sábado 23 de novembro de 2024

Basílio Seh conversa com o 082 Notícias sobre seus 20 anos de carreira

Para Basílio, a educação musical favorece os estudantes, especialmente os das escolas públicas, afirma que a arte de um modo geral transforma para melhor
Foto: Maria Tereza Pereira

Por Maria Tereza Pereira, para o 082 Notícias

O 082 Notícias conversou com Basílio Seh, músico, compositor, instrumentista, cantor, intérprete, professor de história e educador musical, que completa, este ano, 20 anos de carreira fonográfica. Sua trajetória tem reconhecimento nos anos de 1980. São décadas acompanhadas pelo público alagoano por sua singular aptidão musical. Seu nome de batismo é Wilson José de Oliveira dos Santos, mas, tornou-se Basílio em homenagem ao pai, José Basílio, e o Seh do arranjo artístico derivado de José (Zé ou Seh).

Basílio Seh é natural de Tacaratu, município do semiárido pernambucano, composto 100% pelo bioma caatinga. Mas teve a influência musical familiar em terra alagoana e o “Chico Santo”, que banha a cidade materna de Traipu. Tudo isso acompanha e segue sua marca uma sonoridade própria. O mais novo trabalho é “Janela Singular”, álbum triplo com repertório misto, instrumental e vocal.

2024 é o ano do vigésimo aniversário de carreira fonográfica de Basílio Seh. E nos lembra alguns projetos que acompanham o “BASILIO SEH 20 ANOS”, entusiasmado com um livro autobiográfico/biográfico (suplente no Edital Nádia Fernandes – Paulo Gustavo – SECULT); produção e gravação de um show comemorativo, com convidados (em apreciação no Edital Multilinguagens – Paulo Gustavo – SEMCE, Maceió); Cantiga de Rodas nas Escolas – Concertos didáticos em 10 escolas municipais de Maceió de Maceió, projeto em parceria com a SEMED (suplente no Edital Mestre Uruba – Lei Paulo Gustavo – SECULT-AL); Pesquisa para recolhimento de cantigas Tradicionais da farinhada – OLHO D’ÁGUA SONORO – povoado Olho D’Água, em Traipu-AL, no vale do Rio São Francisco (projeto inscrito no Edital, mas sem aprovação).

Autor de importantes projetos, a exemplo de Concertos Didáticos que traz “Cantigas de Roda”, Basílio Seh, dedicou este em especial a crianças do ensino fundamental I, o qual teve pontuação máxima (100 pontos), atualmente na suplência e consta entre os projetos selecionados pelo Edital nº 26 – Prêmio Edvaldo Gomes da Silva, Mestre Uruba, da Lei Paulo Gustavo, em Alagoas. Seu projeto Biografia teve 80 pontos, está também na suplência de acordo com o Edital, da Lei Paulo Gustavo. Sua primorosa e vasta discografia tem como destaque a Coleção Janela Singular, nesta constam Isca de Urubu (Instrumental), Cantiga de Roda (Infanto-juvenil) e Cantoria na Casa de Zé (Musicalidade nordestina). Singularidades não faltam nesse incomum trabalho com uma exuberância filosófica, “as janelas são infinitas”.

“A cultura do vale do rio São Francisco – de onde venho, está intrínseca. Costumo dizer que minha performance musical é como o voo de um urubu. Nele estão as lavadeiras do Velho Chico, o aboio do vaqueiro, o canto dos pássaros, a feira livre, a onda do rio, enfim, toda uma vida cultural que foi se harmonizando ao longo do tempo”.  Em sua trajetória, Basílio Seh recebeu convites para participações, como em 2003, de Hermeto Pascoal, músico, compositor, arranjador e multi-instrumentista brasileiro, alagoano, natural de Lagoa da Canoa, reconhecido internacionalmente.

“Quem colocou a tampa na panela foi o mago Hermeto Pascoal. Este definiu música para mim. O som de Hermeto abriu completamente os horizontes, fez-me ver que música não tem fronteiras”, afirma Basílio.

Ainda sobre a metáfora do voo de um urubu, Basílio Seh explica, o voo é um instrumento que foi formando-se ao longo do tempo. Quando criança ele comenta, que brincava com amigos em um lugar chamado morro dos urubus, lá em Traipu. “Ao passo que fui enveredando pela música, toda observação sobre o animal mudou, de forma que passei a assemelhar seu voo com a melodia musical, uma espécie de semiologia sonora”. Lembra que cada vez mais isso foi alimentando a forma de pensar a construção na hora de compor.

Foto: Maria Tereza Pereira

O que é Isca de Urubu? Expressa Basílio: “É aquilo que atrai você”, então esse som pode atrair você.  “Urubu é o cara que tem o voo mais belo, pelo menos um dos voos mais belos do planeta”.

