12 de outubro de 2020 11:36 por Thania Valença
Não é período junino e as aglomerações festivas estão restritas por conta da pandemia Covid-19, porém, moradores do Jacintinho e entorno sabem porque, sempre às terças e sextas-feiras, por volta das 19h, se ouve explosão de fogos de artifício na região. A queima de fogos é o sinal dos traficantes para avisar aos “aviões” e consumidores que a “mercadoria” chegou, ou seja, há droga (cocaína e maconha) pronta para a venda.
Só que, ao mesmo tempo que avisa aos “interessados”, o sinal é também um alerta para a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP/AL) e as Polícias Civil e Militar que, nos últimos meses, intensificaram o combate aos narcotraficantes, inclusive aos que já estão no sistema prisional de Alagoas.
Lamentavelmente, são cada vez maiores as quantidades de drogas apreendidas em Maceió, e também no município de Rio Largo.
A operação Lacus foi a mais recente ação realizada, com o cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão.
Cinco homens e uma mulher foram presos e, além de dinheiro, a polícia apreendeu grande quantidade de aparelhos celulares. O trabalho investigativo segue, com a Polícia Civil de Alagoas (PCAL) se preparando para nova investida contra o grupo alvo da operação Lacus, que agia nos bairros do Jacintinho e Feitosa, na periferia de Maceió.
O bando, revela a polícia, tem ramificações com uma facção criminosa de atuação nacional.
Operações como a Lacus exigem minuciosa investigação, que começa com o mapeamento de um “avião” (pessoa que leva a droga ao usuário) até chegar à identidade dos “chefes ou gerentes”. Mas há casos em que a ação tem que ser rápida. Um exemplo foi a apreensão, em fevereiro desse ano, de uma quantidade grande de material, numa residência no bairro Clima Bom, periferia da capital.
O serviço de inteligência da PMAL localizou o imóvel que era utilizado como depósito de drogas. Um grupamento do 4º BPM foi ao local e lá encontrou cerca de 47 kg de maconha e 22 kg de cocaína, além de quase 2 kg de pasta base. Não houve prisões, pois não havia ninguém na casa, mas a apreensão foi um duro golpe no tráfico.
A apreensão de grandes quantidades, entretanto, exige trabalho exaustivo de investigadores. Como numa ação realizada em maio último nos bairros Tabuleiro do Martins e Prado, também em Maceió. Após três semanas de investigações feitas pela Divisão Especial de Investigação e Capturas (DEIC) a Polícia Civil apreendeu 90 kg de maconha prensada, e prendeu um “dono de boca”.
É assim, com um trabalho contínuo, que a Delegacia de Narcóticos (Denarc) tem conseguido dar combate ao tráfico de drogas em Maceió e Região Metropolitana.
Cresce o tráfico e consumo de pó
A maconha ainda é a droga com maior volume de apreensão, mas aumentou expressivamente a quantidade de cocaína apreendida nas operações policiais, especialmente no chamado varejo.
O delegado Marcos Lins Machado, atual titular da Narcóticos, confirma que o pó passou a ser difundido com mais ênfase em Maceió. “Com difusão, e maior oferta no mercado interno, aumentou o consumo deste tipo de droga e também as apreensões no varejo das drogas” – revela o delegado. Outra razão, acrescenta ele, é a ação efetiva de repressão ao transporte de drogas pelas rodovias federais.
As análises das estatísticas policiais mostram que usuários e dependentes químicos continuam a fazer o uso de maconha e crack, mas este vem sendo substituído pela cocaína – substância derivada da mesma pasta base. A explicação é que o pó gera maior valor agregado (econômico) e, diferentemente do crack, que degrada mais rapidamente a saúde, preserva o usuário.
A cocaína vem dos estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste e tem por destino – grande parte dela – capitais como Recife, Natal e Fortaleza. Até meados de 2017, pelo efetivo combate a esse crime, Alagoas havia saído da rota dos traficantes, que estavam estendendo seus tentáculos para o Nordeste.
Nos últimos dois anos, porém, os criminosos mudaram a estratégia, redistribuindo a droga que chega em Sergipe e Pernambuco, em quantidades menores para Alagoas, de 100 a 150 quilos.
