30 de outubro de 2021 6:54 por Braulio Leite Junior
Naquele domingo 8 de maio de 1949, anunciavam os jornais de Maceió os novos preços nas barbearias para os cortes de cabelo e barba: 1° classe, 5,00 e 3,00, respectivamente; para a 2ª classe seriam cobrados 4,00 e 2,00 e havia ainda uma 3ª classe apenas 3,00 e 1,50. Uma figura lendária morrera pela madrugada, mas o pessoal só comentava o aumento do café para 11,60 o quilo, sendo que o puro estava cotado em 14,00 e o extrafino, com embalagem de luxo, nem se fala.
Era verdade. Naquela Maceió de ontem morria o condottiere dos maloqueiros, como o apelidou romanticamente Floriano Ivo Júnior, mas o assunto em discussão era se Cláudio Regis apitaria ou não o match – assim se escrevia – à tarde entre o Comércio e o Barroso, Regis havia anunciado a sua decisão em abandonar o apito. E agora? A Federação Alagoana de Desportos teria de convidar outro juiz.
O velório de Armando Veríssimo Ribeiro, nascido em São Luís do Quitunde, estava em sua pobre residência, na Av. Xavier de Brito. Faria 30 anos no mês seguinte, mas a tuberculose pulmonar decidiu obstar-lhe o aniversário. Armando ou José Armando é como está no Roteiro das ruas de Maceió, de Félix Lima Júnior; José é como aparece numa reportagem de 15/05/49, de Floriano Ivo Júnior, no Jornal de Alagoas. Mas o que importa um ou outro nome se a cidade inteira o conhecia como Moleque Namorador?
Sambista, batuqueiro, engraxate, ganhador, puxador de maconha, aficionado da branquinha, pandeirista, tocador de realejo e o maior passista que Alagoas já teve, campeão absoluto que sempre sobrepujou a rivais vindos de fora. Durou-lhe pouco a glória, no entanto. Glória fulminante, efêmera mas que lhe consagrou o apelido nos quatro cantos da cidade.
A família morou muito tempo em Murici. Vindo para Maceió, Moleque Namorador logo dominou as rodas de maloqueiros, tornando-se uma espécie de Robin Hood das malocas das dunas do Sobral, com companheira que ninguém ousava disputar, batuqueiro dos morros do Farol e de Bebedouro, das bibocas do Prado e do Feliz Deserto, “cantava e rangia reco-recos nos trivolis das festas de Natal nos eucaliptos do Parque Rio Branco e da Praça da Liberdade, em Bebedouro”, escreveu Floriano Ivo Júnior. Pena que sua imagem nos saracoteios nervosos do passo tenha ficado para sempre perdida, pois não havia na época cinegrafistas interessados em filmá-lo nos concursos promovidos por Ali Babá no Teatro Deodoro e no Cinearte.
Conta-se da sua vitória espetacular sobre um passista afamado, vindo do Recife, o negro Gia. Em sua primeira apresentação em Maceió, a companhia de teatro Lyson Gaster quis levá-lo para o Sul; integrado ao elenco, Moleque Namorador não quis deixar a sua Maceió, as gandaias do Ouricuri e do Alto do Urubu, fumando a sua liamba, tomando a sua cana, liderando os gazeteiros e maloqueiros, pensando que a vida era aquela eterna vertigem, dançando o coco, fazendo o passo, consumindo-se em farras.
Vinham do Rio repórteres entrevistá-lo; sua foto saiu na revista O Cruzeiro, fumando um cigarro da “erva do diabo”. E, de repente, a decadência ainda jovem, a tuberculose insidiosa, aquela figura triste, pequena, magra, “esmolando nos bares ou ainda insistindo em aparecer nos concursos de passo como um fantasma do passado”, assim evocou Floriano Ivo Júnior, quando ele morreu. Chorou um dia quando recebeu convite do Rio para se apresentar na famosa boate “Night and Day”, na Cinelândia. Impossível ir. Estava acabado. Seria depois nome de praça, inaugurada na gestão do prefeito Sandoval Caju, com apenas a silhueta em metal de um passista; paralisado no gesto, e que pertence à Maceió de ontem.
(*) Texto de Bráulio Leite Júnior publicado no livro História de Maceió, Edição Catavento, 2000.