sexta-feira 20 de setembro de 2024

Quem é rico mora na praia

O Litoral norte alagoano, impulsionado pelo turismo por suas belas e, até então, preservadas praias, virou um ponto estratégico para as incorporadoras

1 de março de 2023 2:37 por Da Redação

Foto: Kaio Fragoso/Sedetur

Por Ricardo Reis

Como o crescimento imobiliário no Litoral Norte de Alagoas desenha a próxima tragédia anunciada: gentrificação, impacto ambiental e aumento da violência. Por trás do grande Milagre imobiliário um caminho de devastação, desrespeito e especulação.

Muito se falou que a pandemia traria o melhor de cada um de nós e que após essa crise sanitária mundial teríamos que construir um novo normal, como um pacto possível para nossa sobrevivência com certa segurança, qualidade e dignidade. Pois parece que chegamos a ele: agora, ao invés de arranha-céus nas cidades, transferimos nossos desejos urbanos para áreas paradisíacas por todo Brasil.

Uma praia deserta para chamar de sua, já que a incorporadora que conseguiu satisfazer seu fetiche de estar em meio a natureza sem abrir mão do salão de beleza e piscina de bolinha para seu filho, tomou essa praia dos locais para você.

Segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias, os lançamentos imobiliários cresceram 39% e as vendas de imóveis, 21%. E boa parte dessa euforia tem endereço certo: ar livre, praia, natureza e paraísos. O Brasil tropical é fetiche muito valioso. De ponta a ponta, no país, o litoral valorizou e aumentou construção, vendas, aluguel e financiamento imobiliário.

O litoral norte alagoano, impulsionado pelo turismo por suas belas e, até então, preservadas praias, virou um ponto estratégico para as incorporadoras. Não é à toa que foram investidos cerca de R$ 800 milhões por parte do governo pra garantir alguma infraestrutura ao novo pólo. Um dos mais importantes investimentos que se tem registro na história do estado.

O objetivo é a duplicação da AL-101 Norte, recuperação de 150 quilômetros de rodovias e trechos que ligam Alagoas e Pernambuco ao destino. Além da malha viária, a construção do aeroporto Costa dos Corais, em Maragogi, com entrega prevista para 2024. Foram anunciados, também, investimentos em tratamento de água e saneamento básico.

Obras de saneamento no Litoral Norte | Agência Alagoas

Enquanto o mar de águas cristalinas e os belíssimos rios Manguaba e Tatuamunha encantam os turistas, a população segue a romaria em busca de água potável. Não é raro ver cenas de donas de casa empurrando carrinho de mão com “boki” de água buscada direto nas fontes que se localizam em fazendas privadas. Água, diga-se de passagem, produto (sim virou produto) raro na região. O abastecimento na faixa de praia, que promete abrigar dezenas de novos empreendimentos de luxo é feito por poço cuja água não é potável e notadamente “dura” ou salobra. Quem pode, compra água de carro pipa com valores que variam entre R$ 400 e R$ 600.

Até quando o paraíso vai ficar preservado é a grande questão dos moradores dessa costa. A paisagem, pouco a pouco tem modificado. A natureza que alguns compram pelo instagram é o que tem sido dado em garantia pelas futuras obras que vão proporcionar a você e sua família a tão sonhada qualidade de vida.

Para que uma das 70 unidades “exclusivas” caiba no seu bolso, no seu sonho e nesse coqueiral. Mesmo que isso custe o habitat de raposas, cobras, sapos, peixes, mariscos, caranguejos e, pasme, pessoas. O que sobrar de tudo isso será nosso troco.

Graças ao desmonte de políticas ambientais e órgãos de fiscalização, já estamos no pódio com o maior desastre urbano causado pela mineração, registro de secas na região Sul e enchentes na região Nordeste. Mesmo assim, o Brasil natural é uma festa: e a urbanização de áreas de proteção ambiental, zonas verdes, manguezais e praias desertas formam a reserva premium das construtoras. O peixe-boi, pasme, será mascotinho do playground kids do novo Brasil.

Aliás, se o rio Tatuamunha, famoso por ser um dos mais belos pôr do sol da região e conhecido como Santuário do Peixe-Boi continuar como ponto sem balneabilidade como vem sendo apresentado nos Boletins do IMA desde novembro de 2022, talvez a próxima geração só possa ver o mamífero em extinção de pelúcia que vem de brinde na compra de um imóvel.

Litoral Norte vem sendo tomado por empreendimentos de luxo | Divulgação

Os novos produtos imobiliários não respeitam o CEP, não digerem temperos, pasteurizam nomes. Qualquer lugar é Tulum, Gamboa, Riviera. Você pode estar nas Maldivas sem sair do Brasil. Essa é a promessa e ela vem sendo cumprida em diversas reservas brasileiras. Isso vai custar muito mais caro do que o financiamento imobiliário. Vai custar o apagão das identidades, da cultura local e da saúde ambiental das praias.

Nem mesmo os coqueiros sobreviverão já que são anunciados pelo menos 16 novos empreendimentos condominiais com complexos que variam de 12 a 80 unidades residenciais, falando somente da cidade de Porto de Pedras. Em São Miguel dos Milagres, as praias vizinhas são ameaçadas por cerca de 12 novos empreendimentos para veranistas e investidores. E com isso, o valor dos terrenos vem subindo de maneira exponencial. Isso é bom? É bom. Mas para poucos.

Além de afastar os locais e mais humildes das áreas próximas à praia, prejudicando a vida, a história e seu trabalho tradicional como a pesca; quem compra tem o desafio de aproveitar o máximo possível este pedaço de chão, calculando milimetricamente quantas casinhas caberão num único lote.

As cidades da Rota discutiram com suas populações regramento urbano e Plano Diretor. Porto de Pedras fez, com financiamento do governo do estado, um trabalho bem elaborado junto à sua comunidade. O foco do Plano Diretor da cidade foi pensar o desenvolvimento sem descaracterizar a região, mantendo uma identidade arquitetônica, respeitando o acesso a praia e destacando a cultura local. Enquanto se tenta descobrir onde anda o documento que vai regrar o tal desenvolvimento, os condomínios com nomes impronunciáveis iniciam a limpeza dos coqueirais.

E não são poucos. Casas, conjuntos habitacionais, novos condomínios com 260 lotes. Números assustadores que certamente poderão comprometer os recursos naturais da pequena cidade.

Palhoça de pescadores destruída em Milagres | Cortesia

O crescimento imobiliário vem acompanhado da tal crise estética. Os corretores encantam os investidores com cenas bucólicas e casinhas de taipa que logo desaparecerão para dar espaço aos germinados de concreto. Assim como ocorreu no inicio do mês de fevereiro, em Tatuamunha, quando com apoio do IMA, um proprietário de fazenda derrubou palhoças de pescadores locais que ficavam à beira-mar, certamente impedindo seu lançamento “pé na areia”.

Enquanto isso o sonho da casa de veraneio se constrói sobre memórias, identidades e histórias. O pescador vira peça de decoração, se sobreviver.

Da cana ao coco, do coco ao concreto. Assim caminha a (des) humanidade por aqui.

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