sexta-feira 22 de novembro de 2024

Em 2023, jornalismo de dados local será protagonista contra o negacionismo

Protagonista na luta contra a desinformação no âmbito nacional durante a pandemia, o jornalismo de dados deve avançar em 2023, chegando com força à cobertura hiperlocal ao apostar na transparência e na colaboração

19 de dezembro de 2022 4:29 por Da Redação

Foto: Reprodução

Por Lucas Thaynan* e Graziela França**, do Headline

Imagine a final de um grande campeonato de futebol. O time adversário escalou seus principais jogadores e está preparado para se defender de cada ataque que o time receba dentro de campo. O árbitro apita o início da partida, seu time busca chegar à área adversária, mas enfrenta grande dificuldade. Seus jogadores fazem cruzamento de bolas na área, dão enfiadas, tentam dribles, mas sem sucesso. A equipe adversária está obstinada em não deixar sua equipe ganhar e o jogo segue no zero a zero. Eis que o craque do seu time, aos 47 minutos do segundo tempo, faz uma jogada brilhante e chuta a bola no canto da trave, fazendo o gol decisivo da partida.

No futebol, um jogador importante pode fazer grande diferença dentro de campo ou até mesmo ser a peça-chave do time para vencer a partida. Da mesma forma, no próximo ano, o jornalismo de dados será o craque capaz de driblar as inúmeras armadilhas causadas pela desinformação impostas todos os dias à sociedade, seja por meio das redes sociais ou até por representantes públicos, como nos deparamos com frequência nos últimos anos. Para isso, é preciso dar passos mais largos na direção de construir um ecossistema robusto e capacitado para enfrentarmos esses desafios.

Destaco o trabalho desempenhado em redações com times maiores e estruturados, que lutam contra esse “adversário”, seja o negacionismo ou a desinformação. Sim, é uma tarefa bem dura, mas possível de ser combatida, pelo menos em parte. Quando o assunto é fazer uso de dados para informar, temos os grandes núcleos especializados no assunto país afora, como o G1, Folha de S. Paulo, Poder360, Nexo Jornal, entre outros.

Por outro lado, o foco dessas empresas jornalísticas é o cenário nacional, o que impossibilita, grande parte das vezes, atender a demandas hiperlocais, como um fato que está afetando diretamente uma pequena cidade no interior do Ceará, por exemplo. À vista disso, espera-se que em 2023 novas iniciativas locais possam surgir e ampliar a produção jornalística baseada em dados para além do eixo Rio-São Paulo.

Porém, para combater é importante primeiro entender a fundo o problema em si. Logo, o negacionismo pode ser visto por várias facetas, entre elas o neonazismo, o criacionismo – que se entende mais atualmente como negacionismo à ciência e não a questões religiosas – e o terraplanismo, entre outros. Um aspecto comum destas formas de negação da realidade e dos fatos científicos se dá pela seleção de uma narrativa que tenta explicar a existência das coisas e práticas sociais, ignorando evidências, argumentos lógicos e camuflando, muitas vezes, opinião como um fato.

Esse movimento de negacionismo, especialmente relacionado à ciência, não é um fenômeno novo no país. Em 1904, pessoas foram às ruas do Rio de Janeiro protestar contra uma lei que obrigava a vacinação contra a varíola, que naquele ano já havia vitimado cerca de 3.500 pessoas. A Revolta da Vacina, como ficou conhecida, nasceu impulsionada, sobretudo, por discursos falsos, a exemplo do absurdo de que quem tomasse o imunizante ficaria parecido com um boi. Alguma semelhança com os tempos atuais?

No fim, a lei acabou sendo revogada e a revolta terminou com o saldo de 30 mortos, 110 feridos e ao menos 945 prisões, em poucos dias de movimentações. A ação negacionista naquela época trouxe ainda reflexos negativos para a campanha de imunização no Rio, desestimulando parte da população a não se vacinar.

