28 de fevereiro de 2023 1:53 por Edson Bezerra
Entrevista: Edson Bezerra
Edson Bezerra é Doutor em Sociologia e professor da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), autor do Manifesto Sururu lançado em 2004. Também é o idealizador do projeto Xangô Rezado Alto, pensado para ser um ato de rememoração do quebra dos terreiros acontecido em 1912 e, juntamente como o turismólogo Ernani Viana, são autores da proposta da transformação do sururu em patrimônio imaterial de Alagoas.
Diante da iniciativa do Ministério Público de Alagoas (MPAL) de expedir uma recomendação ao município de Maceió e à Câmara de Vereadores de mudar o nome da Avenida Fernandes Lima, a maior avenida da cidade, que homenageia o ex-governador sobre o qual pesa a acusação histórica de ter sido um dos articuladores do Quebra dos Terreiros de 1912, resolvemos entrevistá-lo.
082: Professor, o Ministério Público de Alagoas (MPAL) recomenda ao município de Maceió e à Câmara de Vereadores a mudança do nome da Avenida Fernandes Lima, para Tia Marcelina. Qual a simbologia desse ato?
Edson Bezerra: É uma iniciativa importante, principalmente, vindo de um estamento cujos integrantes são oriundos, em sua esmagadora maioria, das elites alagoanas, estamento este que, no geral se caracteriza por um alheamento às realidades locais, e então, quando eu vejo uma iniciativa deste nível, é aberta uma janela e também a sinalização para o fato de que o evento da tragédia da Quebra dos Terreiros de 1912 ter sido publicizado. Todavia, vale acrescentar, que a visibilidade é muito recente, coisa de duas décadas, e o que se observa é uma visibilidade que tem se avolumado ao longo dos anos, mas que, todavia, afirmamos: esta visibilidade bem que poderia ser maior e traduzida em coisas concretas.
O fato do Tribunal de Justiça de Alagoas ter criado o Memorial Tia Marcelina e o governo estadual criar a Delegacia Especial de crime contra as minorias são avanços evidentes da publicização do fato histórico, das lutas dos religiosos de matriz africana, dos acadêmicos e intelectuais.
082. Como assim, poderia ser maior?
Há coisas que muitos não sabem, eu sou o autor do projeto do Xangô Rezado Alto, e, se o primeiro evento foi realizado em 2006 pela Fundação Cultural da Cidade de Maceió, o segundo foi realizado no dia 02 de Fevereiro de 2012, na mesma data da quebradeira dos terreiros um século antes, desta vez foi uma iniciativa da Universidade Estadual de Alagoas, e uma articulação entre o Governo do Estado e a Prefeitura de Maceió, através da Fundação Cultural da Cidade de Maceió.
Pois bem – e aqui não me interessa fulanizar ou apontar quem foi ou que não foi – eu, enquanto idealizador do projeto, fui completamente alijado do processo, e é justamente aqui que entra a coisa que eu apontei de que o projeto poderia estar bem maior, pois, tal como eu pensei, o Xangô Rezado Alto foi idealizado não para ser apenas um evento, mas para ser a abertura de um processo como foi pensado e planejado, o que inevitavelmente acarretaria todo um processo de abertura da cultura negra para toda a sociedade alagoana, e, neste processo, as manifestações culturais afro-alagoanas estariam na vanguarda de uma economia criativa.
082. E a proposta do MPAL de mudar o nome da Avenida Fernandes Lima?
Voltando à questão da mudança do nome da Avenida Fernandes Lima, não sei se o Ministério Público vai ter força ou competência de mudar o nome da avenida, substituindo pelo nome da Tia Marcelina, mas, esta é uma proposição que poderá dar origem a um bom debate, pois, muito embora a perseguição aos cultos de matriz africana fosse uma prática comum nas primeiras décadas do século XX, a quebradeira dos terreiros em 1912 tal como aconteceu em Alagoas, foi o que se mostrou mais violento do Brasil.
Todavia, é bom que se atente que, na questão da articulação da Quebra, o Fernandes Lima é um dos personagens das elites da cidade envolvidas naquele processo. Na verdade, foi uma trama diabólica.
082. E, quais as razões de tamanha violência contra os terreiros de Candomblé em Alagoas?
Bem, Alagoas, e no particular a cidade de Maceió, sempre foi uma cidade conservadora. Não esquecer que, no começo do século XX, Maceió era uma cidade predominantemente católica, e havia uma animosidade contra toda e qualquer manifestação de religiosidade que não fosse católica. Que se pense por estes tempos, como eram realizados os cultos evangélicos, e é neste contexto que deve situar o fenômeno da Quebra dos Terreiros. Uma coisa bárbara!
082. O senhor acha que a substituição do nome da Avenida Fernandes Lima para Tia Marcelina, amenizaria este quadro?
Não. Mas pelo menos amplia o debate sobre um fato que ainda precisa ser muito mais visibilizado e discutido. Todavia, não se pode esquecer esse fato histórico e foi em decorrência da crescente visibilidade que alcançou que o Quebra dos Terreiros de 1912, tem sido estudado nas universidades, noticiados na mídia local e nacional.
2 Comentários
Parabéns ao professor Edson, a história vem a se repetir em Alagoas os espertos emergentes apoderam das ideias construídas como começo meio e fim e não sabem como conduzir o projeto, ai finalizam com festa eventuais …e ainda ganham patrocínio e prêmios.
Parabéns pela entrevista ao amigo, professor, a convivência democrática e harmônica com os pensamentos e culturas e pensamentos d minorias, são fundamentais pra o desenvolvimento humano de uma sociedade