sábado 23 de novembro de 2024

A casa de número 108

A estrada de barro trazia e levava viajantes a cavalo que ao passarem pela vistosa casa grande, se sentiam atraídos a dar uma paradinha estratégica no seu sombreado

21 de janeiro de 2024 11:53 por Da Redação

Década de 1940. Foto: Arquivo da Família

(*) Stanley de Carvalho é engenheiro civil e compositor.

Era o ano de 1886, dois anos antes da Lei Áurea, quando aquele casarão todo avarandado, com paredes amarelo-gema e portas e janelas carmins, fora concluído no Sitio chamado Jurubeba, se destacando à beira da estrada que ia e vinha do Norte, arrodeado de modestos casebres de pescadores, boleiros e sitiantes.

 

Presente oferecido à sobrinha Lourença Maria de Omena, então com 4 anos de idade, por uma tia solteirona, dona de grandes posses e de onze engenhos na Ypioca, o casarão incialmente abriu suas portas para servir de residência para a menina Lourença, seus irmãos Francisco, Maria e Arcidio e, naturalmente, seus pais Jose Antonio Monteiro de Carvalho / Maria Clara da Luz.

 

José Emígdio no começo do século XX. Foto: Arquivo da família
Lourença Maria de Omena no começo do século XX. Foto: Arquivo da família

A estrada de barro trazia e levava viajantes a cavalo que ao passarem pela vistosa casa grande, se sentiam atraídos a dar uma paradinha estratégica no seu sombreado , amarrando suas montarias nas argolas de ferro afixadas na lateral do casarão onde, uma vez familiarizados, provavelmente seria servida uma aguazinha fria de pote e quem sabe uma fatia de bolo de macaxeira ou grude, feitos em forno de barro próprio, além, é claro, de uma breve prosa nos terraços espaçosos e frescos acessados pelos largos degraus que rodeavam a casa. A ordem era relaxar um pouco, enquanto os cavalos eram levados para matar a sede e serem molhados no riacho de nome Doce que ficava a menos de 100 metros dali. Na volta, nada impedia que fossem apanhadas mangas, cajus, goiabas e araçás que ornamentavam o caminho. Não passavam mais que vinte ou trinta minutos e a caravana seguia na direção do centro da Capital onde os viajantes iriam resolver seus negócios, vender ou comprar mantimentos.

A casa cheia de portas largas e de janelões que viviam abertos e assim permitiam que a brisa preguiçosa da praia, a 100 metros distante, refrescasse a ampla sala da frente que, como toda a casa, tinha o piso confeccionado com tijolos batidos ali mesmo fabricados. Para aqueles íntimos que se adentrassem se seguiriam três quartos espaçosos e uma sala de jantar, uma despensa e cozinha, na qual havia um fogão de barro à lenha e uma pia abastecida por água potável guardada num pote e trazida de carroça desde a jusante do riacho Doce. O banheiro ficava em anexo, do lado de fora, e as quatro águas da coberta alta, confeccionada com madeira e telhas pesadas de barro produzidas no próprio Sítio, formavam sua silhueta no estilo português colonial, juntamente com os janelões e portas duplas e largas.

Alcindo, filho de José Emídio e Lourença na década de 1940 Foto: Arquivo da família
Maria José, filha de José Emídio e Lourença, final da década de 1930. Foto: Arquivo da família

 

Com o passar dos tempos, a já moça feita Lourença contraiu núpcias com José Emigdio Monteiro de Carvalho, com quem teve dois filhos, Alcindo e Maria José. Nesse endereço, Lourença criou os filhos, enviuvou cedo e nos idos de 1927 se mudou para a Rua do Araçá, na Pajussara, para facilitar que os filhos estudassem e trabalhassem. Enquanto estiveram morando fora, a casa foi cedida ao cunhado Bertoldo, casado com a professora Otta que ali botou uma Escola. A volta de Lourença e filhos para Riacho Doce só se daria por volta dos anos 40 de onde só sairia em 1969, para o Cemitério de Santa Luzia, localizado em área doada pela família, nos fundos do próprio Sitio Jurubeba.

Após a morte da matriaca a casa que atualmente tem o endereço de Praça José Emídio de Carvalho, número 108, passou alguns anos fechada, até ser cedida a Edson de Carvalho, conhecido como o pioneiro do petróleo brasileiro. Alguns anos depois do falecimento de Edson, a casa passou a ser ocupada por uma neta de Lourença, com família, e depois por um outro neto, com respectiva família. Posteriormente quem veio morar na velha casa foi a filha de Lourença, Dona Maria Jose, viúva do médico Sadi de Carvalho, este irmão de Edson. Esta seria a ultima inquilina no endereço, pois após seu falecimento em 2000, o casarão vem sendo ocupado apenas em incertos fins de semana, por alguns dos herdeiros.

Hoje, o casarão de numero 108 da Praça José Emidio de Carvalho, no alto dos seus 138 anos (mais antigo do que os sobrados de Jaraguá) só está de pé mediante esforços dos próprios herdeiros que tem assumido esse compromisso, como se oficialmente fossem os responsáveis pela preservação da História e Cultura de Maceió.

 

Década de 1980. Foto: Arquivo da família
Janeiro de 2024. Foto: Arquivo da família

 

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4 Comentários

  • Maravilhoso texto e registro da memória. Parabéns Stanley. ????????????

  • Que texto saudoso e é necessário, sim conservar a memória. Parabéns, Tanlinho.

  • Resgate histórico valoroso, nosso Riacho Doce tem variados aspectos que merecem um registro bibliográfico.

  • Em atenção aos reclamos de membros da Família Omena(meus parentes legitimos), verbalizados pelo primo Zau Omena, venho esclarecer que o pai de Lourença Omena de Carvalho se chamava JOSÉ ANTONIO DE OMENA e não José Antonio Monteiro de Carvalho. Peço reiteradas desculpas às pessoas que se sentiram preteridas, ao tempo em que esclareço que quis apenas ressaltar o valor historico do imovel e não aprese.ntar uma pesquisa cientifica e documental da referida casa. Isso cabe a historiadores e não a mim.

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