28 de fevereiro de 2023 2:09 por Da Redação
Profa Ma. Neirevane Nunes F. de Souza*
O Ministério Público Federal (MPF) afirma que, por meio do acordo socioambiental, “a Braskem não tem autonomia sobre a área desocupada”, mas, na prática o que observamos desde o início da remoção da população afetada é a mineradora agindo com total liberdade sobre a área da qual está se tornando proprietária.
A Braskem interrompeu o transporte de passageiros pelo VLT, deixando milhares de pessoas desassistidas por esse que, para muitos, era o principal meio de transporte, causando um impacto tremendo na mobilidade urbana; a Braskem fechou vias públicas importantes como a Avenida Major Cícero de Góes Monteiro sem ter sido oferecidas à população alternativas, mas, por outro lado, faz uso particular da via por onde recebe veículos pesados; a mineradora cercou com tapumes de alumíno boa parte dos imóveis, inclusive os prédios históricos em Bebedouro, impedindo o acesso da população ao patrimônio cultural que a ela pertence.
É importante ressaltar que estes imóveis, apesar da sua relevância histórica, não estão recebendo a devida manutenção por parte da Braskem.
A Força Tarefa, através do acordo socioambiental, transfere ao Município de Maceió a total responsabilidade sobre o futuro da área condicionada à estabilização da região e as diretrizes do Plano Diretor do Município, considerando que sua primeira versão data de 2005 e necessita de urgente atualização. Assim, a população precisa estar atenta e participar, ativamente, de todo o processo de reformulação do Plano Diretor, para que não se permita que a Braskem, de forma alguma, venha a edificar nesta área.
Nesta semana, na qual se completa cinco anos que o crime da Braskem veio à tona, o balanço que as suas vitimas fazem desse termo de acordo é bem diferente da avaliação da Força Tarefa. Simplesmente porque esse acordo veio legitimar a injustiça da mineradora para com seus afetados.
Primeiramente, porque o acordo não teve a anuência da população. Nós não participamos da construção desse acordo, que veio a beneficiar mais a empresa infratora do que as suas vítimas. Um acordo sem critérios claros e justos, deixando a população afetada numa situação vulnerável para negociar diretamente com a mineradora.
Os valores oferecidos nas indenizações são irrisórios, que na maioria dos casos não chega nem a metade do valor real do imóvel e não dá condições a vitima de adquirir outro imóvel compatível com o seu patrimônio, visto que os valores dos imóveis em Maceió subiram de forma exorbitante. O valor do aluguel social também irrisório de R$ 1 mil, independentemente do padrão do imóvel original, o que levou muitas famílias a terem que arcar com o complemento do aluguel.
As indenizações por danos morais são uma “imoralidade”, R$ 40 mil por núcleo familiar e não por pessoa residente no imóvel. É importante ressaltar que este acordo deixou os empreendedores sem indenização por danos morais, como se estes não tivessem sofrido os mesmos danos pelo afundamento do solo.
Não bastasse esse acordo injusto, a Força Tarefa firma outro acordo, desta vez, com a participação da Prefeitura de Maceió, sobre a situação dos Flexais. A proposta de requalificação/reurbanização de duas ruas mutiladas e isoladas num bairro evacuado é algo aviltante, pois, estar de acordo com a permanência dessa comunidade é a maior violação dos direitos humanos, é condenar famílias à total vulnerabilidade social e ao adoecimento mental e físico, porque nos Flexais, por mais que se tente “maquiar com ações de reurbanização”, lá não existe mais qualidade de vida e nem condições de habitabilidade. Portanto, a Força Tarefa soma a mais um acordo injusto, sem a anuência da população afetada e que é desumano, pois, fere a dignidade dessas pessoas.
Sobre a responsabilidade, a Braskem há cinco anos permanece impune, ela não está respondendo criminalmente em nenhuma instância. No próprio documento de entrega das chaves do imóvel consta que a Braskem participa do acordo “sem assunção de responsabilidade”. Diante desse acordo, ela é colocada numa posição de grande colaboradora do poder público e não é tratada como empresa infratora que é. É inaceitável uma mineradora responsável pelo maior crime socioambiental em área urbana no mundo permanecer impune desta forma.
Outra questão importante é a do Cemitério Santo Antônio, em Bebedouro, interditado desde outubro de 2020. As famílias que possuem jazigo neste cemitério foram lesadas pela Braskem, pois perderam o espaço que tinham pra sepultar seus familiares e estão passando pelo constrangimento de não encontrar um local para sepultar seus mortos com dignidade, visto que os cemitérios públicos de Maceió estão superlotados. Até o momento, não foi resolvida essa situação, nem foi aberto um novo cemitério público e nem os proprietários dos túmulos foram ressarcidos pelo dano causado pela Braskem.
Compensação não corresponde à reparação integral
No caso Braskem, se utiliza muito o termo compensação, para, justamente, mascarar a responsabilidade real da empresa. Não se fala em reparação integral dos danos causados pela Braskem às suas vitimas, que é o que elas têm direito. A compensação é apenas um componente da reparação, porque a reparação integral vai muito além da indenização pelo imóvel, que de longe tem sido uma compensação verdadeira.
Isso sem contar com a questão do empobrecimento da população afetada com a perda de centenas de empregos diretos e indiretos e perda de renda. Os que, além dos imóveis, perderam a fonte de sustento da família e que até hoje não se recuperou financeiramente.
*É bióloga e especialista em Biodiversidade e Manejo de Unidades de Conservação pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal).