20 de janeiro de 2024 8:13 por Mácleim Carneiro
Resenhar o trabalho instrumental de três dos mais hábeis músicos aquarianos, significa que a Depois do Play começa o ano com o pé direito. Refiro-me ao EP ‘Música Ginga Brasileira’, da banda alagoana Nigros, que, embora tenha sido gravado entre os anos de 2022 e 2023, só em fevereiro será lançado pelo selo Poliphonia. Porém, eles já deram uma palinha do que vem por aí, quando subiram para as plataformas do streaming musical o single da faixa ‘Isca de Malícia’, em novembro do ano passado, durante as comemorações do mês da Consciência Negra.
Do latim nigru, como elemento de formação que exprime a palavra negro, o trio formado por Dinho Zampier (teclado e sintetizador), Ykson Nascimento (baixo) e Rudson França (bateria), foi buscar o nexo e a identidade pertinentes ao nome da banda, repleto de simbolismos e significados, que traduzem muito bem a música feita e proposta por eles nesse trabalho. Curiosamente, Nigro também é o nome de uma marca de panelas que, metaforicamente, teria todo sentido e utilidade, diante da mistura de sabores proposta pelo trio, que perpassa a musicalidade do berço africano, com seus batuques orgânicos e ancestrais, até chegar aos gêneros mais elaborados, como referências da música negra do Brasil e de alhures.
Power Trio
Em nossa latitude aquariana, são poucas, raras e boas as incursões e ousadias pelo universo da música instrumental. Entretanto, o resultado dos álbuns instrumentais, lançados no aquário, é altamente satisfatório. Mesmo que os rastros sejam curtos, conseguem ser marcantes o suficiente para iluminar os caminhos dos que se propõem a segui-los por esse gênero tão singular! Certamente, Dinho Zampier, que além de assinar os teclados e programações, assina a produção muitíssimo bem resolvida desse trabalho, sabe dos caminhos e atalhos e de como um power trio (formato de banda de rock popularizado na década de 1960) pode soar poderoso por si só ou em camadas.
Portanto, ele soube como ninguém escolher, para estreia fonográfica da Nigros, convidados que agregaram imenso valor à sonoridade da banda. Especialmente, pelo calor swingado de um naipe de metais, formado por Natan Oliveira (trompete e pífano), Ely do Sax (sax tenor), Jota Edson (trombone) e Siqueira Lima (trompete). Além disso, a já famosa e frutífera parceria entre Dinho Zampier e Cris Braun foi ratificada na faixa ‘Cafuné’ (D. Zampier), onde Cris faz os vocalizes e, quando o samba se faz mais samba, ela é exclamativa e manda o alerta: “segura o cafuné”!
Polirritmia
Sou daqueles que entendem: tudo o que nasce a partir de um conceito já tem meio caminho andado. Portanto, o EP ‘Música Ginga Brasileira’, seguramente, nasceu a partir de um belíssimo e intenso conceito: música negra alagoana/brasileira, feita por músicos negros caetés. Começando pelo conceito do que seja um EP, apenas seis faixas são ofertadas para o nosso deleite. ‘Banzo’ (D. Zampier) abre os trabalhos e faz jus ao significado da palavra, que lhe dá título. Ela tem uma tristeza melancólica em sua argumentação melódica e rítmica, arrematada pelo trompete de Natan Oliveira, inspiradíssimo no que já nos revelara Miles Davis. Na sequência, ‘Da Janela Pro Quintal’ (Ykson Nascimento e D. Zampier), o groove do contrabaixo de Ykson Nascimento é quem guia o trio pelos caminhos que, mais uma vez, são iluminados pelos improvisos do teclado de Zampier e do trompete, com surdina, de Natan Oliveira.
Em ‘Isca de Malícia’ (D. Zampier), aparece pela primeira vez o naipe de metais, alternando cama e melodia, dando o clima e a sensação de que a Black Rio passou por aqui e a Pantera Cor de Rosa (pelo fraseado sintetizado do teclado) seguiu sambando e funkeando até o fim do tema. Como que para anunciar que já estamos próximos ao replay da audição, ‘Afrobykson’ (Ykson Nascimento), além da nomenclatura autoral do baixista, brinca com a divisão e provoca uma interessante polirritmia, que arruma a casa para a curta e sincopada melodia do pífano de Natan Oliveira. Nossa oitiva chega ao fim, com a sexta e última faixa ‘Muvuca à Olivetti’ (D. Zampier). Por certo, uma bela e dengosa homenagem ao grande e saudoso maestro, arranjador, tecladista e produtor musical Lincoln Olivetti, onde o pífano dialoga com os metais e com as sonoridades propostas pelos teclados de Zampier.
Eu até poderia encerrar essa resenha de supetão, sem fade out, como terminam a maioria das faixas do EP ‘Música Ginga Brasileira’. Porém, antes, é preciso dizer que não tenho dúvidas de que esse trabalho marca a estreia e o porvir de uma jornada exitosa de três músicos talentosos, que se uniram em Nigros, para nos brindar com esse belo trabalho e ratificar que as ideias estão soltas pelo ar!
SERVIÇO
Música Ginga Brasileira, Nigros
Link para o single Isca de Malícia:
https://open.spotify.com/album/2bUwQmbdylccAIKx3qwtSq
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!