quinta-feira 24 de outubro de 2024

8 a cada 10 projetos contrários ao aborto são pautados por deputados homens

Descriminalização do aborto voluntário até a 12ª semana de gestação deve ser votada no STF
Reprodução

Por Karina Dantas, da Agência Tatu

Os direitos reprodutivos das mulheres ainda geram muitas discussões na sociedade, sobretudo quando o assunto se refere à interrupção da gravidez. Na Câmara dos Deputados isso não é diferente. Dos 252 Projetos de Lei (PLs) que foram encontrados e analisados com a palavra-chave “aborto”, 92 são de teor contrário ao aborto e 80,43% destes são apresentados por deputados homens.

O número reflete também a estrutura da Câmara dos Deputados, já que ela é composta por 423 (82,45%) homens e 90 (17,54%) mulheres, um padrão que se mostra frequente ao longo de outras legislaturas passadas.

Segundo a advogada especialista em direito para mulheres e mestra pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Anne Caroline Fidelis, “existe um problema de sub-representação feminina no poder legislativo, o que também compromete a produção de leis atentas às reais necessidades das mulheres”.

“Ainda que existam homens aliados ao progresso feminino, é fato também que homens, historicamente, legislam sobre o corpo das mulheres e isso também tem um caráter simbólico associado ao controle dos corpos femininos” – Anne Caroline Fidelis, advogada especialista em direito para mulheres.

Quem legisla sobre aborto na Câmara dos Deputados

Projetos de lei analisados não incluem os que foram arquivados ou vetados totalmente

Fonte: Câmara dos Deputados

No Brasil, a realização do aborto não é criminalizada em três situações: se a gravidez é decorrente de estupro; se a gravidez representar risco de vida à mulher; ou se for caso de anencefalia fetal (não formação do cérebro do feto). Nesta última situação, o direito é garantido pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, que foi aprovada em abril de 2012 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

O levantamento realizado pela Agência Tatu também revelou que em 2023, 27 Projetos de Lei foram apresentados que mencionam a palavra “aborto” e dentre estes, 15 são de teor contrário ao tema e quatro são favoráveis à gestante em casos de interrupção da gravidez. Outros cinco são de teor neutro ou não identificado e três são de assuntos não relacionados. Entenda a metodologia da Agência Tatu ao final da reportagem.

Apesar de 2019 ser o ano em que mais foram encontrados Projetos de Lei que mencionam a palavra-chave (32), 2023 está sendo o ano que possui mais proposições de teor contrário, somente até o início de setembro deste ano. A deputada Chris Tonietto (PL-RJ) e o deputado Capitão Augusto (PL-SP) são os principais autores de projetos contrários ao aborto.

Projetos de Lei sobre aborto apresentados por período de legislatura

Fonte: Câmara dos Deputados

Por outro lado, o ano que mais contou com projetos de leis de teor favorável à gestante em casos de aborto foi 2020, com seis proposições encontradas. Em seguida, o ano de 2021 aparece com quatro PLs com esse teor. A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) é a que mais propôs legislações favoráveis às gestantes em casos de aborto (3), sendo também uma das principais defensoras da ADPF 442, que pode descriminalizar o aborto voluntário no Brasil.

ADPF 442 e a descriminalização do aborto

No caso da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, protocolada em 2017 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em conjunto com o Instituto de Bioética – Anis, a ação pede que os artigos do Código Penal que tratam o aborto como crime sejam considerados inconstitucionais, buscando, em linhas gerais, a descriminalização do aborto voluntário até a 12ª semana de gestação (terceiro mês). Quem decide a aprovação ou não de uma ADPF é o Supremo Tribunal Federal.

Anne Caroline Fidelis

“Tal argumento se associa a questões biológicas como a própria formação neural do feto que só ocorre após o período indicado, como também ao fato de que o Brasil é um Estado laico que não pode se orientar por questões religiosas, mas sim sobre o que de fato é incontroverso: que o aborto também é uma questão de saúde pública e que as vidas das mulheres, sobretudo as mais vulneráveis, precisam ser consideradas”, explica a advogada Anne Caroline Fidelis.

Ainda segundo a especialista e presidente da Associação das Mulheres Advogadas de Alagoas (Amada), a ação é importante para o direito das mulheres, pois trata de questões fundamentais associadas aos direitos reprodutivos das mesmas.

“(…) A questão da criminalização do aborto tem sido tratada como uma pauta moral e de controle dos corpos das mulheres, e não como uma questão de saúde pública, tal como ocorre em outros países onde, diga-se de passagem, conseguiram até diminuir a quantidade de abortos e reduziram a quase zero a mortalidade de mulheres neste contexto”, relata Fidelis.

A ADPF 442 foi liberada para julgamento pela presidente do STF, ministra Rosa Weber, que é relatora da matéria. A previsão é que seja pautada para votação nos próximos dias, pois a ministra deve proferir seu voto antes de sua aposentadoria, prevista para o dia 2 de outubro.

Metodologia

A Agência Tatu extraiu todos os Projetos de Lei da Câmara dos Deputados que foram encontrados ao pesquisar a palavra-chave “aborto”. Ao todo, foram encontrados 379 projetos, mas foram analisadas 252 proposições, excluindo-se apenas aquelas cujo status consta como “arquivado” e “vetado totalmente”.

Os projetos analisados incluem textos que estão em tramitação na Casa e os que não estão tramitando. Para realizar a análise, foram criadas quatro categorias: teor contrário ao aborto; favorável à gestante em casos de aborto; teor neutro ou não identificado; e assunto não relacionado. Entenda as categorias abaixo.

Teor contrário ao aborto: inclui projetos que buscam dificultar o acesso ao direito legal ao aborto legal, aumentar penas relacionadas ao aborto, defender o nascituro integralmente, criminalizar a interrupção voluntária da gravidez, instituir políticas antiaborto, entre outros relacionados.

Favorável à gestante em casos de aborto: Nesta categoria foram incluídos projetos que buscam dar assistência à gestante em casos de abortamento; diminuir penas em relação ao aborto; proteger gestantes que buscam o direito legal ao aborto; descriminalizar a interrupção voluntária da gravidez; assegurar direitos à gestante em casos de aborto previsto em lei; entre outros relacionados.

Teor neutro ou não identificado: Nesta categoria estão incluídos os PLs cujos temas são relacionados a direitos reprodutivos, mas que não necessariamente envolvem o apoio ou desapoio ao aborto, mesmo em casos previstos em lei.

Assunto não relacionado: São as proposições que foram encontradas com a palavra-chave “aborto” no texto ou justificativa, mas que não dizem respeito ao assunto ou questões reprodutivas.

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