10 de julho de 2020 8:21 por Redação
No artigo anterior discutimos que a interrupção dos circuitos de produção e comercialização na maioria dos setores da economia brasileira a partir da segunda quinzena de março do corrente ano resultou em pronunciados efeitos negativos na geração de emprego e renda. Estimativas recentes realizadas por instituições internacionais como Banco Mundial, FMI e OCDE confirmam as perspectivas nada animadoras quanto ao tombo do nosso PIB em 2020. A primeira instituição mencionada estima retração 8%, a segunda de 9,1% enquanto a terceira de 7,4%, podendo chegar, no caso de um rebote da onda do Covid19, a 9,1%. Ainda segundo a OCDE, no caso da economia global as retrações poderão chegar a 6%aa e 7,6%aa, respectivamente. Nesta coluna trataremos dos efeitos do COVID19 nas receitas estaduais, mais especificamente nos casos dos estados da região Nordeste, e da falta de agilidade na adoção das medidas aprovadas pelo Congresso Nacional para minimizar as perdas de arrecadação.
Antes da análise dos dados consolidados da arrecadação tributária estadual (CONFAZ) e das transferências do Fundo de Participação dos Estados da União (FPE-STN) para as Unidades da Federação (UFs), nos meses de março a maio de 2020 e 2019, é importante esclarecer dois aspectos. A escolha dos dois períodos em análise tem a ver com a tentativa de aferir os efeitos do distanciamento social sobre as receitas nominais (sem deflacionar) das UFs, mesmo considerando que grande parte do impacto negativo se concentrou nos meses de abril e maio. O fato dos valores serem nominais não compromete a análise, uma vez que houve diminuição na receita consolidada e a taxa de inflação entre os dois períodos foi positiva, reforçando a queda na arrecadação real.
Outro aspecto relevante diz respeito as restrições financeiras das UFs comparadas às do Governo Federal. Diferentemente deste último, os estados e municípios, assim como nos casos das famílias, não tem como financiar seus gastos por meio da emissão de moeda (dívida que não paga juros) e/ou de títulos públicos (dívida que paga juros). As suas receitas, em larga medida, vêm dos impostos e transferências institucionais. A geração destes recursos orçamentários por sua vez tem uma natureza pró-cíclica, ou seja, dependem dos níveis de produção e circulação de mercadorias e serviços. Isto significa dizer que quando a economia está crescendo aumentam as receitas das UFs e quando a economia entra em recessão estas colapsam, como será mostrado a seguir, levando ao aumento dos déficits primários e nominais (que incluem o passivo financeiro). Daí o papel crucial a ser exercido pelo Governo Federal, que não possui restrição financeira na moeda do país, apesar de esta ser uma tese polêmica entre economistas ortodoxos e heterodoxos, na transferência de recursos emergenciais para estados e municípios. O Congresso Nacional tem se mostrado sensível aos problemas de financiamento dos gastos dos estados e municípios impostos pela pandemia, mas, assim como para os casos das famílias e do setor produtivo privado (principalmente as MPEs), a falta de agilidade na transferência dos recursos poderá agravar ainda mais as crises sanitária, econômica e social.
Mas qual foi o impacto até maio de 2020 do Covid-19 sobre as receitas dos estados do Nordeste?
Os dados exibidos nos gráficos nº 1 e 2 são preocupantes e dão uma dimensão dos reflexos da crise nas UFs. No tocante ao valor da receita de tributos consolidada no período em análise, com base nas informações do CONFAZ, o Nordeste registrou queda de 16,4%. Percentual acima do observado para o Brasil com retração de 11,6% e em relação aos das regiões Norte, da ordem de 3,5%, Centro Oeste de 2,7%, Sudeste de 12,6% e Sul de 12,2%. As duas regiões com maior redução de receitas abrigam 69% da população do país e das demandas por serviços públicos, principalmente os de saúde em tempos de pandemia, o que dá uma ideia do tamanho do problema a ser criado com a falta de agilidade nas transferências dos recursos emergenciais. No caso dos estados do Nordeste a situação é ainda mais delicada, ao abrigarem o maior contingente de pobres da nação e registrarem encolhimento de suas receitas da ordem de 15%, em média, com destaque para os estados do Ceará e Piauí com 30,3% e 19,5%, respectivamente
Quanto ao valor consolidado das transferências do FPE da União para os estados da região Nordeste, no período em análise, as quedas registradas também são pronunciadas e reforçam a perda de receitas das UFs. Na média, os recursos do FPE transferidos caem acima de 12% e os estados menores, como Alagoas e Sergipe, são os mais afetados. Somando-se os valores dos tributos estaduais com os das transferências, quando comparado a receita acumulada de março a maio de 2019, o Nordeste obteve uma queda de receita de R$ 5,31 bi, enquanto Maranhão perdeu R$ 370 mi, Piauí R$ 350 mi, Ceará R$ 1,36 bi, Rio Grande do Norte de R$ 260 mi, Paraíba de R$ 330 mi, Pernambuco R$ 810 mi, Alagoas R$ 270 mi, Sergipe R$ 220 mi e Bahia R$ 1,34 bi.