São em grandes acontecimentos, como uma epidemia/pandemia ou uma eleição, que o jornalismo local precisa ganhar robustez e novas ferramentas. Assim, será capaz de entrar em campo contra a ação negacionista, que muitas vezes traz reflexos diretos em uma sociedade, seja ela uma cidade, um bairro ou um pequeno povoado. Quem melhor conhece a sua região é quem ali vive. Diante disso, devemos esperar que em 2023 novas iniciativas de jornalismo de dados possam surgir na cobertura da realidade local, seja dentro de estruturas de empresas de comunicação já existentes ou suscitadas por meio de coletivos e/ou cooperativas entre jornalistas.

Iniciativas que trabalham dentro de seu eixo de atuação com comunidades ou grupos sub-representados mostram cada vez mais a importância de termos — e apoiarmos — projetos que olham e comunicam para sua realidade. Afinal, só se pode falar bem, comunicar e informar sobre o que se conhece. Anotem: iniciativas locais serão fundamentais no combate à desinformação e ao negacionismo de diferentes vertentes.

É possível constatar uma evolução neste sentido nos últimos anos, sobretudo na região Nordeste. Um bom exemplo é o DATADOC, central de jornalismo de dados do jornal O Povo, no Ceará, que conta com uma equipe dedicada à produção de conteúdos com base em dados e com foco em narrativas visuais. Durante as Eleições de 2022, a iniciativa produziu o agregador de pesquisas eleitorais com informações dos candidatos à Presidência da República, governadores e ao Senado Federal.

Vale mencionar também o projeto Mapa da Mídia Independente e Popular de Pernambuco, produzido por meio de dados coletados pela Marco Zero Conteúdo. A iniciativa utilizou técnicas de ciência de dados e design da informação na elaboração da plataforma. E a cobertura eleitoral do Nordeste produzida pela Agência Tatu, de Alagoas, que produziu conteúdos com análises dos dados, visualizações e também combateu a desinformação com o projeto Nordeste Sem Fake.

Tais experiências vistas em 2022, aliadas a incentivos na formação de mais profissionais qualificados no trabalho com dados, podem impulsionar o jornalismo local a trazer novos elementos para as suas produções. Não espera-se, portanto, uma mudança brusca na mentalidade dos profissionais de jornalismo e nas redações tradicionais, mas almeja-se um pequeno passo no sentido de conquistar novos aliados para minimizar os efeitos danosos do negacionismo dentro da sociedade.

Em 2023, uma tática vital contra o negacionismo será dar transparência a todo e qualquer processo de produção de uma reportagem. Bebendo da fonte inesgotável de experiências do método científico, reportagens produzidas por meio de dados deverão trazer consigo a metodologia do processo de construção e, sempre que possível, os dados originais utilizados. Tais práticas são imprescindíveis para dar maior legitimidade ao trabalho jornalístico, bem como clareza nos mecanismos de coleta, apuração e checagem das informações.

Aliado a todos os fatores expostos neste artigo, esperamos contar com a colaboração entre veículos e profissionais, compartilhando diferentes expertises no imenso leque de possibilidades do trabalho de contar histórias com dados. Afinal, o combate à desinformação é um processo que precisa de um time integrado, afinado e generoso para obter êxito. Assim, 2023 poderá ser um ano em que o jornalismo de dados reforçará sua importância e chegará a mais recantos do nosso continental Brasil.

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* Jornalista de dados, designer, desenvolvedor Python e programador web. Formado em Jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e pós-graduado em Jornalismo de Dados, Automação e Data Storytelling, pelo Insper. Cofundador da startup Agência Tatu, que desenvolve conteúdos e produtos jornalísticos com base em dados públicos com foco no contexto da região Nordeste.

** Jornalista formada pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e pós-graduanda em Jornalismo de Dados, Automação e Data Storytelling, pelo Insper. É apaixonada por conectar histórias reais aos dados públicos. Entusiasta do Jornalismo Científico e da divulgação de toda forma de conhecimento, mas também fascinada por política e assuntos do judiciário. Conquistou várias premiações no jornalismo alagoano. Atualmente, é diretora de conteúdo da Agência Tatu.

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