habitacional, o Parque Jatiúca. Hoje a região é um bairro consolidado. A ironia é que um dos hotéis recentemente construídos chama-se Ritz Lagoa da Anta.
O crime perpetrado deixou, como todos os crimes, suas marcas. Restou da Lagoa da Anta apenas um espelho d’água poluída e represada que, “generosamente”, o Hotel Jatiuca protege. Os turistas tiram fotos e se admiram da beleza do local.
Em dias de maré alta a praia amanhece com os surfistas se equilibrando em pranchas que deslizam sobre o dorso das ondas que crescem e vão quebrar no Mata Garrote, nome primitivo dessa área da praia de Jatiúca que foi substituído pelo “carioca” Posto 7.
Na antiga Lagoa da Anta, os casais de namorados às tardes e noites andavam desviando-se dos coqueiros e estacionavam à sombra ou sob a luz da lua. Abriam as portas do carro para a brisa fresca do mar entrar. O som que se ouvia eram as ondas quebrando na areia.
Os coqueiros foram derrubados e em seu lugar foram erguidos edifícios que passaram a ser vistos como a paisagem do bairro. É um novo bairro, aquele bucólico sumiu, restando apenas o mar, o lindo mar de Jatiúca.
Andar a cavalo à beira-mar, pescar, jogar futebol, acampar, subir nos coqueiros são coisas de um passado cada vez mais distante.
A orla está decorada com alguns poucos coqueiros, sobra daqueles coniventes das tardes e noites de amor livre. É possível, sem muito esforço físico, contá-los.
A beleza tem sido punida em Maceió. É uma tara nefanda. Não duvidem se um dia qualquer for publicado no Diário Oficial decreto municipal com os seguintes termos: “Fica terminantemente proibido olhar a beleza do mar em Jatiúca”.
Por Ronaldo Carlos
2 Comentários
Conheci Maceió em 1972. Muitas das paisagens descritas no texto ainda admirei e convivi á época. Mas hoje tristemente lá vai Maceió embora…
Quando li o título, lembrei logo de um que comecei a escrever e já reuni fotos, muito mais do que para ilustrá-lo é para testemunhar o que tento falar mo texto. O título será, copiando o teu, A minha praia de Pajuçara”. É cruel a destruição daquela praia tão linda.
Vim morar em Maceió em fevereiro/1977. No mesmo ano, residi no Conj. Castelo Branco, na Jatiúca. Assisti à mudança de Maceió para cidade turística e, estranhamente, o “moderno” passou a ser a destruição das belezas naturais e o aumento da poluição.
Em 1980, fui morar na Pta Verde. A Jatiúca começava logo após a Av Sandoval Arroxelas. Minha faxineira morava num barraco de palha nas imediações de onde agora tem uma grande avenida.
O bairro da Pta Verde “engordou”, passou a engolir a Jatiúca, Pajuçara e até a Ponta da Terra.