É de se supor que a erosão das finanças estaduais teria sido ainda maior caso o Nordeste não tivesse recebido nos meses de abril e maio, com base nos dados do Instituto Fiscal Independente (IFI), uma injeção de R$ 15, 3 bi do auxílio emergencial para as pessoas registradas no bolsa família e cadastro único. Estes recursos, que beneficiaram cerca de 9,94 mi de nordestinos, bombearam para as economias dos estados aproximadamente R$ 4 bi na Bahia, R$ 2,5 bi em Pernambuco, R$ 2,4 bi no Ceará, R$ 2,11 bi no Maranhão, R$ 1,12 bi para a Paraíba, R$ 980 mi para o Piauí, R$ 878 mi para Alagoas, R$ 796 mi para o Rio Grande do Norte e R$ 604 mi para Sergipe.
O mais preocupante é que ante este quadro de deterioração das finanças estaduais os recursos emergenciais aprovados pelo Congresso Nacional não estão sendo celeremente transferidos pela União para as UFs. De acordo com reportagem do Valor Econômico de 17/06/20, a partir dos dados da IFI, dos R$ 12,5 bi aprovados para saúde só 28,3% foram efetivamente gastos até o momento, dos R$ 16 bi para compensar as perdas dos fundos de participação, apenas 12,3% havia sido liberado, e dos R$ 60,19 bi do auxílio financeiro aos demais entes relacionados ao Programa Federativo de Enfrentamento da Covid-19 nenhum centavo havia sido gasto. Em síntese, do total de R$ 403,87 bi de recursos orçamentários o Governo Federal só havia realizado 33,6%.
As consequências sanitárias e econômicas para o país da falta de agilidade na transferência de recursos às UFs são imprevisíveis. Mas pode-se afirmar com certo grau de segurança que poderá levar, a continuar neste ritmo, em breve ao comprometimento dos serviços públicos de saúde, obrigando estados e municípios a retomar medidas de distanciamento social mais severas, como também nas áreas de segurança, uma vez que a capacidade de pagamento dos servidores públicos poderá estar seriamente comprometida. Do ponto de vista econômico, a intermitência da quarentena dificultará ainda mais a retomada gradual do circuito de produção e circulação de bens e serviços, com implicações negativas sobre as gerações de emprego, renda e receitas tributárias como também para a sobrevivência de milhares de MPEs.
A grande lição dessa pandemia, a meu ver, é que não podemos usar da mesma forma os instrumentos de políticas fiscal e monetária como nas crises econômicas convencionais. Como chamei atenção no artigo de 24/04/20 neste blog, “a segunda implicação da natureza dessa crise é que ao longo do surto viral as políticas macroeconômicas de mitigação da crise não terão um caráter keynesiano contracíclico, de estímulo à atividade econômica, tipicamente adotadas nas crises econômicas globais, mas de preservação da vida das pessoas e da estrutura econômica e social. Em outras palavras, as políticas públicas terão que evitar tanto a paralisia do sistema de saúde, como os efeitos negativos do lockdown sobre as famílias, empresas e bancos. Da eficácia ou não da intervenção do Estado na economia basicamente dependerá a capacidade de retomada da economia no pós-Covid-19”. Infelizmente enquanto esta ficha não cair não só estaremos perdendo a guerra para o vírus, com a morte de milhares de pessoas, como plantando as bases para anos de estagnação econômica e social no nosso país.
Reynaldo Rubem Ferreira Jr (Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEAC – da UFAL)
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