Basílio recorda, que certa vez chegando para ensaiar com os meninos dos Metais Alagoano, trabalho realizado no CEPA, Maceió, 2000 a 2004, percebendo a massa sonora soprada pelos alunos, surgiu a ideia de reger aquele volume de som. Então pediu aos estudantes que seguissem sua regência tocando a nota que viesse à cabeça de cada um. O resultado foi um enorme colorido harmônico, uma sinfonia sem igual. A iniciativa passou a ser apelidada de “aquecimento em voo livre”, o qual ficou sendo a abertura das apresentações. Com isso, selou a ideia de semelhança sonora com o voo do urubu, uma vez que voando em bando, a geometria, visivelmente traçada no céu pelos urubus, igualmente se observa um grupo de músicos executando uma peça musical. “Pura semiologia, e há muito mais daí por diante. No entanto, a lição que ficou foi cantar, tocar, compor e tudo mais, com uma técnica criativa, onde muitos nascem de posse dela, outros nem tanto”.

Ao longo de sua trajetória Basílio já participou de acontecimentos musicais importantes como os projetos MPB Petrobrás, Pixinguinha, os festivais Canta Nordeste, FEMUCIC, Maceió Verão, em 2014. Realizou projetos, a exemplo do Musicalizando, aprovado em 2004, pelo Programa Mais Cultura, MINC/MEC, em realizado na escola municipal Hermínio Cardoso, em Fernão Velho, Maceió; orquestra de sopro do Complexo de Ensino Público de Alagoas; outro gratificante trabalho com a Orquestra Nuno Pimentel, na cidade de Viçosa-Alagoas, seguida da escola de música José Aprígio Vilela, formados por estudantes da rede pública de ensino. Projetos realizados de 2005 a 2017.

Com relação as obras musicais de Basílio Seh destacam-se Lá Vai o Trem e o cão correndo atrás; Marieta e Eu; Oco do Mundo; Oração do Nada; Zuleide; A Batalha Final. Obras em parcerias: Boi-Coco (parceria com Wilson Miranda e Wagner Accioly); Uma Distância Brutal (parceria com Lutelo Lima); Vazio (parceria com Mácleim). Outros autores em parceria: Caminhos do Mar ao Sertão (Wilson Miranda/ Cláudio Pinto); Pontos Azuis (com Deyves).

Para Basílio, a educação musical favorece os estudantes, especialmente os das escolas públicas, afirma que a arte de um modo geral transforma para melhor.

Como educador musical reafirma, que a importância da música no ambiente escolar permite aos estudantes aliviarem as tensões, melhorando o entendimento das demais disciplinas. E não só a música, a arte como um todo costuma ser curativa. É importante que o estudante receba também estímulos positivos, incentivo em sua autoestima.

O som segundo Basílio Seh, trabalha diferentemente dos demais seguimentos artísticos, relembra mais uma vez que o corpo é formado de 70 % de água, isso faz a música visceral. Ao ser captado pelos tímpanos, o som viaja até o tálamo e, de lá é distribuído para toda região corporal através da água. Há melodias relaxantes, estimulantes, estressantes, em fim uma variedade de formas sonoras para cada tipo de situação.

De acordo com Basílio música no ambiente escolar ainda anda mal resolvida, a Lei nº 11.769 de 18 de agosto de 2008, sobre obrigatoriedade do ensino de música na escola, hoje encontra-se sem rumo e os gestores sem noção da importância do tripé, que sustenta a educação (ciência, filosofia e arte), a tratam como um elemento promocional, dispensável.

Por meio da educação musical permite-se aos estudantes a possibilidade de pensar melhor, independente de sua participação direta ou indireta – “ Com ouvido educado, a mente repousa na consciência permitindo-o desenvolver melhor o aprendizado e sua projeção para a vida”.

A redação do 082 Notícias escutou Basílio Seh a respeito da interferência das distribuições digitais, entre outras como a streaming. As consequências do mercado digital desde 2005, ganham força em 2012, quando passa a representar mais de um quarto das receitas da indústria fonográfica. Como é possível superar tantas mudanças impostas? Quais os maiores desafios e dificuldades para o músico singular?

Para Basílio Seh, com a chegada da era digital, a produção musical teve um ganho significativo, no que diz respeito a qualidade sonora e realização produtiva. Há quem sinta falta do som analógico. “Eu, particularmente, não tenho conhecimento técnico para apontar a diferença qualitativa entre um e outro. Mas, enfim, a comercialização musical por meio de plataforma de streaming facilitou o acesso ao produto, como também, sua publicação. Hoje, nenhum artista depende de gravadora para publicar seu trabalho”.

Por outro lado, há prejuízos das informações sobre o trabalho publicado. Basílio afirma, que público não toma conhecimento de informações como compositor, arranjador, músicos participantes. Toda uma questão produtiva é esquecida, o que interessa é apenas a música desassociada do trabalho como um todo. Desse ponto de vista, diz Basílio, que importa muito, o mercado fonográfico acabou gerando um hiato muito prejudicial para quem precisa pesquisar ou mesmo, as pessoas que têm interesse pelas informações a respeito dos trabalhos produzidos. Hoje, para corrigir essa lacuna, o artista precisa fazer um trabalho paralelo por meio de suas redes sociais.

