sexta-feira 19 de abril de 2024

Democracia e literatura

Só é possível o exercício da literatura em ambiente de liberdade de expressão – que se encontra ameaçada no Brasil

10 de outubro de 2021 12:45 por Redação

 

Ilustração: FP Rodrigues

 

* Texto lido em 21 de setembro, durante sessão do 3º Seminário Leer IberoAmerica 2021, realizado em Madri (Espanha).

Gostaria de propor uma reflexão sobre um paradoxo que surge para mim, a partir do título dessa mesa. Las voces de la literatura en un mundo alterado sugere novos desafios para as várias pontas do mercado editorial: o escritor, o editor, o leitor. Mas, sinceramente, penso que o grande desafio desses nossos tempos é enfrentar um problema antigo, comum a todos os países do mundo ibero-americano: a fragilidade das nossas instituições democráticas. Parece estranho colocar Espanha e Portugal, hoje exemplos de democracia, neste mesmo contexto, mas temos que lembrar que ambos os países arrastaram boa parte do século passado sob bizarras ditaduras.

A literatura só se pode se realizar plenamente em um ambiente de liberdade de expressão e de amplo acesso a uma educação de qualidade – coisas que só são possíveis naqueles lugares onde os fundamentos da democracia encontram-se solidamente enraizados.

Não conheço o suficiente a realidade de todos os países que compõem a chamada América Latina, portanto, para não ser leviano, vou me deter em descrever a situação do Brasil. No entanto, acredito que, em muitos aspectos, as premissas que guiarão a minha abordagem convergem para a compreensão da realidade social, econômica e política de toda a América Latina, principalmente se admitirmos que nosso destino comum está atrelado às decisões das grandes corporações transnacionais, cujas decisões ignoram fronteiras.

Democracia é artigo raro no Brasil. Nossa história política é a história de uma sucessão de ditaduras entremeadas por breves períodos de democracia.

A bem da verdade, a história contemporânea do Brasil se inicia com um golpe militar contra o Império – aliás, esse dado é importantíssimo para compreender as peculiaridades da realidade brasileira: enquanto os territórios que depois se tornariam países da América Latina se libertavam do jugo colonialista por meio de revoluções republicanas, o Brasil se afastava, pacificamente, do jugo colonialista transformando-se em um império comandado pela mesma casa real que comandava a antiga Metrópole…

Mas, voltando à cronologia. Dos 38 presidentes que tivemos até hoje, dez pertenciam às Forças Armadas.

Em 1889, militares liderados por um marechal do Exército instalaram a chamada República Velha, que na verdade era um arremedo de democracia, pois, além de o voto ser vetado a menores de vinte e um anos, mulheres, mendigos, soldados rasos e membros do clero, estavam impedidos também os analfabetos – que representavam 83% do total da população.

Em 1930, a República Velha chega ao fim por meio de um golpe civil-militar, liderado por Getúlio Vargas, que sete anos depois promove um autogolpe, institucionalizando uma ditadura que já era de fato desde o início. Essa ditadura sobrevive com a eleição, em 1945, de um general, Eurico Dutra, ministro da Guerra de Vargas, que por sua vez o sucede em 1950. Com o suicídio de Vargas, em 1954, começa um período de instabilidade política que culminará com a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e o golpe militar em 1964. A ditadura militar se estenderá até 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves, que, tendo morrido antes de tomar posse, deu lugar a José Sarney. As primeiras eleições livres só ocorrem em 1990, quando Fernando Collor chega ao poder, sofrendo impeachment dois anos depois. Então, temos um interregno mais calmo, entre 1992 e 2016, quando um golpe parlamentar tira a presidente Dilma Rousseff do poder, uma encenação autoritária que culminaria, por uma série de manobras jurídicas, com a eleição do ex-capitão do Exército, Jair Bolsonaro, em 2018, um presidente que conspira contra a democracia desde o dia em que tomou posse.

Os senhores e senhoras hão de desculpar esse longo arrazoado sobre a desinteressante história política do Brasil, mas ela é necessária para compreensão do primeiro ponto que chamei atenção no início dessa explanação: a ameaça contra a liberdade de expressão no Brasil volta nesse momento a ser mais palpável que nunca.

Vou então me debruçar sobre o segundo ponto, o acesso à educação de qualidade, sem a qual não se formam escritores, e muito menos leitores.

O Brasil sempre foi um país deficiente no quesito educação. Nós passamos de uma sociedade eminentemente oral para uma sociedade eminentemente visual, sem a intermediação do processo de alfabetização. Isso criou uma comunidade sem qualquer tradição de consumo de literatura, já que a cultura sempre foi vista, mesmo por nossa elite político-econômica, com desconfiança e desprezo.

