10 de julho de 2020 8:22 por Redação
Tudo indica que a retração da economia brasileira provocada pelos efeitos da Covid-19 será bem mais pronunciada do que se estimava em março desse ano. Os dados, dessazonalizados, publicados pelo IBGE para o primeiro trimestre de 2020 em comparação com o último de 2019, registraram queda de -1,5% do PIB devido principalmente à diminuição do consumo das famílias, que caiu -2% e responde por 65% do PIB. Os gastos do governo, que representam 20% da produção de riqueza do país, tiveram crescimento discreto de 0,2%. Os investimentos, por sua vez, responsáveis por aproximadamente 15%, cresceram 3,1%, em grande parte devido à contabilização das importações líquidas no setor de petróleo e gás. No setor externo as exportações contraíram 0,9%, em função da queda da demanda externa, e as importações cresceram 2,8% com a importação de máquinas e equipamentos. Do ponto de vista setorial, da oferta da economia, os setores de serviços e indústria, que respondem por cerca de 74% e 20% do PIB, registraram retrações de -1,6% e -1,4%, respectivamente. Diferentemente destes dois setores, o agropecuário cresceu 0,6% no período em análise, mas, além de produzir alimentos, foi o setor menos afetado pelas políticas de distanciamento social adotadas a partir da segunda quinzena de março.
O que mais chama atenção nos dados do IBGE é que o impacto da pandemia na economia só ocorreu em menos de 1/6 do primeiro trimestre, mas especificamente a partir de 20 de março. A primeira conclusão que se pode tirar é que a economia não estava decolando, ou seja, a crise sanitária nos atingiu em um momento de estagnação econômica, como demonstramos no artigo anterior de 07/05/20. A segunda e mais preocupante é que o tombo da economia brasileira em 2020 não terá precedente em nossa história. Além dos dados do PIB apresentados no parágrafo acima, alguns indícios do tamanho da crise estão nos dados de desemprego do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) e da Pnad Contínua, do IBGE. A soma do saldo (admissão – demissões) do Caged nos meses de março e abril do corrente totalizou 1,1 mi de desempregados, sendo 66% no comércio e serviços, 21% na indústria, 7,5% na construção civil e 0,1% na agricultura. Ademais, o estoque de emprego formal no Brasil para o mês de abril de 2020 é o mais baixo desde 2011. Já os dados da Pnad contabilizaram perda de 4,9 milhões de ocupações no trimestre de fevereiro a abril, sendo 3,7 milhões informais, 76% do total.
Mas, afinal, qual será o tamanho do tombo na economia brasileira em 2020 legado pelo Covid-19?
John Kenneth Galbraith costumava dizer que “a única função das previsões econômicas é fazer com que a astrologia pareça respeitável”. Em tempos de pandemia realizar projeções para o impacto do Covid-19 sobre a economia brasileira é como atirar em um alvo móvel. De um lado, porque dependerá tanto da gestão coordenada das políticas de distanciamento social por parte dos governos federal, estaduais e municipais (achatamento da curva para se evitar o colapso do sistema de saúde), inclusive da suspensão gradual deste distanciamento, e, de outro lado, da agilidade e eficácia das ações emergenciais do governo federal na preservação dos empregos e das empresas dos segmentos mais vulneráveis, assim como da transferência de recursos para compensar a perda de arrecadação de estados e municípios. E é justamente por conta das falhas de coordenação das ações sanitárias nas três esferas de governo e da baixa celeridade e insuficiência das medidas, como será mostrado à frente, que a situação está ficando dramática, com perdas de vidas humanas e custos econômicos e sociais imprevisíveis.
As estimativas de várias instituições para a variação do PIB exibidas no gráfico nº 1 abaixo, caso se confirmem, não só implicarão em retrações sem precedentes no país, como apontam também para uma década econômica perdida no período de 2011 a 2020, com PIB em média crescendo próximo a zero, em contraste com a taxa média observada na primeira década do século XXI da ordem de 3,9%aa, e PIB per capita caindo, segundo algumas estimativas, mais de 9%.
