sexta-feira 22 de novembro de 2024

A graça de Aleijadinho e seus Doze Profetas no filme ‘Santuário’

Este adro será o principal em “Santuário”. Aqui, nada de explicações sobre o artista, a composição, o contexto. Silêncio para a veneração, música encantada, narração grave sobre os escritos das tábuas dos profetas.

11 de março de 2021 9:17 por Geraldo de Majella

 

(*) André de Paula Eduardo

Pouca gente conhece “Santuário”, curta que Victor Lima Barreto realizou em 1952. O nome de Barreto, aliás, surge sempre associado a “O cangaceiro”, película maravilhosa que rodaria um ano depois, clássico venerado do cinema brasileiro. No entanto, os dezoito minutos de “Santuário”, à obra dedicada a arte de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, demonstram não apenas o talento do diretor como compõe rara e delicada ode ao escultor mais importante do Brasil colonial e provavelmente das Américas.

Pouco se sabe da vida de Aleijadinho. Maior artista do barroco brasileiro, filho de português com escrava alforriada, ao que consta teve vida sofrida, e vitimado por doença não esclarecida – há muitas hipóteses e pouca precisão – conseguiu a proeza de realizar sua obra apesar de todas as limitações. No cinema, há ao menos duas encarnações de Aleijadinho, em “Cristo de lama” (1966), dirigido por Wilson Silva e com o artista vivido por Geraldo Del Rey, e também “O Aleijadinho: paixão, glória e suplício” (2003), de Geraldo Santos Pereira.

Há o curta “O Aleijadinho”, que Joaquim Pedro de Andrade realizou em 1978, produzido pela Embrafilme. Documentário didático, com narração de Ferreira Gullar e texto de Lúcio Costa, valoriza a faceta de arquiteto de Francisco Lisboa, além do conhecido trabalho como talhador e escultor, buscando um panorama resumido sobre o artista. Música sacra ao fundo, desemboca na encenação da paixão de Cristo realizada no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas. E mais ao fim, o famoso adro do Santuário, com seus Doze Profetas.

Este adro será o principal em “Santuário”. Aqui, nada de explicações sobre o artista, a composição, o contexto. Silêncio para a veneração, música encantada, narração grave sobre os escritos das tábuas dos profetas. Desde o começo se impõe a trilha musical de Gabriel Migliori, que voltaria a trabalhar com Lima Barreto em “O cangaceiro”. Imagens de Minas, montanhosa e pedregosa, a voz da soprano Maria Kareska. Há filmes que são muito “mineiros”, contém a alma do misticismo das Gerais de forma inapagável. Caso de “O viajante”, de Paulo César Saraceni, ou de “O menino e o vento”, de Carlos Hugo Christensen. “Santuário” adentra essa seletíssima lista.

Eis que surge em “Santuário” o viajante, devoto, peregrino, montado num burro. Será um ator de fato? Ou um transeunte que ali estava? Pouco importa, pois o efeito causado pela devoção do homem de pés descalços será o mesmo. Preto velho, personagem interiorano, baixa o chapéu respeitosamente à arte de Aleijadinho.

Em “Santuário” a montagem nos insere no olhar do velho ao apreciar as esculturas. Surgem em ângulos distintos, em planos variados. Profeta Abdias aponta para o céu (assim como Habacuque). Plano em sua mão. Plano no céu. Isaías é solene, compenetrado.

Os movimentos do cineasta, doces, tenros, valorizam a tecitura da obra de Aleijadinho. Sua câmera é nossa melhor tradutora e intérprete. É respeitosa, devota como o artista; mas também curiosa e fascinada. Os ângulos variam, de cima para baixo, a unir por vezes num mesmo plano devoto e escultura. Os closes nos profetas realçam seu mistério. Estão vivos, homens-profetas de pedra sabão. O que estariam a dizer, afinal? Daniel, via voice over, relembra a cova dos leões. A luz é primorosa. E os dezoito minutos do curta são como um moteto dramático.

Eis que o órgão surge, e o velho devoto caminha em direção à câmera – em direção a nós. Adentra a igreja, molha-se, sinal da cruz. Curiosidade, arrebatamento, devoção. O peregrino cristão deixa o Santuário, retoma seu burrico, prepara o regresso. Está sendo observado pelos profetas e seus imensos olhos. Isaías lhe aponta o chão: quase esquecia a espora do calçado. E vai-se, não sem antes se despedir, aos olhos da obra-prima imortalizada por Aleijadinho.

 

* André de Paula Eduardo é jornalista, formado na Unesp, onde fez mestrado em Comunicação. Pesquisa cinema brasileiro, torce pro Santos e é apaixonado por Brahms e Pink Floyd. Colunista e colaborador da Revista Prosa Verso e Arte.

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