24 de outubro de 2020 1:21 por Reynaldo Rubem Ferreira Jr
O pós-pandemia será muito desafiador porque o pré-pandemia já o era em termos de crescimento e desenvolvimento da economia do Nordeste. São problemas estruturais, que os auxílios às famílias e aos governos só fizeram conjunturalmente atenuar, mas estão longe de serem resolvidos. Neste artigo, exploraremos o comportamento de alguns indicadores da economia de nossa região, assim como da dos estados, em uma perspectiva cíclica, tomando o ano de 2014 como ponto de partida. O nosso objetivo é apontar defasagens setoriais que podem comprometer o processo de recuperação da economia do Nordeste, contudo, não temos o propósito de discutir os seus determinantes estruturais.
De acordo com a datação realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a recessão brasileira tem início no segundo trimestre de 2014 e vai até o último trimestre de 2016. Tomando este recorte da FGV como referência, adotaremos a seguinte periodização. O primeiro período é o recessivo, em razão das taxas de crescimento negativas; o segundo de estagnação econômica, dado que as taxas de crescimento não foram suficientes para que os indicadores retornassem aos índices anteriores a recessão; e, por fim, o que diz respeito ao choque provocado pela Covid19. Nos três períodos, no caso do Nordeste, são comparadas as médias dos índices de produção industrial, volume de vendas no varejo e serviços, nos meses de março a agosto de 2015 a 2020, com igual período em 2014. No tocante aos estados nordestinos, apenas dois indicadores foram usados, uma vez que os índices de produção industrial não tem para todos os estados na pesquisa do IBGE. Deste modo, os índices médios do volume de vendas do varejo e serviços, para os meses acima citados nos anos de 2016, 2019 e 2020, foram comparados ao mesmo período de 2014. Como a variação do nível de atividades dos setores de um ano para outro se dá a partir da comparação de seus índices médios, justifica-se o fato de se usar esta métrica na comparação dos dados.
É importante chamar atenção, antes da apresentação dos dados nos gráficos nº 1, 2 e 3, para o expressivo volume de recursos transferidos do orçamento da União à região Nordeste e seus respectivos estados. No caso da primeira, de abril a agosto, segundo o Portal da Transparência (CGU) e IBGE, só o Auxílio Emergencial injetou R$ 64,7bi e, na média da região, cerca de 60% das famílias foram beneficiadas. Em nível estadual, Maranhão recebeu R$ 8,2bi e 65,5% das famílias foram contempladas; Piauí R$ 3,9bi e 61,8%; Ceará R$ 10,2bi e 58,6%; Rio Grande do Norte R$ 3,7bi e 56,3%; Paraíba R$ 4,5bi e 56%; Pernambuco R$ 10,8bi e 56,4%; Alagoas R$ 3,7bi e 63,5%; Sergipe R$ 2,6bi e 57,8%; e Bahia R$ 17,0bi e 58,8%. Ademais, neste mesmo período, o Nordeste recebeu auxílio financeiro do Tesouro decorrente da Lei 173/20, que estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19), de aproximadamente R$ 8,8bi, o que tem compensado, em grande medida, a perda de arrecadação provocada pela crise.
A entrada de todo este recurso na economia da região permitiu uma retomada mais rápida, principalmente da indústria e varejo, a partir de maio. Em agosto do corrente ano, a produção industrial (dessazonalizada) encontrava-se -5,5% em relação a fevereiro, enquanto em abril, fundo do poço, era de -33,6%. O varejo, por sua vez, apresentou um resultado surpreendente com 10,6% de crescimento em relação ao mesmo período, quando no momento crítico da crise havia retraído -24%. O setor de serviços continua encontrando dificuldade para se recuperar, apresentando taxas de -19,3% e -26%, no período especificado, em virtude das restrições sanitárias e receio da própria população, tendo em vista que não há uma vacina.