No final de abril, quando a maioria das instituições internacionais projetavam queda acima de 5% do PIB no Brasil em 2020, a mediana das expectativas do mercado levantadas na pesquisa FOCUS/BCB estimava -3,5%. No último levantamento em 29/05/20, a queda esperada pelo mercado financeiro brasileiro já era de -6,25%, maior que a média internacional. Do ponto de vista setorial, o mercado estima retração de – 4,5% na produção industrial e de – 4,7% no caso de serviços. Só o setor agropecuário, em função das demandas internas e externas de commodities, cresceria 2,1%. Todavia, já há fortes indícios de que estas projeções podem estar subestimando os efeitos da pandemia na economia brasileira e os cenários base de vários bancos, empresas de consultoria e instituições de pesquisa começam a transitar para o patamar de retração do PIB de – 7%, o que, em um cenário mais pessimista apesar de menos provável, pode chegar a dois dígitos.
Três fatores estariam pesando para a piora das estimativas do PIB do Brasil em 2020: falhas de coordenação das medidas de distanciamento social em níveis federal, estadual e municipal, levando à quarentena moderada na maior parte do país; baixa celeridade das políticas públicas de mitigação econômica junto aos segmentos mais vulneráveis, como os informais e as micro e pequenas empresas; e demora na transferência de recursos para estados e municípios, que vem sofrendo perdas de arrecadação de receitas consideráveis em função da crise. Este último fator será objeto do próximo artigo que tratará do impacto da crise nos estados, com destaque para a região Nordeste onde reside grande parte dos pobres do Brasil.
Na área de saúde há um relativo consenso que apesar do Brasil já se encontrar em isolamento social há bastante tempo, na maioria dos casos, a quarentena tem sido moderada e isto tem contribuído para protelar o achatamento das curvas de contágio dos estados e do país. O índice de monitoramento de isolamento social do jornal Estado de São Paulo (Estadão) mostrava, em 01/06/20, que a média do país se encontrava próxima a 40%, quando o mínimo recomendado é de 55% e o ideal de 70%. Mesmo estados onde o sistema de saúde está operando no limite como Amazonas, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, os índices são 43,8%, 40,7%, 44,2%, 44,2%, 42,9% e 40,6%, respectivamente. As perspectivas que estes indicadores colocam é que levará mais tempo para se atingir o pico da pandemia no Brasil, alguns estados terão que adotar medidas mais rigorosas de isolamento (lockdown), sob pena do sistema de saúde entrar em colapso, o relaxamento gradual tenderá a ter uma intermitência maior, e, o mais grave, mais vidas serão sacrificadas com consequências econômicas e sociais.
Na base da quarentena moderada estão as falhas de coordenação e de planejamento das ações emergenciais de enfrentamento do vírus mencionadas, em grande medida devido à falta de compreensão por parte do Governo Federal de que a crise econômica é provocada pelo vírus e não pelas medidas de isolamento social, como se houvesse um trade-off entre emprego e saúde, aumentando o ruído entre os governadores e o Presidente e a gravidade das crises sanitária e econômica.
As medidas aprovadas pelo Congresso, como a Lei 13.982/2020 que institui quais são os beneficiários da renda básica de emergência de R$ 600,00 por três meses, apesar de importantes para mitigar os efeitos econômicos adversos da pandemia nos setores informais e vulneráveis da população, tem padecido de pouca agilidade na sua implementação. De acordo com a Nota Técnica nº 42 do Instituto Fiscal Independente (IFI) do Senado, no início de maio foram pagos R$ 35,5 bilhões a 50 milhões de pessoas, enquanto 13,7 milhões continuavam em avaliação e 1 milhão de cadastros não haviam sido processados pela Dataprev. Pelo cenário base do IFI, em três meses (abril, maio e junho) o governo federal deverá gastar R$ 154,4 bilhões com a renda emergencial e beneficiar aproximadamente 80 milhões de pessoas. Com base nestas estimativas, cerca de 30 milhões de pessoas ainda não haviam recebido a primeira parcela do auxílio no início de junho. É importante chamar atenção de que, em relação aos beneficiários do bolsa família, o auxílio emergencial representou aumento de 200%, enquanto que, no caso do setor informal no Brasil, com renda média de RS 1.700,00, a renda básica significou redução de 65,5% para os que foram afetados pelo distanciamento social. Em suma, todos estes fatores, ou seja, entraves operacionais no acesso ao auxílio e perda de renda, tem forçado as famílias carentes a saírem do isolamento social, acentuando as crises sanitária e econômica.
