quinta-feira 31 de outubro de 2024

As cores do ano novo

9 de janeiro de 2022 11:51 por Katia Betina

Foto: Katia Betina

Meu filho era muito pequeno quando fomos ao cinema assistir ao filme, “Simplesmente Complicado”, que falava, dentre outras coisas, de cozinha, tanto que durante a exibição a Meryl Streep prepara uma receita de nome Croque Monsieur.

A preparação foi apresentada de forma poética, mas não passa de um simples sanduíche, por isso ao sair do cinema, querendo ser legal, mas no íntimo acreditando que já conhecia a resposta, perguntei, “Filho você prefere ir lanchar no Mac Donald’s, ou passar no supermercado, fazer umas compras e ir para casa preparar um Croque Monsieur?”

Para minha surpresa ele respondeu de pronto, “fazer compras e cozinhar em casa”.

Eu e minha eterna mania de acreditar ter ideia do que se passa ao meu lado… quanta ilusão…

Essa ilusão de conhecer as pessoas me leva a constantes equívocos de avaliações, projeto nos amigos,com quem vou repartindo o dia a dia e os segredos, a convicção do respeito às diferenças como forma de crescimento, e para minha surpresa nem sempre é assim.

Até certo ponto essa convivência com o contraditório transcorre de forma “urbana”, mesmo quando me deparo ideias se apresentam opostas ao que julgo importante e que me surpreendem de forma negativa, eu tento entender.

Somos seres diferentes, por isso o nosso conjunto de leis ou de comportamentos religiosos criaram regras nas quais tentamos nos enquadrar, sob pena de sofrer punições, mas isso só serve para coisas grandes, tais como matar ou roubar (segundo a Bíblia, também cabe, não cobiçar a mulher do próximo).

No dia a dia a luta para ser correto é muito mais sutil, ninguém de nós, ou quase ninguém entre os que consideramos amigos e com quem convivemos, comete crimes tão fáceis de serem classificados como pecado.

Mas é no detalhe que o diabo se esconde, gente que aparenta ser dócil, solidário, humano, por vezes aparece com um discurso tão hostil que acabo achando que trata-se de uma outra pessoa, completamente diferente daquela para quem pedi conselhos.

Apesar de desejar muito que haja uma pacificação das ideias, para que possamos conviver de forma mais harmônica, não tenho a ilusão de que isso acontecerá de forma rápida ou sem traumas.

Quer queiramos ou não, não vamos conseguir mais ter uma escrava em casa na forma de empregada doméstica, não conseguiremos deixar os homossexuais criminalizados e presos nos armários, as mulheres não serão mais as mesmas subservientes de outrora, o conhecimento científico não será ignorado ou evitar que as existentes diferenças sociais (abissais) estejam presente nas nossas discussões.

Cabe, portanto, a nós como amigos que somos, buscar soluções para os problemas, compreender onde há erro e exigir reparo e não ficar apenas na defesa “desse ou daquele” como se houvesse um salvador para todos os males, uma alternativa mágica que tudo resolverá sem esforço.

Gosto da crítica ao que penso, ouço com atenção ao que é dito, talvez por isso me incomode tanto com as posições rasas ao eu que considero “equívocos de comportamento” são apresentadas, inclusive porque para que eu mude de opinião, preciso de argumentos, de preferência, inclusivos e humanitários.

A surpresa ao ver manifestações tão pobres como “argumentos” (considerando meu conjunto de valores) de amigos queridos é maior que ouvir uma criança preferir um sanduíche de nome complicado a uma lanchonete.

Uso para acalmar minha alma a compreensão que erro EU quando julgo conhecer as pessoas, afinal cada um sabe das suas verdades e por algum motivo elas são legítimas, ainda que sejam diferentes das minhas.

Simplesmente complicado, é mais que o título de um filme, é viver em um mundo cuja a fome, a exclusão, a morte, a dor do semelhante parece não incomodar e não nos motiva a solidariedade, empatia ou a busca para encontrar uma solução.

Gostaria que o ano tivesse todas as cores do arco íris, mas pelo visto será bem em tons de cinza.

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