terça-feira 3 de dezembro de 2024

Ataques a escolas já são um ‘padrão de comportamento’, diz psicanalista

Lohaine Jardim Barbosa e o senador Fabiano Contarato apontam motivações para as chacinas e buscam soluções
Reprodução

Por Roberto Junquilho, do Século Diário

“Quando a tragédia se torna comum, temos que chamá-la de outra coisa: isso já se torna um padrão de violência praticada por jovens. O de SP tinha 13, o daqui de Aracruz 16, e esse agora, 25. Todos homens e brancos, com discurso racista. Em todos os casos, é um padrão de comportamento que tem sido disseminado no país”.

A afirmação é da psicanalista e cientistas social Lohaine Jardim Barbosa e foi feita ao Século Diário na quinta-feira (6), quando a chacina de Blumenau, em Santa Catarina, com quatro crianças mortas, leva o relator do projeto do novo Código Penal, senador Fabiano Contarato (PT), a pedir a ciclo de audiências públicas para debater soluções que impeçam a repetição de crimes de homicídio dentro de escolas.

Na Assembleia Legislativa, deputados estaduais pediram alteração no Código Penal, com punições mais duras, inclusive pena de morte, mas sem abordar, no entanto, a política de armamento disseminada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o clima de violência e o discurso de ódio, fatores apontados por psicanalistas e outros estudiosos como inspiradores de crimes dessa natureza.

“Como legisladores, devemos refletir sobre a espiral de violência e radicalização por trás de episódios como Suzano, Aracruz, Vila Sônia e Blumenau, que têm se tornado uma constante. Embora ainda pendentes as investigações, mais que discutir as medidas criminais aplicáveis, é urgente debater a fundo o papel das redes sociais e dos seus algoritmos de recomendação nessa equação trágica”, justifica Contarato.

Também reitera o senador que, em passado recente, o Brasil não era um país em que atentados a escolas eram frequentes. Porém, nos últimos anos, esses ataques têm ameaçado a vida de todos em potencial, disseminando terror e o medo entre pais, alunos e professores, e deixando em luto os familiares e amigos das vítimas.

“Sabe-se que a prevenção e repressão desse tipo de atentado devem ocorrer em diversas frentes, como o cuidado à saúde mental dos estudantes, a prevenção contra o bullying, a restrição ao acesso de armas, a restrição a jogos e sites que promovam violência e discursos de ódio, a diminuição da desigualdade, a fim de possibilitar que crianças e adolescentes vivam em ambientes sadios”, frisa Contarato.

A intenção é envolver conjuntamente as comissões de Educação, Cultura e Esporte, Segurança Pública, além de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Haverá audiências públicas com a participação de especialistas da sociedade civil, empresas do setor de tecnologia (inclusive provedores de conteúdo e redes sociais) e do setor público, para debater as políticas necessárias à prevenção e à repressão da violência em estabelecimentos de ensino.

Para o deputado estadual Callegari (PL), “O Brasil precisa urgentemente rever as suas leis penais. Eu sei que isso não é trabalho para nós, deputados estaduais, aí a bola passa para o Congresso. Mas até quando vamos passar a mão na cabeça de vagabundo? Até quando vamos continuar com essas leis, com esse Código Penal de 1940, com essa Lei de Execuções Penais, que tratam criminoso como vítima da sociedade?”, questionou.

“Fizeram a lei de crimes hediondos para depois o ativismo judicial amputar a lei. Não adianta, nós vivemos num país em que infelizmente não existe punição ao crime; se vivêssemos num país decente, como nos Estados Unidos, por exemplo, eu saberia que um criminoso desse ia encarar uma cadeira elétrica, que é o que merece. Mas em nosso país nem prisão perpétua existe”, disse Callegari.

Já para a psicanalista Lohaine Jardim Barbosa, casos como esses são “o pano de fundo; não é um caso isolado, mas um padrão de comportamento agressivo, fruto desses sentimentos, os mesmos que levaram à eleição do governo anterior, e que é alimentado pelas redes sociais, um forte sentimento de ressentimento que assola principalmente homens, jovens e brancos”.

A especialista explica que “é um padrão de comportamento agressivo que encontra terreno fértil nas masculinidade frágeis e na incapacidade dos jovens de elaborarem sobre seu sofrimento. Não é só uma urgência da saúde mental, é uma urgência social de culto à violência, ao racismo e à misoginia que precisamos combater com uma cultura de paz, acolhimento, combate ao bullying, e também: políticas de saúde mental menos negligentes”.

Ela destaca que “não podemos jamais tratar como caso isolado, ou caso de saúde mental, é um fenômeno social!!. E o erro tem sido o mesmo em todos os casos: a patologização dos sujeitos que praticaram o ato. Enquanto temos de observar que nós, sociedade, estamos produzindo em um escala considerável sujeitos capazes desses atos de violência. E isso deve ser um política ampla, mas com foco em nossas escolas. Na promoção de uma cultura de não violência, de acolhimento, e não podemos negligenciar de forma alguma a saúde mental”.

Já o senador lembra outros casos trágicos recentes para reiterar a necessidade de o Congresso Nacional dar uma resposta efetiva a esse quadro de barbárie, combatendo o crime, a impunidade e suas causas. No dia 27 de março de 2023, a professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos, que trabalhava na Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo – SP, morreu após ser atacada a facadas.

No dia 25 de novembro de 2022, três professoras e uma aluna foram assassinadas após um ataque a tiros na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti e no Centro Educacional Praia de Coqueiral, localizadas em Aracruz, no Espírito Santo.

Na avaliação de Contarato, a política criminal, respeitados os princípios da Constituição Federal de 1988 e os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, não pode ficar alheia a essa questão. “Nesse contexto e na qualidade de relator do Código Penal, peço apoio aos meus pares para aprovação desta audiência pública”, opina.

Na Assembleia, o pedido por leis mais rígidas foi a tônica dos pronunciamentos da sessão dessa quarta-feira (5). O deputado Capitão Assumção (PL), que no primeiro mandato chegou a exibir uma pistola da tribuna da Assembleia e oferecer recompensa de R$ 10 mil para quem matasse um homem acusado de assassinato, em Cariacica, também cobrou ação do Congresso Federal.

“Agora eu espero que os nossos senadores e deputados federais, os únicos que podem mexer na legislação, façam com que o crime não impere no Brasil. Até quando nós estaremos subindo à tribuna para lamentar a morte de filhos nossos?”, questionou.

O deputado Lucas Polese (PL) citou uma proposta que tramita na Assembleia, “que estipula a obrigatoriedade de segurança armada nas escolas. Porque era um cara armado na escola e teria evitado isso, teria evitado um caso desse. Um cidadão foi com uma machadinha. Era um profissional armado pra dar um tiro nele e evitar essa tragédia, a morte de quatro crianças”, opinou.

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