sábado 27 de julho de 2024

A economia brasileira em tempos de Covid-19: o antes, o durante e o “depois” (IX)

6 de março de 2021 9:10 por Reynaldo Rubem Ferreira Jr

Os sinais neste início de ano quanto ao comportamento da economia brasileira não são nada animadores e as expectativas já começam a ser revistas para baixo. Os mais otimistas continuam apostando em crescimento de 5%, mas cada vez mais analistas econômicos começam a estimar taxas abaixo de 3%, o que, na prática, significa retração uma vez que a taxa de carregamento estatístico (carry over) de 2020 para 2021 deve ficar próxima a 3,5%. Pode parecer irônico, mas se nos quatro trimestres de 2021 o PIB brasileiro mantiver o índice do quarto trimestre de 2020 este terá se expandido, na média, 3,5% em relação a 2020 e estagnado na margem e a taxa de desemprego poderá estar acima dos 14% atuais. E tem muita gente nos meios de comunicação dizendo que será um grande negócio alcançar os 3,5% de crescimento em 2021. Pasmem, puro ilusionismo estatístico!

Apostas em taxas abaixo de 3% se justificam tanto do lado da oferta como da demanda. No primeiro caso, o recrudescimento da pandemia (segunda onda com cepas mais contagiosas) associada ao ritmo lento de vacinação poderá levar a medidas de restrição e até lockdown, afetando diretamente a produção e o mercado de trabalho. Hoje a taxa de desemprego está na casa dos 14% e pode aumentar ainda mais, principalmente se não forem adotadas medidas de preservação de empregos. No tocante a demanda, há a incerteza quanto a retomada do auxílio emergencial, tanto em relação ao valor, como cobertura (número de beneficiários) e duração; possibilidade, ainda no primeiro semestre, de início do ciclo de alta da taxa básica de juros pelo Banco Central, podendo chegar a 4% até o final do ano; e perspectiva de medidas de ajuste fiscal da ordem de 7% do PIB. Ante tal contexto, aumenta a possibilidade de recessão técnica no primeiro semestre de 2021.
Apesar da pressão de custos no curto prazo sobre o IPCA, no médio prazo, segundo pesquisa do Banco Central do Brasil (FOCUS), as expectativas de inflação estão ancoradas no centro da meta, ou seja, 3,5% em 2022 e 3,25% em 2023 e 2024. A própria taxa de câmbio vem tendo suas projeções para 2021 e 2022 ajustadas para baixo desde o início do ano, para taxas de R$ 5,00 contra R$ 5,50 atualmente, em função das expectativas favoráveis no cenário externo (leia-se pacote Biden, estímulos fiscais na zona do Euro e recuperação da economia chinesa), com rebatimentos nas exportações de comodities brasileiras. Todos esses dados sinalizam para um cenário de expectativas benignas para a inflação no horizonte relevante da política monetária, ainda mais em um contexto de hiato produto de -6,7%, de acordo com estimativa do IBRE/FGV para o terceiro trimestre de 2020. Caso o BCB sancione as expectativas do mercado e inicie o ciclo de alta da selic, como parece ser o mais provável, poderá estar se precipitando, uma vez que juros mais altos piorarão o desequilíbrio fiscal brasileiro e aumentarão o custo na ponta do crédito ao consumidor e para as empresas, dificultando, ainda mais, o processo de recuperação.

Do ponto de vista da política fiscal, os economistas do mercado financeiro e do governo sustentam a necessidade de cortes de gastos públicos expressivos no curto prazo, mesmo em uma economia estagnada como é o caso da brasileira desde 2014, por duas razões básicas, segundo eles: i) independentemente da fase do ciclo econômico que a economia se encontra (expansão ou recessão), o valor dos multiplicadores fiscais é pouco relevante; e ii) déficits fiscais não só afetam negativamente os investimentos privados (efeito crowding out) como o risco-país ao impactar a confiança dos investidores quanto à solvência da dívida pública. Esta segunda hipótese está baseada na premissa da “contração fiscal expansionista” (batizada por Krugman de “fadinha da confiança”).
Apesar de ainda existirem divergências quanto aos valores desses multiplicadores entre os economistas, este debate já evoluiu bastante fora do Brasil e há um relativo consenso que consolidação fiscal em economias com insuficiência de demanda provocam recessão no curto prazo e dúvidas quanto aos seus efeitos de médio e longo prazos, a depender da taxa de juros, ritmo de crescimento do PIB e progressividade tributária. No pós crise de 2008, o próprio FMI passou a sustentar a importância das políticas fiscais contracíclicas em razão da relevância dos multiplicadores de gastos públicos, recomendação que o Teto dos Gastos, instituído no Brasil em 2016, ignorou solenemente ao congelar estes gastos, em termos reais, por vinte anos.

A dissertação de mestrado defendida recentemente na Universidade de São Paulo (USP) por Marina da Silva Sanches (2020), orientanda da professora Laura Carvalho, faz uma ampla discussão quanto ao estado da arte no tocante ao papel da política fiscal e quanto a importância dos multiplicadores fiscais. No estudo, a autora avalia os efeitos da política fiscal no Brasil, a partir de um modelo econométrico para o período de 1997 a 2017, e apresenta os seguintes resultados: na amostra que inclui a crise a partir de 2014-2016, os multiplicadores tanto dos investimentos públicos como dos benefícios sociais são maiores, com significância estatística de 95%, em relação ao período que antecede a crise. Ou seja, 3,6 e 2,9 contra 1,42 e 1,9 (multiplicador acumulado de 15 ou 25 meses a depender da persistência). E mais, os efeitos sobre PIB da redução dos impostos são bem menos pronunciados do que os dos aumentos dos gastos públicos. Destaca também que o investimento público é complementar e não concorrente ao privado, principalmente se houver distribuição de renda que aumenta a propensão a consumir, o que estimula o investimento privado. A seguinte passagem resume bem os resultados alcançados:

