sexta-feira 22 de novembro de 2024

O misterioso assassinato do delegado Barrinhos em 1964

25 de agosto de 2020 3:52 por Edberto Ticianeli

Pilotos do Aeroclube de Alagoas em 1945. Barrinhos está na foto do acervo Luiz Carlos Nobre Lages

Em julho de 1961, o delegado da Polícia Interestadual em Alagoas, Rubens Braga Quintella Cavalcanti, divulgou pelos jornais que tinha sido bem-sucedida a diligência comandada por ele no interior do Estado “contra a maconha e os maconheiros”.

A notícia publicada em vários jornais informava que depois de onze dias de ações ininterruptas tinham sido apreendidos 18 mil quilos da droga, que foram transferidos para Maceió e queimados no final da Av. Monte Castelo, no Vergel do Lago.

Alagoas vivia os primeiros meses do governo de Luiz Cavalcante, que havia empossado, em 3 de março de 1961, o major João Mendes de Mendonça à frente da Secretaria do Interior, Justiça e Segurança Pública.

Quintela, que antes fora delegado de Homicídios, informou à imprensa da época que a repressão ao plantio e ao tráfico faziam parte de um plano de âmbito nacional traçado por autoridades federais e estaduais.

 

Rubens Quintela foi o primeiro delegado da Polinter em Alagoas

Isso somente estava acontecendo por já existir a Polinter, Serviço de Polícia Interestadual, que fora criada em todo o país a partir de uma reunião realizada entre os secretários de segurança dos estados em fevereiro de 1960, no Rio de Janeiro.

Muitos anos depois, Rubens Quintela citava esta campanha para lembrar os vários voos realizados sobre as áreas fiscalizadas para localização dos plantios e que o piloto requisitado foi o Barrinhos. Mais tarde, e por influência do próprio delegado Quintela, este profissional passou a fazer parte dos quadros da Segurança Pública em Alagoas.

Assim, Albérico Barros, que era tido como um piloto intrépido e capaz de realizar manobras arriscadas, iniciou uma carreira meteórica que, em poucos anos, o levou a substituir o próprio Rubens Quintela na Polinter.

Barrinhos nasceu em Capela, Alagoas, onde seu pai, conhecido como Barros, era tabelião público e nos anos 30 liderou o movimento integralista naquele município, onde também nasceu o governador Luiz Cavalcante.

Como piloto, sua trajetória nos ares alagoanos teve início nos primeiros anos da década de 1950. Trabalhou na empresa táxi-aéreo de Nilson Tenório, que utilizava quatro aviões e tinha seu campo de pouso no bairro do Pinheiro.

Há registro que no dia 4 de abril de 1952 Albérico Barros pilotou o “teco-teco” que conduziu o jornalista Genésio de Carvalho e o fotógrafo Roberto Stuckert até Pão de Açúcar, de onde a equipe se deslocou em automóvel até Batalha para cobrir o caso dos gêmeos quíntuplos nascidos daquele município. (A Noite de 22 de abril de 1952).

Neste mesmo ano, transportou José Moura Rocha, então estudante de Direito, até Garanhuns para trazer a Maceió um colega que compunha o Colegiado da Faculdade cujo voto era decisivo para indicar Moura delegado ao congresso da UNE em Goiânia.

Na Polinter
Em setembro de 1962 já era citado como Comissário Especial da Polinter e em outubro identificado como chefe desta instituição policial.

Segundo Rubens Quintella, Barrinhos conseguiu afastá-lo da Polinter utilizando a amizade e influência de D. Mariontina Cavalcante, esposa do então governador Luiz Cavalcante: “Depois disso, tivemos algumas discussões e eu disse que ele tinha feito uma grande traição comigo”.

No dia 28 de julho de 1963, o jornal Última Hora (PE) denunciou que dois dias antes, em Palmeira dos Índios, uma senhora de nome Francisca Holanda Cavalcante, viúva e mãe de sete filhos, foi barbaramente espancada por policiais da Polinter para indicar onde plantava maconha em suas terras.

Albérico Barros, chefe da Polinter, disse à imprensa que a plantação foi localizada e foram apreendidas duas toneladas da droga.

Albérico Barros em 1964

Na Assembleia Legislativa de Alagoas, o deputado Remy Maia (PL) recebeu esta senhora, ainda muito machucada, e diante da constatação da violência empregada, disse que o “espancamento demonstra claramente ser o delegado da Polinter um doente mental”.

