terça-feira 16 de abril de 2024

PANDEMIAS E INFRAESTRUTURA URBANA

10 de julho de 2020 8:18 por Redação

Vila Brejal

Nós somos produtos da história e temos de criar nossos próprios caminhos neste que é o mais diversificado e interessante dos universos concebíveis – um mundo indiferente a nossos sofrimentos e que, portanto, nos proporciona o máximo de liberdade para prosperarmos ou fracassarmos seguindo um caminho que nós mesmos escolhemos. (Stephen Jay Gould)

A próxima pandemia

Com a frase acima, Stephen Jay Gould finalizou o seu livro Vida Maravilhosa[i].. O nós na frase refere-se a nós humanos. Mas, será que todos nós indivíduos escolhemos o caminho que estamos percorrendo? O que dizer das populações de baixa renda que têm como única opção ocupar a periferia das cidades e, não raro, em locais de riscos.

Em maio de 2013, David Quammen escreveu um artigo no NYT cujo título era mais que um aviso: The next pandemic: not if, but when (A próxima pandemia: não se, mas quando). E isso não era uma ameaça, mas um alerta semelhante àquele que Brian Bird, virologista da Universidade da Califórnia, disse ao jornalista John Vidal, publicado em janeiro deste ano: A única coisa certa é que a próxima certamente virá.

Mitigação e Planejamento

Os dados científicos trazem informações que permitem fazer previsões. Assim, temos a opção de aguardar sem ação. Não é uma decisão inteligente, mas foi o que o governo brasileiro fez diante da Covid 19. Porque em dezembro do ano passado, a China já divulgava o que estava acontecendo em Wuhan. E o que fez o governo brasileiro?  E o que está fazendo este mesmo governo em plena pandemia? Não é sorte ou azar que vai definir o futuro, mas causas e condições. E o próprio Bird opinou: Não podemos prever de onde virá a próxima pandemia, por isso precisamos de planos de mitigação para levar em consideração os piores cenários possíveis. Lembrando que planos de mitigação são tarefas, antes de tudo, que devem ser coordenadas pelos gestores públicos.

Repensar a infraestrutura urbana

Opinião semelhante têm os cientistas Eric FÈVRE e Cecilia TACOLI que defendem repensar a infraestrutura urbana, particularmente dentro de assentamentos de baixa renda e informais. Assim, no artigo Ameaça de coronavírus agiganta-se em cidades de baixa renda[ii], eles defenderam a implementação de mudanças de comportamento de curto e longo prazos. E explicaram: Os esforços de curto prazo estão focados em conter a disseminação da infecção. E, a longo prazo – “[…] dado que as novas doenças infecciosas provavelmente continuarão a se espalhar rapidamente para dentro das cidades – exige uma revisão das abordagens atuais do planejamento e desenvolvimento urbano”.

Infraestrutura urbana e vulnerabilidade

Fèvre é professor na Universidade de Liverpool (Reino Unido) onde gerencia um programa de pesquisa em epidemiologia de doenças zoonóticas e emergentes. E seu grupo tem como foco o trabalho no Instituto Internacional de Pesquisa em Pecuária (ILRI) em Nairobi (Quênia). Enquanto Tacoli desenvolve pesquisas no programa de assentamentos humanos do IIED (International Institute for Environment and Development), que tem lidado com questões ambientais urbanas há cerca de 40 anos. E o foco é a pobreza. Isto é vital porque as pessoas com renda muito baixa, vivendo em favelas ou assentamentos irregulares, tendem a ser as mais vulneráveis.

Assim, eles constataram que a falta de infraestrutura básica (fornecimento de água não seguro, saneamento inadequado, drenagem a céu aberto e lixões) fatores que atraem roedores e outros parasitas – proporciona a rápida disseminação de doenças que se tornam endêmicas e, sem controle, tornam-se pandêmicas, como a COVID-19.

Desigualdades sociais

As desigualdades sociais expõem as chagas da pobreza que têm semelhanças onde quer que ocorra. Os citados pesquisadores afirmam: Ambientes urbanos densamente compactados, onde os humanos vivem ao lado de morcegos, roedores, pássaros, animais de estimação e animais domésticos, são locais especialmente férteis para a propagação de novas doenças.

Vila Brejal

 

Não precisamos ir muito longe para verificarmos esta realidade. Basta um olhar sobre muitas comunidades na periferia de nossas cidades. Ou alguém em Maceió nunca passou na Vila Brejal? E os conjuntos habitacionais construídos cada vez mais longe do centro nessa política nefasta de manter o distanciamento social?

Nos locais estudados por Fèvre e Tacoli, ocorre o que eles denominam de “problema perverso” que se torna o principal desafio a ser contido. Por exemplo, a recomendação de lavar as mãos. Como fazer isso em locais em que o acesso à água potável é difícil ou até impossível? E como manter o isolamento em moradias de cômodos apertados que abrigam famílias com vários membros, muitas vezes crianças e idosos? Além disso, muitos pobres geralmente dependem dos salários diários do trabalho casual. Esta é uma questão cuja solução implica em programas como uma renda mínima que deve ser garantida por governos com compromisso social.

