Por André Cintra, do portal Vermelho
Por alguma razão desconhecida, o longa-metragem O Último Dia de Yitzhak Rabin, do diretor israelense Amos Gitaï, estreia apenas na última quinta-feira (2) no Brasil, apesar de ter sido lançado em 2015. É inevitável pensar que o conflito em Gaza iniciado em 7 de outubro – e marcado pelo genocídio incessante do povo palestino – pode ter sido o estopim para atrair o filme, com oito anos de atraso, ao circuito brasileiro.
Gitaï é figura carimbada entre cinéfilos do País. Filmes escritos e dirigidos pelo cineasta marcaram presença em diversas edições das mostras internacionais de cinema do Rio de Janeiro e de São Paulo. É o caso de Kadosh – Laços Sagrados (1999) e Kedma (2022).
A primeira produção denuncia a opressão imposta às mulheres israelenses, em especial às mulheres que não podem ou não querem ter filhos. O segundo filme, ambientado em 1948, nos dias que antecederam a criação do Estado de Israel, mostra a longevidade das tensões entre árabes e israelenses.
Abertamente favorável um Estado Palestino, Gitaï acredita que poucos governantes de Israel chegaram mais perto de contribuir para essa proposta do que o ex-primeiro-ministro Yitzhak Rabin. O diretor era um entusiasta dos chamados Acordos de Paz de Oslo, assinados em 1993.
A Declaração de Princípios previa a paz entre dois povos que lutaram historicamente pelo direito a um Estado. Conforme o acordo, no curso do fim dos conflitos, os territórios ocupados seriam rediscutidos – e Israel, de cara, já se comprometia em se retirar do sul do Líbano.
A foto de Rabin cumprimentando o presidente da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, na presença do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, ganhou o mundo. Rabin, Arafat e o líder israelense Shimon Peres receberiam, em 1994, o Prêmio Nobel da Paz.
O fato é que, para erguer Israel, os judeus tiveram a simpatia da comunidade internacional, abalada pelos impactos do Holocausto. Já os palestinos, além de não receberem apoio similar, enfrentaram a hostilidade de praticamente todos os governos israelenses.
O Acordo de Oslo não vingou, e Rabin ainda foi morto, em 1995, pelo estudante extremista Yigal Amir, que discordava das tratativas com os palestinos. “Se Rabin não tivesse sido assassinado, tenho certeza de que estaríamos em uma situação diferente”, declarou Gitaï à jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S.Paulo. “Não sei se ele teria conseguido chegar à paz, porque também dependia dos palestinos. Mas certamente estaríamos em um lugar melhor hoje.”
Pode-se questionar se Rabin efetivamente teria êxito – especulações históricas, lembremos, não mudam os fatos. Em contrapartida, é difícil não concordar com o fato de que o terceiro mandato de Benjamin “Bibi” Netanyahu como primeiro-ministro é trágico não apenas para os palestinos – mas até para os judeus.
Principal ícone do cinema israelense, Amos Gitaï não vislumbra possibilidade nenhuma de um novo acordo de paz sob a gestão de Netanyahu. “Este governo precisa acabar, eles têm que ir embora. É um governo que luta contra o seu próprio país e o enfraquece”, avalia o cineasta.
A seu ver, “Netanyahu causou muito mal a Israel ao incitar judeus contra árabes, judeus seculares moderados contra judeus religiosos, ao fragmentar para continuar a governar. Seu único propósito ao criar fricções na sociedade é manter o senhor Netanyahu no poder”. Trata-se, segundo Gitaï, de “um governo de pessoas messiânicas corruptas e ultranacionalistas, que estão perdendo a consciência de que Israel está numa zona de perigo.”
No momento em que O Último Dia de Yitzhak Rabin chega aos cinemas de arte do Brasil, o conflito atual na Faixa de Gaza passa de 10 mil mortos, sendo quase 8.800 palestinos, dos quais 3.648 eram crianças. A paz está distante.
“Anos se passaram e eu estava interessado em dissecar os motivos que levaram à morte de Rabin”, explica Gitaï. “As perspectivas de paz desapareceram com o acontecimento nos anos 1990, mas os homens que tornaram possível a morte do primeiro-ministro ainda estão por aí. Na verdade, alguns deles estão agora no poder.”