3 de agosto de 2020 10:03 por Redação
Dia em Defesa do Mangue
No dia 26 de julho de 1998, Hayhow Daniel Nanoto, ativista micronésio do Greenpeace, estava em Muisne, no Equador, quando sofreu um ataque cardíaco e faleceu. Ele estava lá participando, junto à comunidade local, de um ato de protesto quando desmantelaram um tanque ilegal de criação de camarões. Acima de tudo, o objetivo era restituir à região as condições para a restauração de uma floresta de mangue.
Por esta razão, a partir do ano 2000, o país passou a celebrar, em 26 de julho, o Dia da Defesa do Mangue.
Muisne – um recanto do Equador
Entretanto, por curiosidade, busquei saber mais sobre Muisne. Como resultado, descobri tratar-se de uma ilha cercada por rios e mar, com uma pequena indústria de transporte de banana. Por ser uma área relativamente remota, atrai somente visitantes que querem desfrutar de áreas afastadas das praias mais populares. Em resumo: A longa e solitária praia de palmeiras na parte de trás é sua melhor característica, e os poucos manguezais restantes na área são protegidos e merecem uma visita.
Dia Internacional para a Conservação do Manguezal
Por outro lado, em novembro de 2015, a Organização das Nações Unidas estabeleceu o dia 26 de julho como o Dia Internacional para a Conservação do Manguezal, que passou a ser comemorado a partir do ano seguinte. E a data ficou sendo lembrada a fim de renovar ações em defesa dos manguezais.
Entretanto, há alguns anos, em um evento em comemoração ao dia do manguezal, um colega professor da Universidade Federal da Bahia, o biólogo Everaldo Queiroz, interrompeu minha fala quando eu disse o que levou ao estabelecimento do dia 26 julho como o dia de comemoração em defesa do manguezal. Ele gritou: “Não, você está errada. Este dia é dedicado à Nanã Buruquê, a protetora dos manguezais”.
Nanã Buruquê – a vovó do Manguezal
De fato, Nanã, no Cadomblé e na Umbanda, é a “protetora” dos manguezais. E hoje é comemorado o seu dia! Ela é considerada a Vovó – a mais velha Orixá. Na Umbanda Sagrada, o sincretismo religioso a fez ser representada por Santana, mãe de Maria, a mãe de Jesus!
Contudo, naquela ocasião, perdi a oportunidade de esclarecer com Everaldo se havia algum documento que indicasse a escolha do dia da comemoração por ser o Dia de Nanã. E agora, quando decidi escrever esta história, não encontrei qualquer documento referente àquela defesa (até raivosa e exaltada) do meu colega, que achou absurdo eu não saber disso e ter citado o que está registrado. No entanto, recomendo um livro bem didático para quem trabalha em áreas de manguezais, e que cita Nanã em um capítulo como uma das “personagens” do manguezal. Vale a pena conferir.[i]
O que é o Manguezal
Mas, o que é exatamente o manguezal? Na minha área de trabalho, falar em Manguezal traz à memória imediatamente o nome Yara Schaffer-Novelli, docente e pesquisadora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Ela trabalha e tem formado pesquisadores, há décadas, estudando e defendendo os manguezais. Um pequeno livro, lançado em 1995, que traz contribuição de diversos pesquisadores e que tem o título Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar[ii] continua atual e útil para o entendimento destes ecossistemas tão comuns em Alagoas. E, nessa publicação, que ela, como organizadora, considera uma monografia – para preencher a lacuna entre as “cartilhas” por demais elementares e os “trabalhos científicos” – a definição de manguezal é: Ecossistema costeiro, de transição entre os ambientes terrestres e marinho, característico de regiões tropicais e subtropicais, sujeito ao regime das marés.
