25 de julho de 2022 12:32 por Mácleim Carneiro
Tenho prazer redobrado e satisfação imensa, quando posso reverberar o trabalho de uma pessoa pela qual nutro um carinho especial e torço pelo seu êxito artístico e pessoal. Esse é o caso de Bruno Berle, que lançou recentemente o álbum ‘No Reino Dos Afetos’, pelo selo britânico especializado em música brasileira Far Out Recordings, em formatos para todos os gostos: LP, CD, streaming… Sim, Bruno é um artista bastante singular e idiossincrático, mas quem disse que por trás de cada artista não existe uma criatura, sobretudo, se olharmos de perto, sem a preconcepção sugerida pela arte que lhe é inerente. Então, sendo assim, tenho a sorte de ter uma historinha pra contar.
Era começo de noite, em meados de 2018, quando adentrou ao meu ambiente de trabalho, na rádio Educativa FM, um jovem de barba espessa e compleição física bem franzina, com um bag de violão nas costas e alguns discos nas mãos. Assim, aconteceu o meu primeiro contato com Bruno Berle e o início de uma empatia quase paternal, por esse artista alagoano diferenciado, que, aos poucos, tem marcado território e avançado além fronteiras da cena aquariana. O motivo da visita era o álbum Bruno Berle & Eduardo Pereira, produzido pelos dois, à época.
Talento Indeserdável
Gostaria de ressaltar, que tão singular quanto o próprio Bruno é sua história, seu precedente motivacional. O que me contou Bruno Berle, àquela noite, persistia em ser a história de muitos outros jovens artistas talentosos, pelos quatro cantos desse país de gênese musical. De acordo com ele, a incompreensão paterna, quanto à sua opção pela música, havia chegado ao paroxismo e ele fora deserdado de casa. Bruno Berle não foi o primeiro e não será o último a, por tais circunstâncias, não encontrar o apoio necessário onde deveria tê-lo. Sorte dos que nascem em berço musical, onde o alicerce jamais se fragiliza, posto que impregnado do acolhedor laço familiar.
Certamente, podemos supor que esse álbum, ‘No Reino Dos Afetos’, está prenhe da afirmação de um propósito de vida, da resiliência diante dos fatos e do talento indeserdável de um jovem e promissor artista. Então, nada mais justo do que o reconhecimento de um selo internacional que, ao menos pelo ponto de vista dessa passagem na vida de Bruno Berle, extrapola o fato conceitual de ser um álbum cuja sonoridade low fidelity ou lo-fi – como queiram os modernosos de plantão –, molda-se aos interesses do inglês Joe Davis (Far Out Recordings) em apostar nesse trabalho. Aliás, ele não difere muito do primeiro registro fonográfico de Bruno Berle e do conceito artesanal, onde o rascunho fica valendo, uma vez que, fora do quadradinho, sonoridades e referências padronizadas não lhes cabe mais e nem significam nada. Assim, a baixa fidelidade se encaixa como uma luva, para o que agora é tendência do pop, mas que Berle já vinha praticando ao extremo, como quando queríamos fazer uma demo e íamos gravar em fita cassete no banheiro de casa, para conseguir o efeito de reverberação dos azulejos.
Frescor Nostálgico
Portanto, engana-se quem pensa que essa opção estética é um salto totalmente no escuro, ou um salto típico dos arroubos da juventude pós-moderna, que não mede a profundidade do abismo e salta; protegida pelo descompromisso com responsabilidades que aprisionem os devaneios e inibam a coragem nonsense e invejável de se expor sem medo da queda. O álbum ‘No Reino Dos Afetos’ é um típico exemplo de frescor nostálgico e da extensa cartela de sons e variáveis, que a fonte musical caeté é capaz de jorrar, para muito além dos seus ícones consagrados e repetidos.
Como o sururu se camufla na lama e a pérola na ostra, Bruno Berle abriga preciosidades na aparente singeleza e crueza low profile desse trabalho. E não carece grande esforço para tal percepção, porque tudo começa com aquele aviso de alerta total: gravando! em ‘Até Meu Violão’ (João Menezes), faixa que abre o álbum e parece ser uma espécie de samba modernoso, sem nenhuma pretensão de subir o morro e muito menos levantar poeira. Porém, tem o que soa e talvez seja uma célula de maracatu, além da harmonia cheia de nuances escorregadias e atraentes. Na cola, vem ‘Quero Dizer’ (Batata Boy e Bruno Berle), quase na mesma pegada da anterior e já com um pé na sonoridade envelopada do lo-fi. Em ‘Beat 1’ (Batata Boy e Bruno Berle), a quarta faixa do álbum, os dois pés já estão viajando totalmente pela sonoridade e atmosfera que permeiam esse álbum. Berle faz uma citação de ‘Luz e Mistério’ (Beto Guedes) e conduz o ouvinte para um ambiente onírico e flutuante em solfejos. Ele nos aponta, estrada a fora, o caminho e reafirma ser a arte um spoiler da realidade.
Acróstico de Títulos
“O disco é formado por gravações diversas que faço desde 2017, sem ter um conceito que as amarrasse. No começo da pandemia, comecei a juntá-las e compus mais algumas coisas, até tomarmos confiança de que tínhamos um álbum.” Fiel à sua fala, Bruno Berle propõe seguirmos a audição por um acróstico de títulos das canções, com inúmeras leituras e variações, para serem lidas num só fôlego, do tipo: ‘Sereno’, na ‘Arraiada’, ‘Até meu violão’ ‘Guardo em tuas mãos’. ‘É preciso ter amor’, ‘Só o amor’, ‘Só nós dois’. ‘Quero dizer’ ‘O nome do meu amor’, ‘Virgínia Talk’, no ‘Beat 1’ e no ‘Som Nyame’.
Pois que Nyame, que sabe e vê tudo, onisciente e onipotente, de tão iluminado que é, ilumine os caminhos de Bruno Berle, pelo universo escolhido por ele, para dizer e repetir É Preciso Ter Amor (Bruno Berle, Phylipe Nunes e Marvin Vieira), pondo um ponto final e de inflexão ‘No Reino Dos Afetos’, soberano e mentor de uma obra que toca sua tangente.
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!
SERVIÇO
No Reino Dos Afetos, Bruno Berle
Plataformas digitais: Apple Music, Spotify, Deezer, Bandcamp, Qobuz
Plataformas físicas: CD e LP, pelo contato www.faroutrecordings.com
Preço: 18.00 euros
OUÇA: