5 de setembro de 2021 7:15 por Mácleim Carneiro
Tenho admiração e respeito pelos artistas independentes que, num esforço extra, lançam discos físicos e vão além das plataformas do streaming, com as suas compressões veladas e comercialização a varejo. O álbum ‘Ato Vero’ atende a esse requisito, a partir do design gráfico delicado e competente, assinado por Marina Reis, para a banda Artehfato, que é composta por Del Cavalcante (voz, guitarra e violão), Cleber Vieira (bateria), Flávio Vieira (contrabaixo) e Laís Lira (voz), todos, jovens músicos alagoanos, que lançaram o primeiro e bem-urdido álbum, após mais de uma década de existência da banda.
Saber que começaram a aventura musical fazendo cover dos Los Hermanos, não seria nada muito promissor. Porém, percebo ter sido uma característica de boa parte dos jovens brasileiros, cujas referências e influências musicais, a partir da década de 1990, não foram nada substanciosas. No entanto, alguns conseguiram a salvação e hoje respiraram acima da decadência da música pop e do rock brasuca pós-modernidade. ‘Ato Vero’, em suas 10 faixas, consegue convencer de que nem tudo está perdido. Daí, o título escolhido refletir a verdade implícita aos jovens músicos nesse trabalho. Aliás, como Del Cavalcante citou: “Quisemos um nome que se comunicasse com o conjunto das canções, e as letras trazem parte das nossas verdades, nossas vontades, nossas incertezas, histórias e ideias.”
Atmosferas Rítmicas
As verdades começam a ser reveladas em ‘Onde Habita Minha Alma’ (Del Cavalcante e Laís Lima), que abre o álbum e muito bem! Tem uma levada interessante, daquelas que sugerem cumplicidade ao swing acolhedor. Porém, o que mais chama atenção é a sonoridade da faixa como um todo, pois, num trabalho que se pretenda pop, essa questão da sonoridade, da escolha dos instrumentos e timbres confluentes, é quase tudo! Os americanos que o digam, são mestres nesse fundamento! Na sequência, ‘Corpo’ (Del Cavalcante e Laís Lima) apresenta a tentativa de emular uma salsa ou algo assim. Na verdade, só se resolve quando sai para um samba de gringo, no B. Como o título explicita, a letra fala do corpo, numa abordagem temática que a compositora alagoana Dêza já havia feito na interessantíssima ‘Corpo Sutil’, do álbum Desanuviar.
Em ‘A hora Certa’ (Del Cavalcante e Laís Lima), novamente, a mudança rítmica é usada como elemento de arranjo. Esse tipo de recurso funciona em parte, porque apenas migra de uma atmosfera para outra. Contudo, não tem a riqueza de detalhes que um arranjo, com substância, teria. A próxima faixa é ‘Canta’ (Del Cavalcante e Laís Lima), que começa com um afoxé tranquilo e acolhedor, porém, quando consegue hipnotizar o fruidor, sai para outra levada um tantinho rock e quebra a magia que vinha sendo construída. Novamente, a mudança de atmosfera rítmica é usada como elemento surpresa. Nessa faixa, May Honorato faz uma participação que, em determinados momentos, confunde-se com o timbre da frontwoman da Artehfato, Laís Lima.
Chegamos à metade do álbum pela bela ‘Porta’ (Del Cavalcante), a música mais interessante desse trabalho! Muito bem construída em nuances melódicas, agregadas a uma letra inteligente, onde pontuam frases comparativas e antagônicas, que apresentam boa eufonia em suas construções. Além disso, traz certa nostalgia das eternas canções dos antigos festivais. É imagética, nesse sentido, e também tem a participação bastante convincente da LoreB e do Fernando Nunes ao contrabaixo. Este, atuando muito bem em uma canção fora da sua praia roqueira, o que demonstra a versatilidade do grande músico.
Cânone Shaun
‘Ato Vero’ (Del Cavalcante e Gustavo Félix) é a música que dá título ao álbum e tem ritmo sincopado, quase do começo ao fim, com o tempo forte batendo insistentemente como um martelo. Apresenta a participação do músico Bruno Palagani que, à exceção do fraseado na introdução e no interlúdio, parece ter ficado procurando o que fazer. Aliás, isso fica acentuado, quando entra um solo de guitarra, quase ao final, deslocando o bandolim e nos deixando a impressão de que ela, a guitarra, é quem deveria ter pontuado o tempo todo. Essa mesma impressão já não se apresenta em ‘Me Leve’, penúltima faixa do álbum, bem aos moldes para acolher o bandolim do Palagani e também a participação do Junior Almeida, pois é um tanto mântrica, como são suas canções. O curioso é o cânone vocal feito entre convidado e os vocalistas da Artehfato. Soa como um lamento triste, que remete à imagem dos carneirinhos da série Shaun.
O bom é que, nesse trabalho, as referências estão tão diluídas, que flertam com a individualidade original de um pop-rock cheio da pureza provinciana, sem qualquer sentido pejorativo ou demérito, muito pelo contrário! Esse trabalho tem a relevância de quem se nutre da sustança sururu em sua musicalidade. As composições, nas quais Del Cavalcante revela-se um compositor de talento, têm assinatura própria, no sentido da singularidade. Isso, em tempos de hegemonização nivelada pela mediocridade, é um capital precioso! O álbum ‘Ato Vero’, ao sugerir tal leitura, coloca-se no patamar dos que começam a carreira fonográfica com a responsabilidade e a felicidade do acerto inicial, do pé direito posto na cena, seja ela onde for. Tomara que permaneçam nessa pegada, o que não é tão difícil, mas também, não é nada fácil! Então, como digo sempre, ao que me parece bom e promissor, longa vida ao rebento!
SERVIÇO:
Ato Vero, Artehfato
Plataformas digitais: Spotify, Apple Music, Deezer, Amazon Music, Tidal, Napster e Youtube Music,
Plataforma física: Em CD, no perfil oficial @artehfato, e por whatsapp, pelo número (82) 99311-1712.
Preço: 20,00
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