27 de maio de 2020 2:57 por Marcos Berillo
O Ministério Público de Contas de Alagoas (MPC/AL) encontrou “fortes indícios” de fraude em um contrato de mais de R$ 330 mil, efetivado por dispensa de licitação, para aquisição da central de gases medicinais do Hospital de Campanha do município de Girau do Ponciano.
O órgão pediu a suspensão de qualquer pagamento e acionou o prefeito David Ramos de Barros, a secretária municipal de Saúde e gestora do Fundo Municipal de Saúde de Girau do Ponciano, Maria Gorete Santos Santana, e a sócia-administradora da empresa Alafia Empreendimentos Eireli-ME, Lucimari Rocha dos Santos.
O MPC/AL pediu ao Tribunal de Contas do Estado (TCE/AL) a medida cautelar para determinar aos gestores públicos mencionados que não realizem o pagamento de qualquer quantia à empresa, sob pena de multa pessoal e solidária no montante do valor do contrato.
O Ministério Público de Contas também deu ao prefeito um prazo de 48 horas para que ele remeta cópia integral do processo administrativo que deu origem ao contrato. Ele, a secretária municipal de saúde e a empresa terão 15 dias, após a notificação, para apresentarem defesa.
Prefeitura contratou empresa não especializada
Um dos indícios de irregularidade apontados pelo MPC é a contratação de uma empresa não especializada no objeto do contrato, apesar da existência de múltiplos fornecedores no mercado, inclusive especializados na fabricação, venda e instalação de centrais, componentes e gases medicinais.
A empresa Alafia Empreendimentos Eireli-MEn atua no ramo de incorporação de empreendimentos imobiliários, tendo como atividades secundárias a construção civil e o comércio varejista de materiais de construção.
“O fato é demasiadamente incomum, sobretudo porque os gestores públicos municipais têm uma larga margem de discricionaridade para cotar preços no mercado e escolher o melhor fornecedor e, mesmo assim, optaram por contratar uma microempresa individual sediada no subúrbio do Rio de Janeiro e que atua no ramo da construção civil para adquirir um equipamento hospitalar específico como a central de gases medicinais”, ressalta a assessoria do Ministério Público de Contas.
O procurador Rafael Alcântara estranhou a contratação da empresa pois, em uma breve pesquisa de poucos minutos na internet localizou vários fornecedores do objeto do contrato e menciona pelo menos cinco: Athenas Hospitalar, Unilec Hospitalar, SCGN – Sistema Centralizado para Gases Nobres, Air Liquide, Vitrine Hospitalar.
“A decisão do administrador deve ser sempre pautada pela melhor escolha baseada em critérios de eficiência e economicidade, afigura-se, no mínimo, anormal a opção de adquirir um equipamento médico de considerável complexidade como a central de gases medicinais de uma empresa da construção civil, desprezando, por outro lado, a expertise de fornecedores especializados – que, via de regra, não só possuem o melhor produto/serviço como também oferecem os melhores preços e prazos”, ressaltou Alcântara.
Contratada também não possui capacidade econômico-financeira para executar serviço
Outro ponto que chamou a atenção do Ministério Público de Contas foi a ausência de qualificação econômico-financeira da empresa para a execução do contrato, uma vez que ela é individual de responsabilidade limitada (Eireli), com pouco mais de dois anos de atividade em ramo totalmente diverso do objeto do contrato, e possui o capital social de apenas R$ 100.000,00, bastante aquém do valor do contrato em referência.
Ademais, a empresa contratada é enquadrada como microempresa (ME), ou seja, no pouco tempo de existência, sua receita bruta anual não chegou à quantia de R$ 360.000,00. Assim sendo, o valor do contrato com o Município de Girau do Ponciano (R$332.510,00) corresponde quase ao limite fiscal de faturamento bruto anual que a contratada se enquadra.
O Ministério Público de Contas também não localizou qualquer contratação pública da referida empresa com a União ou o Estado do Rio de Janeiro, seu estado sede, conforme pesquisa realizada nos respectivos portais de transparência.
MPC também identifica indícios de superfaturamento
A análise do MPC/AL aponta ainda para um possível superfaturamento do contrato, uma vez que a completa ausência de qualificação técnica e a duvidosa capacidade econômico-financeira da empresa contratada, ao lado da existência de múltiplos fornecedores especializados, constituem, no seu conjunto, fortes indícios de fraude na contratação da Alafia Empreendimentos Eireli-ME.
Segundo o Procurador, ainda que esse provável cenário de graves irregularidades não reste comprovado e a empresa consiga executar o objeto contratado, há a necessidade de se apurar possível dano decorrente de superfaturamento no pagamento do valor de R$ 332.510,00 para aquisição da central de gases medicinais.
Os fortes indícios de ausência de capacidade técnica apontam que a Alafia Empreendimentos Eireli-ME possa agir como mera intermediária na revenda do produto adquirido de um fornecedor especializado.
A Polícia Federal, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União também serão notificados para tomarem ciência sobre o caso.