Moradias informais e ilegais

E o que dizer dos assentamentos considerados “informais” ou “ilegais”? As características dos locais estudados por Fèvre e Tacoli parecem revelar localidades bem próximas a nós: […] não recebem investimentos em serviços básicos, como água encanada, saneamento ou eletricidade. Eles não são atendidos por unidades básicas de saúde ou coleta regular de resíduos sólidos. E, no entanto, esses assentamentos costumam abrigar mais da metade da população de uma cidade, sendo a única opção acessível para muitos moradores.

Recentemente, eu ouvi o depoimento de uma liderança comunitária de Maceió. Ela contou que há comunidades situadas às margens da lagoa Mundaú em que pessoas vivem em moradias sem vasos sanitários. Elas são obrigadas a defecarem em sacos plásticos que são atirados dentro da lagoa. E antes de atirarem a embalagem, para evitar que alguém seja atingido, gritam: “olhe o pombo”. Isto é desumano e trágico. E ocorre aqui bem perto de nós.

Temos que agir

Por outro lado, no início deste ano, David Quammen entrevistou Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, que pesquisa conexões entre a saúde humana e a vida selvagem. E Quammen concluiu: […] essa emergência de Wuhan não é um evento novo. Faz parte de uma sequência de contingências relacionadas que remontam ao passado e se estendem para o futuro, desde que as circunstâncias atuais persistam. Então, quando você terminar de se preocupar com esse surto, preocupe-se com o próximo. Ou faça algo sobre as circunstâncias atuais”. E ressaltou que a curto prazo: devemos fazer tudo o que pudermos, com inteligência, calma e um total comprometimento de recursos, para conter e extinguir esse surto de nCoV-2019 antes que se torne, como poderia, uma pandemia global devastadora.

Mas, a pandemia está aqui apesar de todos os esforços do governo chinês para contê-la. No mesmo artigo, Quammen alertou que a longo prazo […] devemos lembrar, quando a poeira baixar, que o nCoV-2019 não foi um evento novo ou um infortúnio que nos aconteceu. Foi – é – parte de um padrão de escolhas que nós humanos estamos fazendo.

Lembro que uma das escolhas feitas pelo governo brasileiro foi prorrogar para o final de 2022 a obrigatoriedade de os municípios apresentarem os planos de saneamento básico cujo prazo limite era 31/12/2019.  Ou seja, precisamos urgentemente mudar este prazo, ou ficaremos aguardando de braços cruzados a próxima pandemia.

 

[i] GOULD, Stephen Jay. Vida maravilhosa: o acaso na evolução e a natureza da história. Trad. Paulo C. de Oliveira. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

[ii] FÈVRE, Eric; TACOLI, Cecilia. Coronavirus threat looms large for low-income cities. International Institute for Environment and Development. Disponível em: https://www.iied.org/coronavirus-threat-looms-large-for-low-income-cities. Acesso em: 14 abr. 2020.

 

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9 Comentários

  • Exclusão, epidemia, exploração predatória de recursos naturais, ignorância, indiferença, capitalismo – que equação. A matéria nos remete, também, à Política Nacional de Resíduos Sólidos – sancionada em 2010 -, totalmente abandonada pelos governos.

    • O que indica que precisamos cobrar dos órgãos competentes, unindo forças para fazer valer nossos direitos de cidadãos e apoiar, principalmente, as lutas das populações pobres, que estão totalmente abandonadas pelo poder central.

  • Mais uma vez, me encanta o seu artigo, muito informativo e com excelentes citações. Tenho aprendido muito com seus artigos. Mas um vez me questiono, o que estarmos fazendo com o nosso Planeta? Não deve ser mais Azul ja deve estar Cinza.

    • Noêmia, estes retornos são muito importantes para prosseguirmos na luta com as armas que temos e tentamos manejar: a ciência, a escrita, o senso de justiça. Sigamos…

      • Artigo claro, direto. Levando a reflexão, o que estamos fazendo com o Planeta e em que direção devemos cobrar dos poderes públicos.

        • Sua avaliação me deixa contente, Lúcia porque mostra que devo seguir neste caminho. Dentro da minha área de conhecimento, esta é uma das formas que posso contribuir para buscarmos soluções necessárias. Grata.

          • Oi, Fátima, até quando a maior parte da população brasileira continua ausente dessa realidade?

  • Oi Fátima, querida, seu artigo nos leva a refletir, de forma ampla, sobre o futuro da Terra, das gerações e da Vida na sua totalidade. Revivi imagens da Vila Emater, conhecida como Comunidade do Lixão, em Maceió. Durante oito anos, mantivemos contatos diretos com sua população, principalmente com as crianças. Elas também não conheciam vaso sanitário, pia e chuveiro. Havia uma única torneira através da qual toda a população poderia acessar a água irregularmente. Uma grande alegria daquelas crianças era o banho de chuveiro,nas oportunidades em que saiam conosco em atividades externas. A pandemia desnuda, cruelmente, essa realidade social, construída historicamente. Até quando seremos testemunhas de tanta desigualdade?

    • Ângela, querida, vc falou muito bem: precisamos aproveitar este tempo da pandemia para mostrarmos nossa indignação com a cruel desigualdade social e a ausência do Estado. Temos que cobrar ações e falar da indiferença daqueles que continuam acumulando riqueza, explorando a força de trabalho ou daqueles que simplesmente dão de ombros como se não tivesse nada a ver com esta realidade.

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