Barrinhos rebateu dizendo que “valia mais um bárbaro ‘empurrão’ do que a propagação de duas toneladas e meia de maconha”, e por isso mesmo “tinha feito justiça com as próprias mãos”.

Segundo o jornal, durante essa operação em Palmeira dos Índios, o delegado Albérico Barros “invadiu a Igreja localizada no Distrito Rua Nova […], de metralhadora em punho e com forte contingente policial, removendo daquele templo católico todas as imagens que se encontravam no Santuário, à procura de erva maldita”.

O então funcionário da Petrobras Jandival Lyra Gabriel, o Val, em seu livro Memórias de um líder revela que também conheceu Albérico Barros como piloto.

Na noite de 31 de março de 1964, quando foi deflagrado o golpe militar que derrubou o presidente João Goulart, Val se dirigiu à sede do Sindicato dos Trabalhadores no Petróleo em Maceió, onde era dirigente.

Foi impedido de entrar por policiais da Polinter. Viu que o vice-presidente da entidade, Alan Brandão, estava detido e insistiu em falar com quem comandava os policiais. Permitiram que ele subisse as escadas do prédio da Rua 2 de Dezembro, no Centro de Maceió:

“Ao chegar à varanda, antes da sala, veio o chefe. Quando eu olho direito para ele percebi que era o mesmo piloto que me levava para a sonda [da Petrobras], e era o mesmo que eu contratava para soltar boletins de manifestos”.

E continua: “Mas nunca sabia que ele era da Polinter, o terrível Albérico Barros (Barrinhos). Ele já me conhecia e perguntou-me: O que queres? Eu respondi: Falar com o Alan. Ele disse-me: o Alan está preso”.

A característica de policial truculento de Albérico Barros era conhecida por todos à época, como comprova reportagem de O Jornal de 2 e 3 de novembro de 1963, noticiando que dias antes ele havia invadido a Assembleia Legislativa e retirado à força da Sala das Comissões o camponês Pedro Balbino Tavares, que esperava para prestar declarações sobre o espancamento que sofrera dos fazendeiros Agenor e Manoel Alfredo Fragoso, de Flexeiras.

O presidente da Casa, deputado Lamenha Filho, consultou o plenário sobre como responder à ação agressiva do policial. Os deputados votaram um pedido de demissão do delegado ao governador. Barrinhos permaneceu no cargo.

O crime

Estação Rodoviária de Maceió nos anos 60 e as pensões da Rua Barão de Atalaia, onde morava Barrinhos

Um advogado bem conceituado em Alagoas e que nos anos 60 tinha convivência com alguns deputados estaduais, revelou a esta pesquisa que Albérico Barros era considerado um homem de coragem e que cuidava meticulosamente da sua segurança.

Morava na Rua Barão de Atalaia em uma pensão que se situava entre a antiga Estação Rodoviária e a Escola Industrial de Maceió, atual Ifal.

Somente entrava no local após observar o movimento ao redor e no corredor do prédio agia com a mesma cautela, sempre com uma submetralhadora nas mãos.

Essa informação leva a crer que na madrugada da segunda-feira, dia 6 de julho de 1964, quando entrava na pensão, deve ter sua atenção desviada para alguém conhecido que estava num automóvel próximo à entrada da pensão.

Foi assassinado com nove tiros disparados de revólver ou revólveres (alguns jornais noticiaram oito tiros).

A reportagem do Diário de Pernambuco do dia seguinte detalhava que “o criminoso, ao que tudo indica um exímio pistoleiro, atirou contra a vítima do interior de um veículo em movimento. No que pese essa difícil posição em que se colocou o pistoleiro para a consumação do crime, acertou no alvo todos os nove projéteis deflagrados”.

Dois meses depois, segundo ainda o mesmo jornal, o assassino foi preso (10 de setembro) no bairro do Imbuí, Rio de Janeiro, “onde se achava trabalhando, graças a falsas informações dadas aos donos do Sítio Joana” (Diário de Pernambuco de 11 de setembro de 1964).

O detido foi identificado como sendo o motorista Humberto Barbosa Messias, de 30 anos.