Apesar da importância das transferências para atenuar o significativo impacto do Covid19 na economia dos estados e da região Nordeste, dois aspectos merecem ser enfatizados. O primeiro, de natureza conjuntural, é que o auxílio tem data marcada para acabar (dezembro de 2020) e desde setembro está, em média, 50% menor e atingindo um contingente também menor de pessoas. Qual impacto isto terá na economia é algo que tem desafiado a mente de muitos economistas e não dá para antecipar. O segundo, que tem um caráter estrutural, nos alerta que o problema da retomada no pós-Covid19 pode ser muito maior do que a análise dos resultados conjunturais nos permite vislumbrar. Vamos aos dados.
Os dados apresentados no gráfico nº 1 não são nada animadores, principalmente porque mostram que nossos problemas antecedem a crise desencadeada pela Covid19 que, a meu ver, só fez piorar uma situação de estagnação econômica pós-recessão. Quando comparados a média dos índices de março a agosto de 2014, os resultados da indústria, varejo e serviços do Nordeste confirmam esta hipótese. No caso da indústria, no mesmo período em 2016, esta se encontrava 4,8% abaixo, em 2019 ampliou a queda para 9,1% e chega em 2020 com 20% abaixo do nível de produção que tinha no início da recessão. O varejo, no mesmo período, apresenta uma nítida dinâmica de queda na recessão, atinge -15% em 2016, cresce um pouco e mantém-se estável no período de 2017 a 2019, por isso continua 14% abaixo do patamar de 2014 em 2019. Com o choque da pandemia, abre-se um buraco de -20%, mesmo com todo o auxílio emergencial. O setor de serviços, por sua vez, tem dinâmica semelhante ao varejo com -11,5% e – 20% em 2016 e 2019, sendo bem mais expressivo o tombo provocado pelo Covid19, equivalendo a um fosso de -37%. Dois aspectos merecem ser destacados a partir desses resultados: a dinâmica econômica endógena do Nordeste se assemelha, com algumas defasagens, a observada em nível nacional; e, mesmo sendo uma das regiões mais beneficiadas com as políticas emergenciais de transferência de renda (sendo a outra o Norte do país), continua bem abaixo do patamar obtido no início da recessão nos dois setores que mais geram empregos: comércio e serviços.
Os gráficos nº 2 e 3 abaixo, dão a dimensão destas defasagens em nível de estados da região no período em análise. Tanto no varejo como no setor de serviços, os dados são preocupantes. No primeiro caso, com exceção do estado do Maranhão, no período de março a agosto de 2020, o que configura um ponto fora da curva, o índice médio do volume de vendas do varejo se mantém abaixo do observado em igual período em 2014, e a queda se acentua com o choque da Covid19, mesmo com a alta cobertura do auxílio emergencial. No tocante aos dados de serviços, uma diferença importante é observada quando comparados aos do varejo. Ou seja, em todos os estados, nos três períodos, os seus respectivos índices médios apresentam reduções em escala crescente em relação aos obtidos no início da recessão em 2014. Isto sinaliza, em outras palavras, que a pandemia só colocou água na fervura nos problemas estruturais deste setor.
Estes resultados nos permitem concluir que a economia nordestina estava em uma trajetória de estagnação pós-recessão, em sintonia com o observado em termos de dinâmica econômica em nível nacional, antes de sermos atingidos pelo cometa Covid19, o que só fez aprofundar o platô de defasagem com o período recessivo. Assim os resultados conjunturais positivos obtidos com o programa de auxílio emergencial de caráter provisório, principalmente na indústria e comércio, como mostrado acima, dificilmente se sustentarão se insistirmos no atual modelo econômico que vem mantendo a economia estagnada. Costuma-se atribuir a Mario Henrique Simonsen, dentre as suas celebres tiradas, que jogar a economia na estagnação é como puxar um barril com uma corda, tirá-la é colocar o barril no lugar empurrando-o com a mesma corda. Para tirar nossa economia do atoleiro vamos ter que repensar os nossos mecanismos de tração, já que a corda tem se mostrado insuficiente.