terça-feira 3 de dezembro de 2024

Previsões do Mercado

A complexidade da previsão econômica não se limita a erros isolados ou a falta de dados, mas resulta de simplificações e omissões que permeiam a abordagem predominante na economia

28 de setembro de 2023 2:41 por Reynaldo Rubem Ferreira Jr

Reprodução/Deposit Photos

A recente surpresa decorrente das previsões incorretas do mercado para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos primeiros dois trimestres deste ano suscita questões fundamentais sobre a eficácia dos modelos de previsão econômica. Contrariando a noção geral de que tais equívocos são excepcionais, uma análise minuciosa dos dados do Banco Central do Brasil revela que a imprecisão é, na realidade, uma constante e não uma exceção. Este artigo examinará essa tendência persistente de erro sistemático nas previsões do mercado, particularmente em relação ao PIB, ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e à Taxa Selic, e explorará as implicações dessas constatações para a política econômica e a tomada de decisões.

Com base na pesquisa realizada pelo Banco Central do Brasil (FOCUS) para estimar a mediana das expectativas do mercado financeiro em relação ao comportamento futuro de variáveis como o PIB, o IPCA e a Taxa Selic, dentre outras, foram gerados os gráficos a seguir. Esses gráficos confrontam as estimativas para um e dois anos à frente com os dados observados no período de 2010 a 2021, permitindo uma análise da precisão dessas previsões.

Na análise dos gráficos, a presença de erros médios pronunciados e vieses sistemáticos nas previsões de PIB, IPCA e SELIC pode sugerir uma correlação fraca entre essas variáveis no período em análise. Embora esses erros não forneçam uma medida direta da correlação, a incapacidade do mercado de prever essas variáveis com precisão pode ser um indício de que as relações entre elas são complexas e potencialmente não lineares. Esta complexidade pode ser interpretada como um sinal de correlações fracas ou instáveis, o que, por sua vez, contribui para a imprecisão generalizada nas previsões de mercado.

A limitada capacidade do mercado de prever o comportamento de variáveis tão cruciais pode ter implicações sérias, uma vez que os agentes econômicos frequentemente tomam decisões baseadas em convenções produzidas pelas expectativas do mercado. Quando essas expectativas são sistematicamente erradas e enviesadas, o risco de decisões equivocadas aumenta significativamente. Isso é especialmente problemático para a formulação de políticas macroenômicas, que usam dessas mesmas previsões para a tomada de decisões que afetam a economia como um todo.

Desse modo, os dados analisados revelam que os erros nas previsões de mercado para as variáveis são sistemáticos, indicando que a precisão é, em geral, baixa.

Pode-se conjecturar acerca das razões subjacentes à limitada capacidade de previsão dos mercados que não pode ser diretamente atribuída à gestão da política macroeconômica. Isso se deve ao fato de que o período analisado engloba tanto a denominada “Nova Matriz Macroeconômica” (2011 a 2014), caracterizada por uma “abordagem heterodoxa”, quanto a subsequente “Ponte para o Futuro” (2015 a 2022), fundamentada em princípios neoliberais.

Os modelos econômicos utilizados pelo mercado e pelos Bancos Centrais, apesar de sua sofisticação matemática, simplificam excessivamente a realidade. Minimizam o papel das instabilidades financeiras ao ignorar problemas como assimetria de informação e eventos inesperados. Além disso, supõem uma racionalidade nos agentes econômicos que não leva em consideração a influência de uma variedade de fatores, que vão desde a psicologia humana até mudanças geopolíticas globais. Exageram no papel que as expectativas desempenham na determinação da taxa de inflação. Também se baseiam em estimativas de variáveis não observáveis empiricamente, como taxas naturais de desemprego, juros e crescimento potencial da economia, como referências a longo prazo, aumentando os riscos de subestimação ou superestimação das estimativas e, consequentemente, levando a problemas de ajuste e coordenação das políticas macroeconômicas.

O escopo limitado à perpectiva dos analistas do mercado financeiro  também é um problema. Em geral, as previsões são dominadas por um pequeno número de instituições financeiras. Essa falta de diversidade exclui vozes de outros setores, como acadêmicos, empresas e trabalhadores, que poderiam oferecer perspectivas mais balanceadas.

O investimento é outro tema que os modelos simplificam e na maioria das vezes não é explicitado diretamente. Contrariando a suposição convencional de que políticas de curto prazo não têm impactos de longo prazo, as decisões de investimento podem afetar tanto a demanda a curto prazo quanto a oferta a longo prazo. Políticas que restringem o investimento, como austeridade fiscal ou altas taxas de juros, possuem efeitos em cascata. Elas limitam a capacidade de oferta, tornando a economia mais suscetível a inflações induzidas até por pequenos estímulos na demanda, gerando o que já denominamos em artigo anterior neste Blog de “armadilha monetária”.

A ideia equivocada de que a produtividade da economia não é afetada a longo prazo por flutuações macroeconômicas de curto prazo. Para alavancar a produtividade, especialmente no setor industrial, é crucial direcionar investimentos tanto do setor público quanto do privado. Esses aportes desempenham um papel fundamental na resolução dos problemas infraestruturais, abrangendo aspectos físicos, sociais, tecnológicos e a adoção de melhores práticas empresariais, fortalecendo assim a capacidade de competitividade sistêmica do país. Ocorre que nas últimas quatro décadas os investimentos têm sido duramente penalizados por falta da compreensão da importância da complementaridade entre os investimentos públicos e privados. Para se ter uma ideia, o primeiro (incluindo empresas estatais) passou de 6,6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1980 para 2,53% do PIB em 2022. No mesmo período, a parcela da Formação Bruta de Capital Fixo em relação ao PIB diminuiu de 23,53% para 18,8%.

Assim, o desacoplamento entre as políticas macroeconômicas de curto prazo e seus efeitos de longo prazo representa não apenas uma avaliação equivocada, mas também uma falha estrutural que amplifica a incerteza no cenário de previsão econômica. Esses equívocos sistemáticos têm ramificações abrangentes, impactando a formulação de políticas econômicas, bem como as decisões de investimento e planejamento corporativo. A identificação desse padrão ressalta a necessidade de estratégias robustas que reconheçam essa imprecisão intrínseca, visando aprimorar os modelos econômicos e a eficácia das decisões baseadas em tais projeções.

Em síntese, a complexidade da previsão econômica não se limita a erros isolados ou a falta de dados, mas resulta de simplificações e omissões que permeiam a abordagem predominante na economia. Essas simplificações afetam desde os alicerces teóricos até a consulta limitada de instituições, culminando em uma compreensão superficial dos desdobramentos de decisões como investimentos. Portanto, ao considerarmos projeções econômicas, é prudente mantermos um certo grau de ceticismo, uma vez que a economia é uma rede intricada e interconectada de variáveis e qualquer tentativa de simplificá-la para fins de previsão enfrentará desafios consideráveis.

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1 Comentário

  • Bom dia Grande Mestre!

    Excelente reflexão.

    Algumas duvidas:

    1. Sobre o trecho que trata da maior participação no pool de agentes que contribuem para a formação das previsões (trabalhadores, acadêmicos, etc).
    Eles não teriam acesso aos mesmos dados e informações que se dispõe quem hoje por quem faz as estimativas ?

    2) como o senhor claramente explica, a economia é uma ciência complexa e mesclada por muitos detalhes. O que se tem hoje como processo para a formulação das políticas econômicas é o ferramental conhecido (dados históricos e as técnicas de organização e projeção estatistica). O que mais poderia ser agregado ?

    Grande abraço,

    Guimario

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