“Messias, embora armado, pois não se mostrava disposto a entregar-se sem resistência, foi surpreendido pelo investigador ‘Japonês’ e pelo soldado Geraldo, da Polícia fluminense, incumbido de sua captura a pedido do coronel João Mendes, Secretário de Segurança do Estado de Alagoas, que procurava localizar o facínora por todo o País”, concluiu a reportagem.

A trama

Em depoimento para uma plateia de estudantes e professores da Ufal durante a Mesa Redonda História Reveladas pelos Presos Políticos e Familiares, realizada no dia 31 de março de 2014, no Auditório da Reitoria, o advogado e ex-deputado federal José de Oliveira Costa, ao esclarecer o assassinato do secretário de Segurança de Alagoas, Luiz Augusto de Castro e Silva, o Tininho, ocorrido em 2 de abril de 1965, deu pistas importantes sobre o também assassinato de Barrinhos no ano anterior.

“Um determinado dia em 1964, o delegado Rubens Quintela foi informado que três pessoas estavam nas imediações do Clube Fênix aguardando a saída dele para matá-lo, e que estas pessoas estavam ali a mando de outro delegado de Polícia, Albérico Barros, o Barrinhos, um matador exímio”.

Luiz Augusto de Castro e Silva, o Tininho

Continuou José Costa: “Quintela conseguiu prender essas três pessoas, que foram eliminadas, mas com elas foram encontradas carteiras de porte armas concedidas pelo secretário Tininho. Rubens Quintela entendeu que a emboscada que ele estava sofrendo tinha como autor intelectual o Barrinhos”.

Sobre a morte de Tininho, José Costa indicou o mandante: “E aí resolvem apurar o crime e dr. Rubens, que teria sido o autor intelectual desse crime, apurou a autoria em cima do dr. José Moura Rocha, alegando que a morte do Tininho, um notório anticomunista, era um atentado terrorista, coisa de comunista”.

Um jornal pernambucano informou, logo após o crime que vitimou Tininho, que ele “vinha imprimindo uma ação enérgica à frente da sua pasta, disposto mesmo a desvendar crimes bárbaros que estavam impunes, como a eliminação do chefe da Polinter, Albérico Barros”.

Um ofício confidencial da Delegacia Regional em Pernambuco da Polícia Federal, datado de 20 de janeiro de 1972, disponível no Arquivo Nacional, informa sobre as organizações criminosas em Alagoas.

Na relação por municípios, o nome de Rubens Quintela, citado como ex-delegado da Polinter e delegado de Roubos e Furtos, surge como chefe em Maceió. É citado também no item sobre o crime que vitimou Albérico Barros, delegado da Polinter: “Autores = Delegado Rubens Quintela, pistoleiro Floro Gomes e demais membros da organização”.

Mesmo com todos estes indícios colocando Rubens Quintela como suspeito de ser o autor intelectual dos dois crimes, ele negou categoricamente esta possibilidade.

Muitos anos depois, em entrevista, afirmou que nunca teve ideia de matar Albérico e argumentou em seu favor que tinha sido ele quem levou Barrinhos para a Polinter, após ter sido atuante piloto nos sobrevoos das áreas de plantios de maconha e também no deslocamento das autoridades para as áreas de ação policial.

Entretanto, Rubens Quintela, deixou transparecer que não gostou quando o Barrinhos conseguiu afastá-lo da Polinter. Insinuou que ele passará a ter poder graças à amizade que tinha com esposa do então governador Luiz Cavalcante. “Depois disso, tivemos algumas discussões e eu disse que ele tinha feito uma grande traição comigo”, confirmou Quintela.

O experiente policial, além de se isentar de qualquer culpa, indicou os possíveis assassinos. Teriam sido os filhos de uma fazendeira de Quebrangulo que sofreu muitas humilhações quando teve as suas terras invadidas por Barrinhos e sua equipe em busca de maconha. Os filhos dela teriam vindo de São Paulo para vingar a desfeita.

Bode expiatório

Independente de quem foram os executores, fica claro que Barrinhos e Tininho foram assassinados como parte da disputa pelo poder na Segurança Pública em Alagoas. Essa constatação se configurou como a mais provável principalmente a partir da morte do Tininho em abril de 1965.

Mas não era essa a constatação logo após o assassinato de Barrinhos. As informações sobre a apuração do assassinato chegavam à imprensa tentando conduzi-la em outra direção, demonstrando claramente que havia grandes interesses em jogo.