Seria este um resultado nato, algumas pessoas realmente nascem com esse dom? O que você diz de parceiros musicais, estudantes de ensino fundamental, crianças, adolescentes e até adultos. Como esse processo criativo musical se apresenta? Em que pode superar situações de vulnerabilidade?

Essa questão é peculiar, diz Basílio. Independe da cor, religião, condição social ou outra coisa qualquer. A pessoa nasce e vai se familiarizando com o mundo ao seu redor ao passo que cada um faz suas escolhas com aquilo que mais lhe atrai. Alguns preferem o amarelo, outros preferem rosa e assim por diante. No caso da música, nos colocamos diante de uma arte, onde tem por matéria básica o som, coisa que não é palpável, apenas se ouve.

Nesse ouvir que tudo acontece. Veja bem: ao entrar pelos ouvidos, o som chega a uma plataforma fisiológica do tálamo (sistema nervoso), de onde é distribuído para todo o corpo, tendo a água como como seu transporte máster, daí tudo acontece.

A música pode proporcionar cura, felicidade, tristeza, causar desenvolvimento social ou destruição. O fato de se lidar com música, significa perceber altura, timbre, intensidade, duração e ritmo do som. Não há regra específica para definir a capacidade perceptiva de alguém que consegue manipular esses elementos com facilidade e outros não. Alguém que passa a vida estudando música e não consegue manipular tais elementos da constituição musical, ou mesmo, um instrumento tão bem quanto outro que nunca estudou, mas se tornou um autodidata e consegue elaborar peças musicais incríveis.

Basílio, cita o exemplo de Hermeto Pascoal, alagoano, reconhecido internacionalmente, que dá brilho especial em todo e qualquer festival internacional de música, “um dos gênios contemporâneos da música mundial, sem nenhuma formação acadêmica”. A observação é primordial. Quando atua como formador, sua primeira iniciativa gira em observar os que melhor se posicionam diante do tempo e da afinação. “A partir de então, vou me posicionando didaticamente e identificando o grupo e o indivíduo”. Ter facilidade ou não com a lida da música é peculiar.

Basílio Seh, ainda relembra que o tempo passou e a profecia popular do bolinho de barro arremessado à parede acertou mais uma vez: “acabei me tornando músico. Pois, se o bolinho tivesse caído meu destino estaria voltado para a pesca. Daí voltei ao morro, não mais para brincar, mas para observar o voo do urubu e viajar com ele nas asas das melodias”. Define o urubu, como pássaro negro que não costuma encantar pelo canto. “Mostrou-me através de seu voo uma linguagem sugestiva para minha relação com a música. A forma pela qual me expresso musicalmente hoje seja nos arranjos, nos solos livres, nas interpretações, enfim, é fruto do aprendizado de experimentos sonoros a partir de uma concepção melódica baseada na movimentação do voo do urubu”.

Foto: Maria Tereza Pereira

Basílio é muito ligado à natureza e a entrevista para o 082 notícias, teve como ambiente, um passeio no parque municipal acompanhado com cantoria de aves, som da cigarra e barulhinho de riacho. Conversou sobre seus trabalhos, os realizados ao longo de seus 20 anos de carreira fonográfica, a respeito dos mais recentes, e dos projetos desenvolvidos, apresentados e aclamados com pontuação máxima, a exemplo do Cantiga de Roda com crianças de escola de ensino fundamental (Concertos Didáticos). A sua família entra em cena sempre, em especial quando o assunto é apoio emocional, recebido da esposa Teresa e dos três filhos: Gilmara (mãe de Thor), Bárbara (fisioterapeuta) e o mais novo Vitor Valente (apreciador da área de zootecnia). As lembranças familiares de seus pais e dos tios deram o suporte musical, aprendido da cidade de Traipu. A vivência junto ao Velho Chico proporcionou seus saberes filosóficos, experiências desse ambiente peculiar, que agregou em projetos como musicalizando, com suas premiações como Eris Maximiano, contemplada em 2015.

Basílio Seh tem entre suas produções artísticas Boca de Sapo (idealização e elaboração do projeto Musicalizando); Viçosa do nosso Brasil (produção e direção musical); Rádio Cabeça, um trabalho que representa um experimento da imaginação sonora, em que o indivíduo é ouvinte de sua programação musical livre manifestada pelo sistema nervoso central – o multiculturalismo se reflete em textos diretos e melodias retas, verbos reflexivos de compasso composto, um mundo variedades no qual estamos inseridos, diz Basílio. E o mais recente Janela Singular, que vem com Isca de Urubu, Cantoria na casa de Zé e Cantiga de Roda.

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1 Comentário

  • A trajetória de Basílio Seh se assemelha ao vôo livre de compositores e multi-instrumentistas que têm no processo criativo a capacidade de extrair da sua Arte e das suas Vivências o que permanece como representação de mundo, de sentimento e de existência…

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