26 de dezembro de 2020 3:34 por Geraldo de Majella
Fui avisado pelo jornalista Fabio Henrique que o proprietário da Banca de Revistas Nacional, Gesivan Rodrigues Gouveia, faleceu. Os maceionses desde 1960 tinham como referência a Banca do Gesivan. Filho do estivador João Rodrigues de Gouveia, começou a trabalhar, ainda, criança vendendo angu pelas ruas do Vergel do Lago, bairro da periferia de Maceió, onde morava com os pais e mais 10 irmãos. Gesivan, trabalhou na banca durante 60 anos.
O improviso na venda diária de jornais foi marca registrada da Maceió do final dos anos setenta. Havia poucas bancas de revistas que vendiam jornais do Sudeste na cidade. Esse ponto tornou-se referência. Mas o local que até hoje sobrevive e é a maior referência é a Banca Nacional, do irrequieto Gesivan, que se encontra estabelecida na esquina da rua barão de Penedo com praça a Montepio dos Artistas, desde 1960.
A vizinhança da banca do Gesivan é constituída pelos veneráveis maçons da loja Virtude e Bondade, filiada ao Grande Oriente do Brasil. Os circunspetos e doutos senhores advogados ontem se graduavam na Faculdade de Direito(Jaqueira), hoje abrigando no antigo prédio a respeitável OAB, palco de memoráveis lutas em defesa da democracia. Transitam por esse local profissionais liberais que trabalham no tradicional edifício Breda e em escritórios e consultórios da região.
As prostitutas, vizinhas de longas datas enraizadas nesse logradouro público, fazem também companhia a Bráulio Cavalcanti, que do centro da praça do Montepio a tudo olha impassível, com sua mão direita levantada indicando um rumo que não sabemos ao certo qual seja. Mas cremos não ser recriminação às profissionais do sexo, ali estabelecidas e tantas vezes “solicitadas” que deixassem o local. Não faz muito tempo conviviam no mesmo espaço físico as vendedoras de bolos e quitutes vindos do Riacho Doce e as prostitutas da Montepio.
Gesivan não é, e acredito nunca ter sido, filiado a qualquer partido político; também não esconde suas simpatias pelos movimentos de esquerda. Sua vida é uma demonstração de resistência ao autoritarismo e ao preconceito. É um ser livre na forma de pensar, apesar de viver “enclausurado” em cerca de doze metros quadrados espaço da banca, fonte de sua sobrevivência há quatro décadas.
Durante os terríveis anos de ditadura militar o jornaleiro foi chamado à Polícia Federal cerca de 11 vezes. O motivo: prestar esclarecimentos a respeito das suas atividades como jornaleiro, naturalmente, um perigoso subversivo. Além da paranóia contra os comunistas, a Polícia Federal era obcecada por revistas tidas como pornográficas, procurando diuturnamente saber a origem, quem distribuía e até quem eram os compradores dessas publicações, muitas delas estrangeiras. Era o furor moralista da ditadura. Uma tara, pode-se assim classificar.
Dele jamais a PF ouvira uma única palavra que identificasse os distribuidores, que ainda não eram conhecidos dos órgãos policiais. E muito menos os compradores, seus clientes. Agindo dessa maneira, Gesivan remou durante o período ditatorial.
No capítulo referente às publicações “pornográficas”, o sucesso de público foi a espetacular revista do Dr. Buçu, personagem imaginário que tinha o pênis avantajado, descomunal, motivo de desejo de muitos homens e causador de curiosidade nas mulheres. Essa publicação dividiu a fama com a Bonequinha Japonesa. Esses dois produtos ajudaram a manter em alta o faturamento da banca, apesar da perseguição implacável dos agentes federais. Foram sucesso de vendagem até hoje e o jornaleiro cita os dois produtos com uma certa nostalgia.
As dificuldades enfrentadas pelo jornaleiro chegou ao seu clímax quando grupos de extrema direita ameaçaram explodir bancas de jornais em Maceió. A Banca Nacional foi o alvo principal daqueles degenerados. Inúmeras bancas em outras capitais foram incendiadas; assim esses grupos paramilitares tentavam intimidar os jornaleiros e criavam um clima de terror na sociedade.
A sua determinação e coragem em continuar vendendo jornais da imprensa alternativa e de esquerda foi exemplar. Juntou-se aos estudantes dirigidos pelo DCE da UFAL, entre esses, Enio Lins, Aldo Rebelo, correspondente do semanário Movimento, em Alagoas. Participou ativamente da organização da associação dos jornaleiros de Alagoas, e de atos públicos de repúdio ao terror.
Nunca deixou de vender e expor jornais alternativos, dos comunistas, trotsquistas, anarquistas, homossexuais, sem distinção. Na Banca Nacional qualquer cidadão compraria: O Pasquim, Movimento, Versus, Opinião, Em Tempo, Voz da Unidade, Tribuna da Luta Operária, Lampião de Esquina, Coojornal, todos esses títulos de circulação nacional, e o Desafio, semanário alagoano. Ocorre que se por acaso o leitor não dispusesse de dinheiro, podia ler gratuitamente e não seria incomodado pelo proprietário.
Que a terra lhe seja leve.
2 Comentários
Visitei muitas vezes para comprar quadrinhos.
Nas últimas vezes que lá estive consegui completar minha coleção de Epopéia Tri da saudosa EBAL.
Respeito profundo a esse notável cidadão que agora deixará uma lacuna na rotina de quem passava por ali, seja para comprar ou simplesmente bater um papo.
Um ilustre visionário. Uma figura ímpar, onde, muitas e muitas vezes fui com meus filhos comprar, digo, me encantar com o variado conhecimento de um homem que viveu e morreu história. Saudades meu cara amigo Gesivan, a cultura Maceioense perde um dos grandes incentivadores. Minhas homenagens a um grande e ilustre membro de nossa cultura.