Não é à toa que detemos os piores índices de leitura do mundo. Estudo elaborado pelo IMD World Competitiveness Center mostrou que, no quesito educação, o Brasil tem a pior avaliação entre as 64 nações analisadas. Entre outros fatores, esse mau resultado se deve aos gastos público totais em educação: enquanto a média mundial é de 6.800 dólares por estudante anualmente, o Brasil aplica 2.100 dólares. O país tem ainda um baixo desempenho no Programme for International Student Assessment (PISA): 68% dos estudantes brasileiros, com 15 anos de idade, não possuem nível básico de matemática; 55% em ciências; e 50% em leitura. E a perspectiva é que os próximos indicadores apontem para um agravamento na qualidade da educação brasileira, devido às implicações da pandemia de Covid-19 na aprendizagem e no desenvolvimento de habilidades dos estudantes.

Ainda, segundo o World Culture Score Index, o Brasil está nas últimas colocações no ranking mundial de países leitores. Nosso tempo semanal dedicado à leitura se resume a 5 horas e 12 minutos. A média anual de livros lidos por habitante é de 4,96, sendo que somente 2,5 livros por habitante, por ano, foram lidos até o fim.

Democracia não é somente ter direito ao voto. Democracia é a possiblidade de eleger alguém que nos represente nas decisões políticas do país, e o exercício do voto deve ser um ato consciente e livre. Como falar em liberdade quando se está acossado pela fome, pela falta de moradia, pelo desemprego, pela desconfiança em relação ao Estado? Como falar em democracia num país em que o analfabetismo atinge 6,8% da população acima de 15 anos, sendo a média mundial de 2,6%. A proficiência atinge apenas 12% da população e um terço da população acima de 15 anos é considerada analfabeta funcional, ou seja, incapaz compreender textos e operações matemáticas simples.

Por fim, sem levarmos em consideração as trágicas consequências da pandemia, temos que nos últimos quinze anos o mercado editorial brasileiro encolheu 30%. O número de livrarias diminuiu 29%, enquanto observamos uma concentração do mercado em algumas poucas megaeditoras, geralmente subsidiárias de empresas transnacionais. O preço do livro relativamente ao poder aquisitivo da população é alto, as tiragens são pequenas – estão estagnadas há décadas em três mil exemplares – e a distribuição é precária. Para piorar, porque no Brasil tudo pode piorar, o atual governo ameaça com a taxação dos livros, o que elevaria ainda mais o preço final.

A literatura no Brasil, que sempre foi um privilégio das elites, experimentou um pequeno movimento de democratização na primeira década do século 21, com a expansão do universo de leitores – através de programas de fomento de bibliotecas escolares, bibliotecas públicas e bibliotecas comunitárias-, que terminou propiciando o surgimento de novas vozes na produção de textos, com representantes de literaturas periféricas ou marginais, afrodescendentes, indígenas, de género, etc. Mas, todas estas pequenas conquistas estão ameaçadas, porque o horizonte que se abre ante nós é pesado e aterrador.

Luz na escuridão

Jessé Andarilho, escritor:
“Estou numa correria danada pra terminar meu novo romance que se chamará Esquema. O livro fala do nosso ‘jeitinho brasileiro’ de cada dia e sobre como as pessoas já estão habituadas com a mania de conseguir vantagens em quase tudo. Escrever um romance que aborda essa temática não é fácil, pois toda hora aparecem novos golpes e preciso acrescentar coisas no texto. Com isso, tenho que mudar a estrutura do livro o tempo todo para não deixar alguns esquemas de fora. Na pandemia parece que aumentaram os esquemas. Toda hora alguém tem o WhatsApp clonado, ou aparecem golpistas se passando por nossos amigos nos pedindo dinheiro. É falso médico pra lá, governantes faturando na compra de respiradores pra cá, militares ganhando no álcool em gel e a turma do presidente arrumando um dólar por dose de vacina. De esquema em esquema aqui estou, observando tudo enquanto tento seguir com o projeto de uma biblioteca comunitária que abri no antigo posto policial da favela onde eu nasci. Um esquema do bem. Jogar palavras nas páginas em branco e dar acesso à leitura de qualidade é meter a luz na escuridão. Uma biblioteca em um antigo posto policial é muita luz. Pois quem não cuida dos leitores, não pode reclamar dos eleitores”.

Parachoque de caminhão

“As pequenas conversas entre a pantera e a hiena honram a segunda mas rebaixam a primeira.”

Ahmadou Kourouma (1927-2003)

Antologia pessoal da poesia brasileira

Antônio Carlos de Brito (Cacaso)
(Uberaba, MG, 1944 – Rio de Janeiro, RJ, 1987)

lar doce lar

[para Maurício Maestro] Minha pátria é minha infância:
Por isso vivo no exílio

(na corda bamba, 1978)

 

Luiz Ruffato. Foto: Filipe Ruffato.
LUIZ RUFFATO

Estreou em 2001 com Eles eram muitos cavalos, e, depois disso, publicou outros cinco romances, uma coletânea de contos, uma de poemas, uma de crônicas, um ensaio e uma história infantil. Seus livros ganharam os prêmios APCA (duas vezes), Jabuti (duas vezes), Machado de Assis da Biblioteca Nacional e Casa de las Américas, de Cuba, e estão publicados em 13 países. Em 2012 foi escritor-residente na universidade de Berkeley (EUA); e em 2016 ganhou o Prêmio Internacional Hermann Hesse, na Alemanha.

 

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