Em virtude da complexidade, a autora orienta que os manguezais devem ser estudados de forma interdisciplinar, com um enfoque holístico. Isto porque neste tipo de ecossistema há diversos compartimentos, o que não se restringe apenas a uma única formação acadêmica. Ali estão “a cobertura vegetal, a fauna associada, o sedimento, os processos hídricos, incluindo, marés, aporte da água doce pelos rios e pelas chuvas, evapotranspiração, entre outros”. E tudo isso é fundamental para o funcionamento destes ecossistemas.
E o Mangue?
Eu quero dizer, para algumas pessoas que confundem mangue e manguezal, a diferença entre os conceitos. Mangue é a vegetação predominante no ecossistema Manguezal, e que o caracteriza. Assim é que reconhecemos o mangue vermelho ou mangue verdadeiro; siriúba – quando raspada a casca, apresenta cor amarelada; o mangue branco e o mangue-botão. Embora haja outros tipos de vegetação, o mangue fornece as principais características paisagísticas ao ambiente.
Impactos ambientais
Mas, é exatamente por estarem localizados em regiões intermediárias entre o mar e o ambiente terrestre, frequentemente associados a regiões estuarinas, que os manguezais sofrem ações deletérias de impactos ambientais provocados pelo homem. Dentre estes, destacam-se diversos tipos de poluição provocada por efluentes lançados sem qualquer tratamento, provenientes de atividades agroindustriais e esgotos domésticos gerados em aglomerados urbanos que ou não são contemplados por serviços de saneamento básico, ou o serviço é precário.
Além da poluição por esgotos, resíduos sólidos são lançados nos cursos d’água e acabam ficando presos às raízes do mangue. Por outro lado, há desmatamentos promovidos pela ganância imobiliária, atividades turísticas, cultivo de camarão, entre outras atividades sem qualquer ordenamento e gestão. E, estamos cansados de saber que “Na briga do rochedo com o mar, quem sai perdendo é o marisco”. Dessa forma, as comunidades pesqueiras, que tradicionalmente habitam próximo aos manguezais e dependem da extração de seus recursos para a alimentação e a sobrevivência financeira, vêm perdendo território a cada ano.
Em conclusão
Eu gostaria de escrever muito mais. Mas, para finalizar por hoje, prometo que voltaremos a falar sobre os manguezais, ecossistemas altamente ameaçados! Há muito a ser dito, principalmente sobre as funções destes ecossistemas.
Desde 31/01/2014, nosso colega Everaldo Queiroz foi habitar outro plano e a ele dedico este dia de Nanã Buruquê! Saluba, Nanã Buruquê! Saluba!
[i] FREITAS, A.C. et al. Lendas, misticismo e crendices populares sobre manguezais. In: Pinheiro, M.A.A. (Org.) Educação ambiental sobre manguezais. São Vicente: UNESP, 2018. p. 144-165.
[ii] SCHAEFFER-NOVELLI, Y. (Org.) Manguezal: ecossistema entre a terra e o mar. São Paulo: Caribbean Ecological Research, 1995.
5 Comentários
É muito prazeroso lê seus artigos Fátima, além de ser uma leitura bastante explicativa e informativa é escrita de forma suave que dá gosto de ler.
Sempre aprendo com os seus artigos, nunca deixe de escrever. Você tem o dom da escrita. Parabéns! Abraço!!
Noêmia, fico feliz com o feedback. Gosto de escrever, mas é bom saber se o texto é agradável para o leitor. Sigamos navegando nas águas que se apresentam, com coragem, fé que isto vai mudar para melhor e muita luta. Abraço
Olá, Noêmia
Você pode imaginar como é bom saber que o escrevemos está sendo lido e que traz informações úteis. Grata por tua leitura atenta e pelo retorno seguro. Sigamos
Hoje eu quero agradecer por esse artigo bem feito e com
as explicações corretas. Esta ficando complicado com
tantos sites e informações diferentes e erradas.
Grata por teu comentário, Betinha. O 082Notícias tem essa intenção de trazer informações que sejam úteis e que cheguem ao leitor de forma clara. É muito bom ter esse retorno.