segunda-feira 14 de outubro de 2024

Carnaval: entre o sagrado e o profano

Na Europa medieval e, posteriormente em algumas cidades, existia uma festa dos Inocentes, loucos e foliões.

25 de julho de 2022 3:32 por Marcos Berillo

 

 

 

 

 

 

 

“Carnaval é alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida. Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte de quem julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval” (D. Hélder Câmara).

O Carnaval tem uma etimologia incerta: do latim “carrus navalis”, carro-navio; segundo outros, do latim “carne vale!”, adeus carne. Mas, a festa do Carnaval remonta aos celtas e romanos e, segundo alguns, aos babilônios (EIJK, 1994, p. 27). Naquele tempo, existiam festas iniciáticas e celebrativas da fertilidade do campo e do gado. Segundo o escritor romano Tácito (56-120), os germanos veneravam Nerthus, a mãe terra; os romanos festejavam Ìsis e os gregos dançavam para Baccus.

Na origem dos desfiles também encontramos elementos culturais diversos: bacanais gregas, , triunfos da Roma antiga (comemorações eufóricas de vitórias pela chegada dos heróis em carros alegóricos), primeiras grandes procissões (forma abreviada das antigas romarias) e comemorações festivas da reconquista e das cruzadas.

Na Europa medieval e, posteriormente em algumas cidades, existia uma festa dos Inocentes, loucos e foliões. O carnaval firmou-se como parte inseparável do ciclo religioso da quarta-feira de cinzas, quaresma e páscoa. Inicialmente, a festa profana e religiosa era realizada até dentro das igrejas, com a participação do próprio clero. Na folia de então, revelava-se o protesto rebelde e irreverente do povo contra toda forma de abuso das autoridades civis e religiosas. O Papa Inocêncio III (1160-1216) disse:

Dão-se algumas vezes nas igrejas espetáculos e divertimentos de teatro, e não somente introduzem nesses espetáculos e nesses divertimentos monstros mascarados, mas ainda em certas festas os diáconos, os padres e os subdiáconos permitem-se a liberdade de fazer toda casta de loucura e palhaçadas. (…) Eu vos conjuro a exterminar este costume (Apud: MORAES FILHO, 1979, p. 26).

Ao mesmo tempo que o carnaval saiu da igreja, o bobo da corte deixou o governo civil. Isso é lamentável, porque o humor e a irreverência pertencem aos inteligentes.

A partir do século XVI, os protestantes acabaram com o carnaval onde puderam. Somente nos países católicos, como Portugal e Itália, a festa continuou.

D. Hélder no Carnaval. Fonte: www.facebook.com

O carnaval brasileiro começou com o entrudo, de origem popular portuguesa, e com o corso, desfile de carros de antiga origem romana. Em 1641, já havia carnaval no Brasil. A partir desta época surgiu um estilo de vida burguesa europeia em algumas de nossas cidades, por causa da riqueza trazida pela cafeicultura. Isso deu origem a uma espécie de carnaval veneziano, com divertimentos de acordo com as diferentes classes sociais. Todas as camadas da população promoviam baile de mascarados, mas, o mais concorrido era o “corso” desfile de veículos em que as famílias mais ricas exibiam as suas fantasias e eram aplaudidas pelo resto do povo.

Foi no século XVIII, que surgiram blocos e cordões inspirados nas procissões das irmandades, corporações, folias e ranchos de pastorinhas. Os grupos carnavalescos passaram a criar suas bandeiras e estandartes.

Inicialmente, ranchos, blocos e cordões populares eram proibidos e expulsos pela polícia dos centros das cidades para a periferia. Também o Zé Pereira faz parte da história do carnaval. Era um tambor de origem lusa, ao ritmo do qual os foliões percorriam as ruas.

O carnaval que veio da Europa tornou-se mestiço. Nasceram as escolas de samba e ala das baianas. A partir de 1935,as escolas de samba são legalizadas e seus desfiles oficializados e financiados pelo Estado. Logo depois, o desenvolvimento da indústria cultural e do turismo, e os próprios meios de comunicação, provocaram a comercialização das escolas de samba (OLIVEN, 1989, pp. 68-70).

São três dias de festa coletiva, alegria e irreverência, espetáculo e arrastão, tradição e criatividade, animação e fôlego. Por isso terminarei essa crônica registrando o que nos disse o nosso amado D. Hélder: “Brinque, meu povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que na quarta-feira a luta recomeça, mas ao menos se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!”

REFERÊNCIAS:

EIJK, Inez Van. Do dia de todos os Santos a São Juttemis. Utrecht: Kosmos Z4K, 1994.
Apud: MORAES FILHO, Mello. Festas e tradições populares do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979.
OLIVEN, Ruben George. Violência e cultura no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1989

 

 

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