27 de agosto de 2021 12:03 por Mácleim Carneiro
Não é preciso ser oriental para apropriar-se de um profundo sentimento de respeito, carinho e admiração aos que atingiram a longevidade. Não, não é preciso! O tempo – e tudo que lhe é implícito – nos orienta ao rumo certo. Ao sermos capazes de acumular grãos de conhecimentos e transformá-los em sabedoria prenhe de passado, fortalecemos o presente como uma ampulheta, cujo espaço-tempo se refaz a cada inversão, materializando a lógica imperceptível à moldura do imaterial. Aos que ultrapassaram os umbrais dos séculos com altivez e dignidade, centenários de cenas que moldaram a história em tantas outras histórias e fragmentos devida, e aos que a eles se amalgamam através de infinitos atos e compassos, lhes rendemos homenagens! Pois foi assim que o Theatro Deodoro passou a pertencer ao seleto grupo de úteros longevos e férteis de novidades e inquietações. Não poderia ser diferente. Afinal, ele tem em seu frontispício o diretor do coro das musas, Apolo, permanentemente a nos dar boas-vindas.
Privilégio
Aos que povoam tal universo, e mesmo aos que o orbitam, o privilégio em tê-lo de portas abertas é real e incalculável. Cronologicamente, encontrei-o quando sua trajetória já me fazia percebê-lo como meta, sonho a ser alcançado, abrigo futuro, êxtase de uma longa jornada individual em busca da tão sonhada musculatura artística. Porém, humanamente, desde a primeira vez em que fui ungido pelo liquido sensorial desse útero de inquietações, hibrido por natureza, onde não repousa paradoxos, foi desnecessário ater-me às questões cognitivas, para intuir a importância do Theatro Deodoro na construção do nosso caráter artístico e cultural. Sobretudo, pelo o que me era evidente: sua imensa possibilidade em causar transformação em cada artista ou fruidor, posto que não se entra e se sai do Deodoro sem um novo valor agregado, algo que não tínhamos antes ou desconhecíamos ter.
Uma tarefa impossível seria a busca do distanciamento necessário à imparcialidade tão próxima da razão. Admito minha incapacidade em ser imparcial com o Theatro Deodoro. Assim, arisco-me à vulnerabilidade, como qualquer artista quando exposto à luz da ribalta. E como ser imparcial com algo tão gênese, tão quente e acolhedor, como suponho ser um útero? Antes, prefiro a noção do privilégio. De me supor um privilegiado! Portanto, extremamente grato, haja mérito ou não. O fato é que não é apenas o espelho dos camarins que me revela tal privilegio, ao me por de cara com a vocação e sina. É bem mais simples, embora múltiplo. Não tenho dúvidas; admito o privilégio porque tantas vezes experimentei sensações e emoções diversas que, até então, só o Theatro Deodoro poderia me proporcionar. Atuei nos bastidores, atuei como artista, e, principalmente, atuo como fruidor. São emoções diferentes, intensas e na proporção exata a cada atividade. Poder estar sob os prismas palco e plateia, luz e sombra, provocador e provocado, sempre sob o manto histórico que habita cada palmo do Theatro Deodoro, é realmente um privilégio.
Cordão Umbilical
Tantas e quantas histórias eu poderia contar aqui. Algumas, vividas por mim. Outras que resistiram ao tempo, através da mais antiga das tradições. Todas, no entanto, tendo como cenário os diversos encontros e desencontros no arcabouço pulsante do mais importante e significativo equipamento para expressão da cultura alagoana. Do foyer à coxia, do palco à plateia, do proscênio aos camarotes, a música dos alagoanos se fez presente. Na contagem: um dois três e…, que precede as canções, a música produzida em Alagoas encontrou ressonância pela caixa cênica da casa apolínea e projetou-se plateia a fora, até chegar aos corações. Histórias outras que antecedem às batidas de Molière, quando o teatro se prepara para a vida, também povoam o imaginário dionisíaco.
Não me interessa as incertezas do amanhã, pois sei que em qualquer época a estética singular da música alagoana, pela diversidade que lhe é peculiar, continuará a ser alimentada e fortalecida pelo grande útero apolíneo do Theatro Deodoro. As pessoas, o tempo, atuam e passam. Ele permanecerá. Em essência, não carecemos romper o cordão umbilical com a gênese. Então, que se abram as cortinas para o futuro.