terça-feira 3 de dezembro de 2024

O DIA MUNDIAL DA PESCA

21 de novembro de 2020 6:09 por Fátima de Sá

 

Pescador na Várzea da Marituba

 

 

 

 

 

 

Dia Mundial da Pesca

O Dia Mundial da Pesca foi instituído em 1998 como uma forma de “celebrar o que para muitos não é apenas uma profissão, mas um modo de vida”. Assim,  neste dia são discutidas formas de aumentar  a consciência global sobre a necessidade de gerenciar os ecossistemas aquáticos de forma sustentável. Mas, também deve-se destacar a importância social, econômica e cultural das atividades pesqueiras.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO[i]), mais de um terço dos estoques globais são pescados de forma abusiva. Isto prejudica não apenas os estoques pesqueiros, mas aqueles profissionais que atuam historicamente na área – os pescadores artesanais.

Pescadores artesanais tornam-se marujos

Acima de tudo, abusiva mesmo é a forma como foram e são tratados os pescadores artesanais no Brasil. Primeiramente, voltemos o olhar para meados do século XIX, pois foi em 1846 que houve a primeira regulamentação da atividade pesqueira, com a criação de Distritos e Capatazias de Pesca, quando teve início o recrutamento de pescadores para a Marinha de Guerra. Mas, somente em 1897, o Governo Federal iniciou a campanha de nacionalização da pesca.

Não por acaso, grande parte dos marujos, incluindo os que participaram da Revolta da Chibata, era proveniente de comunidades pesqueiras. E a razão está explicitada no site da CNPA: […] pois ninguém melhor que os pescadores conhecem os “segredos” de rios e mares. Os conhecimentos, adquiridos e sistematizados durante décadas, eram de interesse da Marinha. Eles detêm um mapa mental sobre a geografia do lugar, conhecem rios, furos, canais, atalhos, lugares rasos e fundos que eram de interesse do Estado. O lema adotado pela Marinha para a fundação das colônias foi: “Pátria e Dever” (CNPA, 2019[ii]).

Organização dos trabalhadores da Pesca

Como um resultado, coube a um Comandante da Marinha a tarefa de organizar os pescadores do Brasil. E, em 1920, foi criada a Confederação dos Pescadores do Brasil. Entretanto, o Estado utilizou uma estratégia para a “conquista da confiança dos pescadores”: […] serviços gratuitos em embarcações, doou redes, ofereceu serviços de saúde, além de ter criado algumas escolas para os filhos dos pescadores, denominadas de Escoteiros do Mar, com finalidade de militarização e treinamento para os jovens.

Por outro lado, mesmo reconhecendo as razões – acima citadas – que levaram ao recrutamento dos pescadores, a Marinha considerava que “as relações instituídas entre pescadores e Estado se caracterizavam pelo paternalismo e assistencialismo”. Ou seja, interessava ao Estado apossar-se dos conhecimentos dos pescadores, adquiridos por esforços próprios e repassados de geração a geração, mas a contrapartida foi considerada como benefícios “assistencialistas”. A via de mão dupla é totalmente ignorada porque os dominadores sempre dão a sua versão de “bonzinhos”. Da mesma forma, vale relembrar o ditado africano: Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador.

Imposições do Estado

Consequentemente, desde quando os pescadores foram submetidos aos poderes do Estado, passaram a ser administrados por portarias criadas no Ministério da Marinha e depois pelo Ministério da Agricultura, sem qualquer participação de representantes da categoria. E as eleições tinham que ser homologadas pelo presidente da Confederação de Pescadores, que não era um pescador. De igual modo, não eram pescadores os Presidentes das Federações Estaduais de Pescadores, nem os presidentes das Colônias de Pescadores. E os eleitos eram nomeados pelo Ministério a que estivessem submetidos na ocasião [Marinha ou Agricultura].

A Constituição Cidadã
Pescador no Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba

Somente em 1985, teve início um movimento que levou ao reconhecimento de direitos para a categoria, incluindo assumir as representações dos pescadores. Naquele ano, a Confederação Nacional dos Pescadores orientou as Federações Estaduais a realizar assembleias e eleger delegados que viriam a compor o Movimento Constituinte da Pesca, a fim de apresentar propostas aos parlamentares, reivindicando benefícios para a categoria.

Acima de tudo, na história recente do movimento dos pescadores, a Constituinte da Pesca (1988) “pode ser considerado um marco que deu visibilidade à categoria e alavancou os processos recentes da organização de pescadores”, afirmou Eduardo Schiavone Cardoso, em um trabalho intitulado Pescadores: geografia e movimentos sociais, apresentado no 10º Encontro de Geógrafos da América Latina, em 2005.

Os problemas ganham novas caras

No entanto, os problemas relacionados à categoria estão longe de terem sido resolvidos. Apesar dos poucos avanços conquistados (nos governos Lula e Dilma Roussef), a dívida social continua, principalmente agravada por problemas ambientais e pelo jogo adotado em diferentes governos que, antes de decidirem qual ministério se responsabiliza pela administração da pesca no Brasil, não se preocupam em ouvir a categoria, mas atendem às exigências das negociações dos partidos de plantão.

Territórios Pesqueiros e o Grito da Pesca
Pescador na Lagoa Manguaba – Marechal Deodoro

Portanto, “a luta tem que continuar” e se aprofundar cada vez mais diante dos “novos” tempos. Por isto, um Projeto de Lei de Iniciativa Popular propõe a regulamentação dos Territórios Pesqueiros no Brasil. O Grito da Pesca Artesanal denuncia as mais diferentes ameaças e ataques aos seus territórios e sua vida (CPP, 2019[iii]).

Em conclusão, ouçamos reflexões do Grito da Pesca, em atividade no Congresso Nacional, no ano passado: Hoje, passados mais de cem anos, pescadores e pescadoras continuam sendo desrespeitados […].  As chibatadas, hoje, aparecem em forma de suspensão de benefícios, de direitos trabalhistas e sociais, da negação da identidade da pescadora e do pescador artesanal, e o ataque às demandas desses profissionais, exemplificadas pelos danos socioambientais do óleo nas praias do nordeste e as queimadas da Amazônia. (CPT, 2020[iv]).

 

 

 

 

[i] FAO. Food and Agriculture Organization of the United Nations

[ii] CNPA. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS PESCADORES E AQUICULTORES.

[iii] CPP. CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES. Disponível em:  http://www.cppnacional.org.br/noticia/come%C3%A7a-o-grito-da-pesca-2019-territ%C3%B3rio-pesqueiro-biodiversidade-cultura-e-soberania. Acesso em: 21 nov. 2020.

[iv] CPT. COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais lança campanha pelo Território Tradicional Pesqueiro em Brasília.

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2 Comentários

  • Linda matéria! esclarecedora, e que levanta uma questão tão importante para o país. Parabéns!

    • Grata.
      Realmente, é preciso estarmos atento(a)s porque os pescadores artesanais sempre foram abandonados e ainda há os que acreditam que ajudá-los é apresentar alternativas que nada têm a ver com o modo de vida deles.

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