14 de outubro de 2021 8:45 por Adriano Zumba
Título original: Ich bin dein Mensch
País: Alemanha
Duração: 1 h e 45 min
Gêneros: Comédia, ficção científica, romance
Elenco principal: Maren Eggert, Dan Stevens, Sandra Hüller
Diretora: Maria Schrader
IMDB: https://www.imdb.com/title/tt13087796/
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Citação: “Noventa e três por cento das mulheres alemãs sonham com isso.”
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Opinião: “Impressionantemente real, a despeito de seu viés supostamente imaginário.”
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Sinopse: Para obter fundos de pesquisa para seus estudos, uma cientista, Alma, aceita relutantemente a oferta de participar de um experimento extraordinário: durante três semanas, ela viverá com um robô humanoide, Tom, que é programado para fazê-la feliz.
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Já tive a oportunidade de assistir a filmes com personagens desprovidos de vícios e prejulgamentos, por não serem humanos, e que possuem a capacidade de raciocinar para oferecer, por exemplo, olhares críticos sobre determinados assuntos e/ou fazer com que outros personagens e o público reflitam à vontade. Humanizar “criaturas” em nome de uma visão isenta é uma fórmula de sucesso que mais uma vez se repete em uma obra cinematográfico de grande expressão, pois o filme em tela é o indicado pela Alemanha ao Oscar de Melhor Filme Internacional 2022, e, portanto, terá uma visibilidade monstro ao redor do mundo.
Utilizando um viés cômico durante boa parte de sua exibição, “I’m your man” é responsável e insinuante, pois desenvolve de forma bem equilibrada e com doses de ousadia na medida exata, nuances do jogo do amor, adentrando profundamente em aspectos humanos e desnudando almas para a familiarização imediata de seu espectador. A despeito da utilização de uma narrativa absurda (mais abaixo vocês verão que isso não é uma verdade absoluta) à primeira vista para a grande maioria das pessoas, o filme tem um poder atrativo muito forte por exibir uma situação que pode figurar nos sonhos mais íntimos do ser humano: viver com o(a) parceiro(a) perfeito(a). Mas será que algo nesse sentido é realmente tão desejável?
A protagonista Alma, na seara laboral, é pesquisadora de um museu e se dedica quase que exclusivamente a seu estudo da escrita cuneiforme. Na seara amorosa, é uma mulher solteira, recém-saída de um relacionamento com um colega de trabalho, Julian, mas não desesperada por isso, que carrega consigo um passado insatisfatório e deveras dolorido no nível feminino mais íntimo – no materno – por conta de um aborto. Trata-se de uma mulher que se “afunda” no trabalho como uma forma de refúgio transitório para sua alma. Então, para obter recursos financeiros para sua pesquisa, ela se voluntaria meio a contragosto para testar um experimento ousado e surreal: viver alguns dias com um humanoide programado apenas para fazê-la feliz em todas as searas de sua vida.
Imediatamente, para o espectador que está antenado com as evoluções tecnológicas do mundo de hoje, vem à mente toda discussão ética acerca do uso da inteligência artificial e como ela poderá afetar a conduta das sociedades atuais e vindouras, entretanto, desenvolver essa temática não é o cerne principal do filme, apesar de ser uma discussão pertinente e pincelada pela narrativa. Para coadunar com as temáticas abordadas, segue o link de um episódio da vida real em que um homem conversa com sua noiva falecida há 8 anos por meio da inteligência artificial: clique aqui. “I’m your man“, através de sua narrativa, propõe-se a esquentar mais ainda a água dessa fervura, levando o espectador a tentar identificar e estabelecer limites entre o real e o virtual e a discorrer intimamente sobre pontos positivos e negativos das interações amorosas exibidas. O foco é trabalhar o amor, com as imperfeições intrínsecas – e talvez necessárias – do ser humano saindo de cena e a perfeição absoluta de alguém moldado aos anseios mais particulares de alguém assumindo o comando. O julgamento sobre isso, tanto pelos envolvidos ficcionalmente no filme, quanto pelo público é automático e inevitável, e o filme não se furta de suscitar esses questionamentos em momento algum. Por exemplo, em determinada passagem, Alma é questionada sobre a importância de haver atritos emocionais em uma relação, pois, simplesmente, trata-se de algo humano.
Indubitavelmente, o elenco está muito bem em tela. Alma, interpretada por Maren Eggert, demonstra competentemente aquela aura duvidosa e reflexiva a todo o momento, assumindo o papel de autoindagadora. A necessidade de assimilação e/ou aprendizado daquele contexto por parte da protagonista é uma das grandes delícias do filme, permitindo que o drama e a comédia caminhem lado a lado. Enquanto Tom, interpretado por Dan Stevens, entre movimentos e pensamentos artificiais e/ou metódicos e/ou robóticos e/ou calculados providos por seu algoritmo, além de possuir também características fortemente humanas, personifica a comédia no filme, com frases de efeito, implementação de clichês, comportamentos bregas e constrangedores, etc., e funciona muito no papel do instigador. Ademais, o elenco ainda conta com uma coadjuvante de luxo, a excelente Sandra Hüller, aquela peladona de “Toni Erdmaan” (2016).
Num mundo onde cada vez mais as pessoas se relacionam virtualmente uma com as outras e interagem com entes inumanos, como robôs e programas – até mesmo sem perceberem -, essa pequena e incomum pérola cinematográfica interroga cuidadosamente o abismo entre o digital e o biológico, entre o abstrato e o real. A palavra-chave é satisfação humana, que, nesse caso, pode ser obtida sob demanda. No filme, “programar os robôs para flertar é particularmente difícil”, mas o humanoide Tom pode ser calibrado através de aprendizado de máquina (machine learning). Nessa conjuntura, há grandes e abrangentes questionamentos que vão desde o desejo e a identidade humana até a obtenção de direitos plenos das máquinas como indivíduos. Entre tantos temas de interesse desenvolvidos em uma atmosfera tão pitoresca, “I’m your man” é uma excelente recomendação que põe o espectador para pensar, mas também proporciona grande divertimento. É um dos melhores filmes de 2021.
1 Comentário
Filme inteligente, interessante, inusitado e fora da caixa principalmente considerando a indicação da Alemanha para o Oscar do ano passado que foi um filme extremamente pesado. Vale a pena conferir. Ótimo texto Adriano.