Ricos e pobres são vítimas do tráfico
Os jovens da periferia estão mais expostos à ação danosa do traficantes, não somente pela proximidade, já que esses criminosos se escondem em localidades mais afastadas do Centro urbano, mas também pela pobreza e exclusão social.
“O público maior atingido pelo trabalho repressivo das polícias está nas periferias, onde o varejo das drogas é mais visível a ação da população e do Estado” – explica o delegado Marcos Lins.
Porém, ressalta ele, as drogas atingem outras classes sociais.
A classe média e alta é grande consumidora de drogas, notadamente maconha e cocaína, bem como de drogas sintéticas, substâncias mais próximas de públicos mais específicos.
A observação atenta da atividade criminosa revela que a dificuldade financeira pela qual passam os jovens da periferia e a ilusão de liberdade e prosperidade oferecida pelo tráfico impulsionam o uso e, em seguida, a entrada no crime.
“A imaturidade da juventude, o desejo de ‘ser popular’, quanto mais tempos de redes sociais, o distanciamento dos pais, o não fortalecimento de vínculos mais autênticos e o exemplo dos já iniciados geram a aproximação desse público ao mundo das drogas” – analisa o coordenador da Denarc.
Segundo ele, de fato os jovens são mais suscetíveis e expostos nas periferias, mas não é a condição única para se submeterem ao jugo do tráfico. Nem também a condição de devedor. “A expectativa de ganhos fáceis são o maior atrativo para adolescentes e jovens recém-saído da adolescência” – completa Marcos Lins.
Ações contínuas para combate
O combate ao tráfico é um jogo de “gato e rato”, onde a polícia tem sempre que estar à frente, com medidas mais eficientes. O traficante, do mesmo modo que o usuário, tem um perfil volúvel e dinâmico, adaptando-se rapidamente às regras desse mercado criminoso.
“O tráfico exige das agências repressoras um trabalho atuante da mesma forma e em sentido oposto. Temos sempre que colocar em práticas medidas mais sistemáticas e eficientes, que resultem num volume maior de apreensão das drogas mais demandadas atualmente pelo mercado ilícito. A mudança de estratégia é movida pela lógica do mercado que busca fugir da ação repressora” – disse o delegado Marcos Lins.
Segundo ele, por conta da situação geográfica, Alagoas exige uma atuação qualificada e atenta, o que vem sendo feito pelos órgãos encarregados do combate ao tráfico como as polícias Federal e Rodoviária Federal, e seus correspondentes estaduais. O titular da Narcóticos alerta ainda que grande parte da droga transita pela rodovia BR 101, que atravessa o país do Rio Grande do Sul até o Ceará.
Para ajudar no combate, a polícia pede que a população contribua com o trabalho da Segurança Pública, repassando informações sobre organizações criminosas utilizando o Disque–Denúncia. As denúncias podem ser enviadas por meio do aplicativo para smartphone ou pelo número 181. A ligação é gratuita e o sigilo garantido.
Pó sem qualidade
A generalização do consumo de cocaína levou traficantes a misturar a pasta base com outras substâncias, seja para potencializar seus efeitos, seja para aumentar seu volume. Segundo a polícia, a cocaína vendida na forma de um pó branco e muito fino, é misturada a substâncias como talco, amido de milho, açúcar e outros, o que aumenta ainda mais a sua toxicidade.
Segundo informações que circulam na internet, a pureza média da cocaína não é maior do que 20% ou 30%. Os outros 80 ou 70% ficam por conta dos produtos misturados à pasta base.
“Invariavelmente é de péssima qualidade, não significando que a droga que abastece o mercado seja de má qualidade, mas a mistura realizada em quantidade considerável pelos traficantes locais com substâncias como gesso e outros sólidos de cor branca reduz o teor do princípio ativo” – afirma o delegado Marcos Lins, da Polícia Civil de Alagoas.
O grama é vendido em média por R$ 50, quando de melhor qualidade, com menos mistura, caindo o valor a depender da redução do teor da substância base.