Já nas primeiras notícias, a cúpula da segurança pública alagoana indicava aos repórteres quem seriam os culpados: o jornal A Noite (RJ) de 8 de julho, dois depois do episódio, alertava que havia grandes dificuldades para identificar os criminosos, “tendo em vista que o delegado Albérico desbaratou, nos últimos dias, uma série de quadrilhas de traficantes”, apontando para os argumentos exposto por Rubens Quintela muitos anos depois.

O Diário de Pernambuco, do mesmo dia, reforçava as suspeitas que o crime foi para afastar o delegado “do seu programa de ação contra o comércio criminoso da ‘erva maldita’, o qual envolve não somente milionários da terra, assim como influentes políticos, os chamados “coronéis da maconha”.

Pela edição de 12 de agosto de 1964 do Diário da Noite (SP) sabe-se que a polícia insistia na identificação dos mandantes como sendo traficantes de maconha e já colocava luz sobre os possíveis pistoleiros envolvidos no crime.

Nesta data ninguém sabia quem tinha atirado em Barrinhos, mas o Diário da Noite afirmava que “os homens que controlam as plantações e o tráfico da maconha (quase toda ela vem para o Sul, via São Paulo), têm a soldo os mais perigosos pistoleiros. Entre eles figuram com destaque Humberto Barbosa Messias, Wilson Rocha, Walderico Ferreira Gomes e outros”.

O ex-PM Humberto Barbosa Messias foi acusado do crime, mas foi assassinado meses depois na Cadeia jurando inocência

Coincidentemente, no início de setembro, pouco mais de um mês após ter o seu nome citado pelo Diário da Noite como um dos pistoleiros à serviço do tráfico, Humberto Barbosa Messias foi preso no Rio de Janeiro e transportado para Maceió.

O jornal Correio da Manhã, de 27 de setembro de 1964, assim registrou a presença do suposto executor de Barrinhos em Maceió: “Encontra-se recolhido à Penitenciária do Estado, Humberto Barbosa Messias, apontado como o assassino do delegado da POLINTER, Albérico Barros, trucidado em julho último nas proximidades da estação rodoviária. Humberto, capturado em Teresópolis, nega a autoria do homicídio”.

O ex-policial militar Humberto, que tinha 30 anos e se considerava compadre de Rubens Quintela, negou ter participado do crime e estava prestes a ser posto em liberdade quando, em fevereiro de 1965, foi assassinado dentro da Penitenciária de Maceió. Houve um princípio de rebelião e ele foi atingido por vários disparos de arma de fogo.

Em depoimento ao Diário de Notícias (RJ) de 7 de março de 1965, o ex-governador Muniz Falcão denunciou a violência em Alagoas e revelou detalhes da morte do Barrinhos, além de inocentar Humberto:

“Albérico Barros, delegado da Polinter, assassinado altas horas da noite, a tiros, em Maceió, no dia 5 de julho de 1964, crime revestido de mistérios, mas que todos sabem se tratar de caso político. Sobre tal fato, prenderam, — o único preso em toda essa história — Humberto Barbosa de Messias, que nada tinha a ver com o crime, como provou, mas que, por isso mesmo, foi trucidado no interior da Penitenciária de Alagoas, conseguindo-se, deste modo, abafar o clamor público que já se eleva no meu Estado”.

A partir de então, toda a imprensa passou a se referir ao crime como não resolvido, sem a identificação dos executores e mandantes.

Em 11 de maio de 1965, o Jornal do Brasil anunciava que naquele mesmo dia os agentes federais iriam revelar “a solução de um dos crimes famosos de Alagoas”. Indicam que pode ser o assassinato de Barrinhos: “Até o momento, a Polícia encontrava-se confusa quanto ao crime, com dezenas de suspeitos apontados à opinião pública, sem, no entanto, aprofundar as investigações”.

E assim, sem solução, permaneceu o crime do piloto e delegado Albérico Barros. Quanto à Humberto Barbosa Messias, nada se sabe sobre o inquérito que foi aberto para identificar quem o matou no presídio. Entretanto, não há dúvidas que a sua morte foi “queima de arquivo”.

Humberto deixou viúva a policial civil Ivonete Ferreira da Silva (faleceu em 2001) e mais seis filhos órfãos. Ivonete, já idosa e morando no bairro do Prado, em Maceió, foi vizinha da viúva de Albérico Barros, que lhe dizia saber da inocência do seu marido.

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