16 de novembro de 2020 10:47 por Redação
Publicado no jornal A Esquerda, Rio de Janeiro, de 22 de fevereiro de 1928 Por Moreno Brandão
Publicado em 16 de novembro de 2020 por Ticianeli em Opinião
O populário alagoano é riquíssimo e, se tem, a certos respeitos, os mesmos característicos peculiares ao nordeste, exibe também feições muito originais, que o meio lhe emprestou.
Se entre nós os pastoris, reisados e cheganças são largamente representados em todos os nossos municípios, há outra diversão puramente alagoana, que encena tradicionalmente nos dias álacres das festas comemorativas do nascimento de Jesus Cristo.
Tem essa diversão o nome de Quilombo. Ela foi criada talvez pela massa anônima, (a que devemos as emboladas) com o propósito de eternizar na memória do povo os fatos augustos e assombrosos, que durante mais de 70 anos, se verificaram na encosta oriental da serra da Barriga, no município da União, e os quais tiveram o seu epílogo, quando, à margem do riacho que hoje tem o seu nome, foi imolado por Furtado de Mendonça, a 14 de maio de 1697, o zumbi Sueca.
A representação desses autos, que são levados a cena ao ar livre, se faz quase sempre durante o Natal e se realiza, mais ou menos, da seguinte forma:
Na praça mais espaçosa de uma localidade qualquer se elevam dois bosques dos quais sobrepaira uma nuvem de bem perceptível hostilidade entre os habitantes de um e outro. Esses bosques são formados por árvores recém-arrancadas das florestas ou “caatingas” propínquas.
À sombra destas árvores, que murcham rapidamente, levantam-se casinholas toscas feitas de esteiras de piripiri, vegetal abundantíssimo às margens dos rios e pau’es (sic) de Alagoas.
Nas cabanas não se abrigam somente os figurantes do divertimento. Guardam-se também os furtos, que, sem providências da polícia, nem indignação dos prejudicados, se fizeram na noite anterior à exibição dos quilombos: galinhas, papagaios, porcos, macacos, etc.
Começa o auto, com prelúdio cheio dessa alegria radical e profunda própria dos negros.
Cantam eles, entre outras quadras expressivas, a seguinte:
Folga, negro;
Branco não vem cá;
E, se vier,
Pau há de levá.
As cantigas são entoadas ao som de um instrumento traslado de além-mar para nossas plagas.
Chama-se ele covu ou covungo, onomatopeia que os nossos dicionários não parecem consignar.
Depois dessas cantilenas, entoadas pelos negros, um arauto dos caboclos, moradores no bosque fronteiro, vem intimar os descendentes dos africanos para que entreguem a respectiva rainha, pertence à raça bronzicor.
Há recusa formal. Nos aprestos da luta põem os negros, em vários pontos, sentinelas perdidas nas ramadas, de espingarda.
O mesmo faz os índios, que, entretanto, se mostram armados de arcos e flechas.
Trata-se um simulacro de peleja em que são derrotados os pretos quilombos, ficando sem sua rainha.
Este fato lhes quebranta o ânimo de tal forma que se entregam a um choro profundíssimo.
Em seguida, saem os negros a pedir esmolas para enterrar o rei, conseguindo amealhar somas relativamente vultuosas, que repartem por todos os atores quilombos.
Os objetos furtados dos caboclos, os (…) aos próprios donos, que por eles pagam insignificâncias.
Depois da vitória dos caboclos, os contendores fraternizam, tornando-se solidários no ódio votado ao branco, dominador brutal, que os escraviza e explora.
A representação dos quilombos dura, quando muito, umas duas horas.
Eles constituem um dos atrativos mais empolgantes de certas festas em Alagoas e uma página formosíssima e altamente simbólica de nosso folclore, que está repleta de reminiscências de grandioso fato histórico ocorrido neste Estado.