Outro setor vulnerável e extremamente estratégico em função de sua capacidade de geração de emprego e renda são as micro e pequenas empresas. De acordo com pesquisa realizada pelo SEBRAE, de 30 de abril a 5 de maio, mais de 88% das micro (ME) e pequenas (EPP) empresas responderam que tiveram queda de faturamento provocada pela pandemia. Das ME e EPP, 52% consideraram que neste momento de crise o governo deveria aumentar as linhas de crédito, 63% que estes empréstimos deveriam ser sem juros e 68,1% que as empresas precisariam destes recursos para manter seus negócios e evitar demissões. Ainda segundo a pesquisa, desde o começo da crise, 37% dessas empresas buscaram empréstimos, mas 22% não conseguiram, 10% os processos encontram-se em avaliação pela instituição financeira e 5% obtiveram sucesso. Ou seja, dos 17 milhões de pequenos negócios do Brasil, quase 7 milhões procuraram crédito no período e só 980 mil conseguiram o empréstimo.
A pesquisa do Sebrae também registrou que a menor taxa de sucesso das solicitações de crédito é a dos bancos públicos com 9,5%, contra 11,8% dos bancos privados e 30,6% das Cooperativas de Crédito. Não há dúvida que esta dificuldade de acesso a crédito em um momento de agravamento da crise sanitária e econômica colocará em risco a sobrevivência da maioria das ME e EPP do país, acarretando um elevado custo econômico e social.
O mais crítico de tudo isso é que não faz o menor sentido as ME e EPP estarem correndo risco de sobrevivência, uma vez que o Banco Central pode comprar a carteira de crédito dos bancos comerciais ou instituir um fundo garantidor que assuma 100% do risco das operações bancárias com essas empresas. Tais medidas permitiriam a transferência do risco de crédito para o BC, aumentando a oferta de crédito às MPEs. As taxas de juros seriam subsidiadas com prazo mínimo de carência de um ano, uma vez que o processo de recuperação será lento e as empresas precisarão recuperar o seu faturamento. Esta política de subsídio para assegurar a manutenção dos pequenos negócios e empregos vem sendo adotada em vários países e o Brasil dispõe de recursos para tanto, na medida que pode se endividar internamente e emitir moeda, desde que haja autorização do Congresso.
É importante salientar, ainda, que no debate das medidas econômicas para mitigar os efeitos da pandemia sobre os setores mais vulneráveis, com todas as limitações acima apontadas, que podem agravar as crises sanitária e econômica, é desconsiderado pela maioria dos analistas o efeito multiplicador dessas políticas sobre o emprego e a renda da economia. Geralmente o foco é na despesa e pouco se considera a receita gerada pelo gasto. Estudo recente realizado pelo CEDEPLAR, ao avaliar os impactos econômicos positivos da política de renda básica emergencial, chegou à seguinte conclusão:
“As projeções realizadas nesse estudo contribuem para o debate público ao realçar os impactos econômicos positivos desse tipo de medida, que devem ser considerados na decisão da possível extensão da medida, principalmente quanto ao tempo do benefício. Muitas vezes a ótica meramente contábil desconsidera esses impactos, tomando decisões puramente baseadas no custo da política e seu impacto fiscal no déficit público, esquecendo-se que o gasto do governo tem potencial de gerar impacto na própria receita de impostos e em amplos segmentos da economia. Manter a renda de famílias vulneráveis diante da pandemia de Covid19 e seus impactos, que tendem a se prolongar, é evitar quedas ainda mais proeminentes na atividade econômica e maior deterioração das contas públicas. Portanto, consideramos que existem evidências econômicas a favor da manutenção do benefício de renda ao longo do ano de 2020, mesmo implicando aumento do endividamento no ano corrente, ou mesmo que seja financiado por emissão de moeda”.
Em síntese, durante a pandemia o impacto sobre o PIB e o emprego no Brasil pode atingir patamares sem precedentes, em função dos problemas de coordenação da política de isolamento social como também pela insuficiência e falta de agilidade das políticas de mitigação econômica, e, o mais grave, tais problemas não são causados por restrições técnicas (fiscais), mas sim por falta de decisão política e de desapego a velhos dogmas..
Reynaldo Rubem Ferreira Jr (Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEAC – da UFAL)
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