sexta-feira 19 de abril de 2024

Alimento D’Alma

Embora tenha dois momentos de improviso, a volta é sempre para introdução, desarrimando a melodia de rara beleza.

30 de janeiro de 2023 2:00 por Da Redação

 

A cena da música instrumental é tão prenotada e singular que chega a ser surreal, em menos de um mês, ter a possibilidade de apreciar e resenhar dois bons lançamentos desse segmento no aquário. Dessa vez, tenho o prazer de reverberar a estreia fonográfica do violonista Willbert Fialho, muitíssimo bem formatada no belo álbum ‘Som Das Cordas’. Willbert é um dos mais talentosos e competentes músicos em atuação na latitude aquariana! É considerado um dos violonistas clássicos mais notáveis de Alagoas, porém, abraçou o choro com o seu violão de 7 cordas e tem se destacado como arranjador e diretor musical de vários espetáculos.

A música de Willbert Fialho nasce às margens do Velho Chico, mais precisamente em Pão de Açúcar, sua cidade natal. Aliás, de acordo com o seu irmão e não menos talentoso Billy Magno, a vocação musical de Pão de Açúcar, cujo nome já foi Jaciobá (espelho da lua, em Guarani), vem desde os anos 1800, com as bandas de música. Aproveitando esse gancho, foi lá, em 1883, que nasceu o exímio e excepcional violonista Manoel Bezerra Lima, mais conhecido como Nezinho Cego ou Manoelito. Reza a lenda, que ele foi um músico diferenciado, a começar pelo jeito que tocava violão: na horizontal, sobre o seu colo e não junto ao plexo, como seria usual a qualquer mortal. Talvez, para compensar a visão que lhe faltava, sua percepção auditiva era absoluta e isso o favoreceu sobremaneira. Conta-se que, certa noite, ele estava na companhia de um grupo de amigos, quando ouviram o som característico de carros de boi, ao longe. Os amigos o desafiaram: diga quantos carros estão vindo… Nezinho apurou o ouvido e respondeu taxativo: Seis! Foram todos conferir e eram cinco. Então, gritaram todos: Errou, ceguinho! Foi aí que um dos carreiros explicou. Na verdade, eram seis carros, mas um deles quebrou, sendo forçado a parar.

Pontos Fora Da Curva

Certamente, na atmosfera de Pão de Açúcar flutuam partículas apolíneas, capazes de ter contaminado Willbert Fialho, com resquícios da linhagem violonística do grande Nezinho Cego, bem como ao seu irmão Billy Magno, com a verve criativa do saudoso maestro Manoel Passinha, exímio multi-instrumentista, compositor, arranjador e regente. Todos, filhos de Pão de Açúcar e tórridos pontos fora da curva, numa população de pouco mais de vinte mil habitantes. Se o imperador D. Pedro II, nos tempos de agora, pernoitasse por lá novamente, sairia encantado com a música de Willbert Fialho e, seguramente, levaria de brinde o álbum ‘Som Das Cordas’ que, em seus dez temas, todos de autoria de Willbert Fialho, reserva verdadeiros tesouros auditivos, a começar pelo samba ‘Cai Dentro Se Puder’, que, além do título sugestivo e convidativo, dá ares de ser uma homenagem ao grupo homônimo, no qual Willbert Fialho é um dos componentes. Sem coadjuvantes, o violonista põe as cartas na mesa e exibe sua técnica e competência de instrumentista e compositor privilegiado. A curiosidade está na forma do tema, que apresenta a melodia apenas uma vez. Embora tenha dois momentos de improviso, a volta é sempre para introdução, desarrimando a melodia de rara beleza.

‘Suzana’, o segundo tema do álbum, é uma valsa de sutil delicadeza, que ocupa todos os palmos de um salão imaginário, em flutuantes e oníricos rodopios, durante os pouco mais de sete minutos de duração. Willbert Fialho, na guitarra, novamente propõe uma forma bastante peculiar, AABA, aos talentosos músicos coadjuvantes: Alyson Paez (bateria), Billy Magno (piano) e Félix Baigon, com o seu elegante Gumercindo (baixo acústico). Como a rapidez de uma metralhadora, todos os bordões do violão de 7 cordas aparecem ávidos, bem resolvidos e afoitos no choro ‘Deixa Que Eu Digo’, sobre a cama percussiva de Mikla Waltari. Mikla também assina a arte da capa. Aliás, de tão minimalista e enigmática, não sei se o simbolismo emblemático é de uma mitose, duas pastilhas de sonrisal antes da efervescência, ou alguma forma microscópica da propagação do som. O fato é que a sua singeleza monocromática é bela!

Tocar Fácil É Difícil

O nostálgico e esplêndido choro ‘Rua Da Frente’ traz Billy Magno ao clarinete, ampliando a suavidade aveludada desse instrumento complexo, até sair da região média e ir para os agudos, na hora exata em que a melodia parece dizer: ouça-me em todos os meus apelos melódicos! Sim, é um choro de gente com musculatura musical, que compra fiado em qualquer roda do gênero, aqui ou alhures. E, assim, vamos levitando pelos caminhos sugeridos por Wilbert Fialho, entre choros, sambas e valsas, numa sequência que nos cativa pelas melodias plangentes do compositor, que encontrou em cada corda que fere em seu violão, a inspiração e a certeza de quem sabe que tocar fácil é difícil e é difícil tocar fácil.

Em ‘Samba Choro Para Beatriz’, Willbert divide a primazia do solo e improvisos com o bandolim de Wellington Pinheiro, mais um músico fantástico, arregimentado para esse trabalho imprescindível à música instrumental alagoana. Daí, chegamos à melancólica e sofrida ‘Triste Pinheiro’. De tão bela, contém a força solidária ao sofrimento dos que habitaram àquele bairro de Maceió e foram vítimas de um crime premeditado e perpetrado pelo abuso do poder econômico e político, em vergonhoso conluio entre autoridades constituídas ao longo dos anos e até mesmo de boa parte da imprensa alagoana (extinto Prêmio Braskem de jornalismo). Em solo primoroso e solitário, Willbert mostra toda a dor contida no encanto emblemático de uma belíssima melodia!

Os primeiros compassos de ‘Quando Voltar’ parecem querer prolongar a consternação do que ouvimos antes, mas logo sacode a poeira e temos de volta a alegria de um samba, onde o protagonista é o próprio autor, em performance límpida e leve como deve ser a vida. Para fechar o álbum magistralmente, Willbert faz uma soberba homenagem à sua avó, na lúdica canção ‘Minha Avó’, de melodia singela e brejeira, como se fora a infância vivida nos quintais das casas do interior. ‘Som Das Cordas’ é um álbum instrumental onde cada tema conta uma história, porém, generosamente, concede ao fruidor a possibilidade de tecer e amalgamar sua própria história ao lirismo e força expressiva de cada canção. Enfim, eis um trabalho que alimentou minh’alma!

Serviço:
Som Das Cordas, Willbert Fialho
Plataformas Digitais: Spotify, YouTube, Apple Music, Amazon Music, Deezer

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!!

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