24 de junho de 2022 11:56 por Mácleim Carneiro
Não! Ninguém pode ter a noção exata do que aconteceu nas cidades devastadas pela tromba d’água que atingiu as populações ribeirinhas dos vales do Mundaú e Paraíba, em 2010. Não! Ninguém pode ter a percepção física do sofrimento sem ter visitado as ruínas, os escombros, a desgraça, a tristeza e o desconsolo daquele povo.
A solidariedade dos que estavam de longe e ajudaram com donativos foi muito, extremamente, muito importante. Foi o que manteve de pé a esperança para aqueles que viram a moradia, negócio, pertences significativos, veículos, pessoas amigas, parentes, planos, coisas de uma vida inteira ruírem à sua volta. Diante de tanta destruição, a solidariedade se eleva e retroalimenta-se a um grau do sofrimento interior. Aconteceu com quem teve o interesse de ver bem de perto, in loco (com todos os cinco sentidos), o tamanho da tragédia. A não ser que a criatura não tivesse o mínimo de sensibilidade e, como víamos nos noticiários, encontrasse na desgraça alheia uma oportunidade de auferir vantagens em ano eleitoral.
Mundaú Inclemente
Quando as águas do Mundaú baixaram e deram condições de acesso a quase todas as ruas da minha cidade natal, fui ver o que de fato havia acontecido com o cenário e personagens de uma época importante da minha história de vida. Voltei ao berço, à minha incubadora, fui a Murici. Era domingo e chovia forte, como se fosse prenuncio de que ali ainda não se permitia o passado, tudo era o momento cruel, real e duradouro, que, a contragosto daquela gente, tatuava para sempre um futuro incerto e duvidoso. Ainda à beira da pista, a cena periférica antecipava o conteúdo interior. Centenas de desabrigados, misturados a restos de mobílias encharcadas e lixo, cercavam, sôfregos, as pessoas solidárias, que levavam pão e leite, para acontecer, digamos assim, o café da manhã.
Não tentarei descrever o que vi e vivenciei ao chegar ao ponto crítico, ao coração bombardeado e esfacelado de Murici. Em resumo, diria que as águas destruíram quase tudo. Não foram seletivas! Assim, desde os mais pobres aos mais remediados, rio abaixo, o Mundaú foi inclemente e inundou de perdas imensuráveis inúmeras pessoas. Algumas, amigas de outrora. Outras tantas, não. Particularmente, levou a casa em que nasci e fui feliz. Levou prédios e signos que habitei e habitaram a minha infância interiorana. Levou, também, uma saudade que insiste em recriar rastros impossíveis de perceber onde há lama. Enfim, rio abaixo, também deságua no mar a minha memória afetiva.
Por mais espaço virtual que essa mídia ofereça, não suportaria tanto tempo tendo que ter páginas e páginas onde a dor e o relato de penosas perdas se acumulariam e, ad infinitum, chegaríamos à próxima catástrofe anunciada que, infelizmente, sabemos, virá e deu uma mostra disso, com as chuvas intermitentes, que provocaram enchentes em Murici, durante esses dias molhados de junho, 12 anos após a tragédia de 2010. Portanto, não que eu seja anódino ao virar o foco para o outro lado do rio, porém, alguns questionamentos são pertinentes, ainda factuais e cabíveis aqueles cujos atos implicam em responsabilidades na dimensão de tais calamidades. Até para que (eis uma utopia) se levados a sério e a cabo, sejam desnecessários num futuro bem próximo.
Assim sendo, sem mais delongas, no próximo escrito, continuarei com esse miolo de pote.
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!
1 Comentário
Muita dor….. Muita dor…..