“Nas estimações para toda a amostra, nossos resultados sugerem que os componentes de investimento público e de benefícios sociais possuem multiplicadores de magnitude mais elevada e com maior persistência, enquanto que pessoal, demais despesas e subsídios tem multiplicador de impacto positivo e estatisticamente significante para amostra inteira, mas não no longo prazo, captado pela função impulso-resposta acumulada(…) As funções impulso-resposta e os multiplicadores acumulados para o caso dos investimentos públicos e benefícios sociais na amostra inteira são bastante diferentes – são maiores e mais persistentes – que na amostra pré-crise”.

O nosso objetivo neste artigo não é aprofundar esta discussão, mas mostrar que a poupança acumulada pelos estados do Nordeste em 2020, como será mostrado abaixo, se canalizada para investimentos públicos e benefícios sociais poderá contribuir para a recuperação da região, dada a relevância de seus multiplicadores como estimados no estudo acima citado. As estimativas do ETENE/BNB para o crescimento do PIB do Nordeste em 2021 estão em 2,9% e contração de -7,3% em 2020. Dado que de 2014 a 2019 as economias brasileira e nordestina mantiveram-se praticamente estagnadas e sofreram retrações expressivas em 2020, em função da Covid19, é muito provável que a magnitude dos multiplicadores dos investimentos públicos e benefícios sociais tenha aumentado neste período. A própria Sanches (2020, pg.54) sugere isto ao dizer: “note-se que esses multiplicadores durante a crise podem ser ainda maiores, dado que estamos apenas considerando a diferença entre a amostra pré-crise e amostra completa”.

Os dados exibidos no gráfico nº 1 registram em percentuais as perdas das receitas consolidadas dos estados na região Nordeste, tanto real como nominal, que são significativas e poderiam ser bem mais pronunciadas não fosse a injeção de recursos do Auxílio Emergencial (AE) da ordem de R$ 95,7 bi na região (CGU), o que impactou favoravelmente nas vendas do varejo e nas receitas estaduais. Mesmo com o AE, em valores deflacionados, a retração foi de R$ 844,2 mi no Maranhão; R$ 552,4 mi no Piauí; R$ 1.734,1 mi no Ceará; R$ 540,8 mi na Paraíba; R$ 1.770,3 mi em Pernambuco; R$ 478,6 mi em Alagoas; R$ 654,2 mi em Sergipe e R$ 2.909,2 mi na Bahia.

Como explicar, a partir de resultados tão negativos, o aumento da poupança dos estados da região Nordeste, registrado no gráfico nº 2, em relação à Receita Corrente Líquida (RCL) de 2019 para 2020?

 

Em 2020, o Governo Federal transferiu R$ 78,3 bi à guisa de Auxílio Financeiro aos Estados, Municípios e Distrito Federal para compensar a perda de arrecadação destas unidades da federação provocada pela Covid19. O Nordeste, de acordo com os dados do gráfico nº 3, recebeu R$ 11,4 bi (este valor está subestimado pela falta dos dados do Rio Grande do Norte), o que permitiu um saldo positivo para todos os estados e explica, em grande medida, a poupança estadual acima referida.

Ao longo de 2020, segundo o Tesouro Nacional, a diferença entre as taxas de crescimento das receitas e despesas correntes para os estados do NE é de 3% no Maranhão; de 26% no Piauí; de 4% no Ceará; de 6% na Paraíba; de 2% em Pernambuco; de 6% em Alagoas; de 8% em Sergipe e de 5% na Bahia. O aumento da poupança pública é um indicador da autonomia para realizar investimentos com recursos próprios, segundo o Tesouro Nacional, o que representa uma janela de oportunidades para os estados contribuírem estruturalmente para a superação da crise. No último artigo sustentei que o Consórcio Nordeste pode ter um papel crucial para a implementação de uma política de desenvolvimento capaz de construir um ambiente sistemicamente competitivo para as empresas, assim como de melhoria do bem estar social.

A partir da relevância dos multiplicadores dos gastos públicos no Brasil estimados em Sanches (2020), é possível dimensionar o impacto acumulado (com persistência de 15 a 25 meses) sobre a renda, caso seja possível usar o saldo das receitas gerado em 2020 pelos estados e região Nordeste e aplicá-lo em investimentos públicos e/ou em benefícios sociais. Como as receitas reais cresceram acima das despesas, acreditamos ser razoável realizar tal exercício ao menos para explicitar a significância de seu impacto. Os resultados estão nos dados exibidos no gráfico nº 4, para o caso de todo recurso ser gasto em investimentos públicos ou em benefícios sociais. É importante destacar a dimensão relativa desses valores para os estados com menor participação no PIB da região Nordeste, em ambos os investimentos, quando comparados a Bahia, Pernambuco e Ceará.

Em síntese, em momentos de crise aguda como a que estamos vivendo atualmente no Brasil, que combina problemas de natureza sanitária com estagnação econômica, os resultados acima deixam claro que é crucial a priorização dos gastos públicos em áreas com maior poder de impactar positivamente a renda das famílias como alavancar setorialmente investimentos privados. Como tenho enfatizado, a percepção da relevância da complementaridade estratégica entre investimentos públicos e privados pode viabilizar a implementação de uma política de desenvolvimento para o Nordeste, com inclusão social e sustentabilidade ambiental.

Reynaldo Rubem Ferreira Jr (Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEAC – da UFAL)

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