sábado 27 de abril de 2024

Bar do Doquinha: o lar enluarado da boemia

Mesmo com  tanta rusticidade, o Bar jangada virou point  da juventude maceioense. A turma de universitários de Medicina se tornou freguesa. Jogadores do CRB e CSA vinham se divertir ali

15 de fevereiro de 2024 7:30 por Da Redação

Reprodução

Por Stanley de Carvalho*

Há 60 anos, quando os portões de Brasília começaram a se fechar para a Democracia, os direitos individuais e a garantia de livre manifestação de parlamentares e cidadãos, em Riacho Doce, então um Povoado a 15 quilômetros do Centro da Capital, se abriam as portas para a boêmia maceioense. Nascia um bar, a 100 metros do mar, locado entre coqueiros e casebres de pescadores e beijuzeiras. Era o Bar Jangada e o ano era o de 1964, paradoxalmente um ano triste para o pais, mas alvissareiro para Riacho Doce.

A ideia do Bar surgiu do morador Alcindo Monteiro de Carvalho, um proprietário de sítios e funcionário do INPS, não como uma inciativa empresarial, mas com o intuito de atrair amigos, colegas e outras pessoas interessantes, como boêmios, jornalistas, estudantes, enfim um público com conversas diferentes das que comumente se ouviam no lugarejo, então isolado em seus costumes quase rurais.

O inicio

Para a concretização de plano, Alcindo convidou o amigo Gastão Ramalho que além de sócio, ficaria mais diretamente voltado para a administração do estabelecimento. Mais tarde, o conhecido ex-jogador do CSA, Doquinha e que então vendia cigarros no Zinga Bar, a cerca de 300 metros do Jangada, foi convocado e aceitou se responsabilizar pela operacionalização do Estabelecimento, incrementando-o e multiplicando sua clientela. A competência de sua primeira cozinheira, a conhecidíssima jovem Jaci, bamba na arte de preparar os mais deliciosos almoços e tira-gosto típicos, se somou para alavancar o crescimento do Bar que, se no inicio abria timidamente, logo teria que aumentar o numero de acomodações, em virtude do movimento das Sextas Feiras até à noitinha dos Domingos.

O Bar

Não demorou muito a se espalhar na Cidade a fama do aconchegante e rústico Bar Jangada, em Riacho Doce, montado com simplicidade, pela cabeça dos seus dois proprietários. A estrutura tinha uns 135m², sendo que desses 25m² eram referentes ao bar propriamente dito e 110m² em áreas de atendimento, com piso forrado com areia da praia. O coqueiral, abundante na Região, cederia matéria prima para toda a construção. Suas palhas, montadas sobre estrutura de colunas também feitas de troncos de coqueiros, constituíam a coberta. As mesas igualmente produzidas com troncos de coqueiro, apoiavam lastros confeccionados com tábuas do mesmo material. Os bancos eram com os mesmo troncos, forrados com espuma de nylon, coberta com napa fixada com pregos. Tudo simples. Por trás do Bar, o banheiro, afastado uns 5 metros, já que não havia rede hidráulica local. A iluminação do estabelecimento, por falta de energia elétrica depois das 22 horas, era feita com luminárias a gás, chamadas aladim.

Essa era a cara do bar top dos anos 70/80: a simplicidade, agora já famoso como Bar do Doquinha ou, simplesmente, Doquinha. A elite sempre gostou de vez em quando de dar uma de proletária, quem sabe para se redimir de suas culpas, e se submeter pisar na areia com seus sapatos de verniz, tomar cerveja em simples copos americanos, quebrar patas de caranguejo com rudes paus de cabos de vassouras e a urinar em banheiro único, sem espelho nem água corrente.

A efervescência

Mesmo com tanta rusticidade, o Bar jangada virou point da juventude maceioense. A turma de universitários de Medicina se tornou freguesa. Jogadores do CRB e CSA vinham se divertir ali. Jorge Villar, Marcus Vinicius, com seu violão e voz, Zailton, Tânio Marçal, Geraldo Carlota e cavaquinho, Hilário, artistas vários e cantores de toda Maceió, se alternavam nas noites de sexta-feira, em shows espetaculares e gratuitos, num Bar Jangada cheio. Lembro que personalidades da música, teatro, poetas, conferencistas que visitavam Maceió eram sempre levados, após seus compromissos, para o Bar das Ostras e/ou para saborear um caldinho, umas patinhas de uçá, com uma caninha e uma gelada, no Bar do Doquinha. Lembro que no brindamos uma noitada com João do Vale e Miúcha que haviam vindo participar da campanha de José Costa, para governador de Alagoas, em 1982.

Os fins de semana de Riacho Doce se tornaram tão atraentes que famílias e grupos de amigos que chegassem entre 10 e 12 horas da noite tinham que esperar na Praça defronte até que alguma mesa se desocupasse. E era por ordem de chegada.

Na época do Movimento Pela Anistia aos presos e exilados políticos músicas como Caminhando, de Vandré, Tou Voltando (Paulo César Pinheiro/Mauricio Tapajós), Apesar de Você, de Chico Buarque, Cálice de Chico e Gil, e mais outras canções engajadas de Chico Buarque, Ivan Lins, Mercedes Sosa, Gonzaguinha, se repetiam entre as mesas. A voz potente do acadêmico Jorge Mendes ecoava no recinto. Curioso é que muitos daquelas pessoas que entoavam naquela época no Bar do Doquinha essas canções de protesto semiclandestinamente, digamos, viriam a aderir à candidaturas ultradireitistas, nas últimas eleições de 2022.

O declínio

Finais de 70. A urbanização da orla de Pajussara, Ponta Verde e Jatiúca, aliada a descoberta pela boêmia da quietude e lirismo da orla lagunar de Massagueira, começou a levar prá bandas de lá a efervescência que pertencia o Bar Jangada. O Bar do Doquinha virou Bar do Zezé, com pouca patinha de uçá, porém com ênfase no churrasco, até seu fechamento, por volta de 1994.

Hoje vejo que a época tinha que ser aquela, mesmo. Atualmente, com a devastação causada pelo axé, sertanejo, pagode, sofrença e outras coisas mais, seria impossível reunir num bar tanto talento, tantos musicistas e gente importante para a Arte e a Cultura da Cidade.

 

 

*É engenheiro civil e compositor

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3 Comentários

  • Belo texto,narrando a história de um espaço cultural emblemático de Maceió. Parabéns.

  • Caro Editor
    Fui informado por algumas pessoas que o texto que escrevi sobre “A casa de número 186” foi reproduzido em espaço midiático particular sem indicação dos devidos créditos e, ademais, com acréscimo de parágrafos estranhos ao original. Diante disso, uma vez que não estudei Jornalismo e suas normas, venho pedir instruções sobre o que posso e devo fazer para retornar os devidos direitos a quem os tenha.
    Agradecido,
    Stanley de Carvalho

  • Ja o fiz acima.Sumiram? Foi um tempo onde a inteligência jovem e sonhadora lutavam pela liberdade de nosso Brasil.A ignorancia e ganância sufocam nossa Pátria Amada.

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