domingo 28 de abril de 2024

Beira-mar femininamente profunda

Mas quem são essas personagens, que fornecem a estrutura basilar para esse belo trabalho, que, por ser belo e verdadeiro, é por demais brasileiro e não será encontrado na mídia e nos veículos difusores da música hegemonicamente oca?

11 de março de 2024 12:55 por Da Redação

Divulgação

Às vezes, a capa de um álbum é tão sugestiva, que o conteúdo guardado por ela, literalmente, salta aos olhos. Outras vezes, são tão enigmáticas as possibilidades, que o conteúdo se torna uma incógnita e, por isso mesmo, tão atrativo quanto à primeira possibilidade. No caso específico, o álbum Cantos à Beira-mar – a poesia de Maria Firmina dos Reis na música de Socorro Lira – é o 12º álbum de uma compositora, poeta, cantora e produtora musical paraibana, que atua num circuito cultural de um Brasil profundo, sem maquiagens, de relações e ações verdadeiras. Portanto, amodal. Pois bem, a arte da capa é de um simbolismo poético, que se revela por inteiro: uma imagem de mulher em negativo preto, que logo será ratificada ao aprofundarmo-nos aos pilares da obra, como a sussurrar ao ouvido de outra mulher, que sabemos ser Socorro Lira, poemas e poesias que arejam e fecundam a criatividade da artista paraibana, num sopro fértil do passado. Portanto, na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a nossa coluna Depois do Play não poderia ter melhor e mais significativo álbum a ser analisado.

Mas quem são essas personagens, que fornecem a estrutura basilar para esse belo trabalho, que, por ser belo e verdadeiro, é por demais brasileiro e não será encontrado na mídia e nos veículos difusores da música hegemonicamente oca? A primeira, Maria Firmina dos Reis (1822-1917), foi uma escritora e poeta negra, que nasceu há dois séculos, no Maranhão, cujo centenário de sua morte aconteceu em 2017. Ela é considerada a primeira romancista brasileira, pois, dez anos antes de Castro Alves ter lançado o seu romance Navio Negreiro (1869), ela lançou o romance antiescravista Úrsula, em 1859. Ela também foi professora e faleceu aos 95 anos em Guimarães, no interior do Maranhão.

Socorro Lira, assim como Maria Firmina, é nordestina. Nasceu no sertão da Paraíba, na zona rural de Brejo do Cruz. É, sobretudo, uma ativista cultural e, como tal, criou o Projeto Memória Musical da Paraíba – PMMP. O que lhe possibilitou trabalhar com artistas e grupos de cultura popular naquele Estado, registrando manifestações populares em quatro CDs e um documentário. Outro projeto que ela criou e toca desde 2014, é o Prêmio Grão de Música, onde assina a direção artística. Além disso, Socorro Lira mantém uma agenda regular de shows pelo Brasil e já se apresentou em vários países dos continentes europeu, africano, asiático e latino-americano. Portanto, é mais uma artista brasileira que ratifica o que escreveu Aldir Blanc, em Querelas do Brasil: “O Brazil não conhece o Brasil.”

Projeto de Fôlego

O álbum Cantos à Beira-Mar é o resultado expandido do que é o EP denominado Seu Nome. Nele, a compositora acrescentou mais seis temas inéditos e ampliou sua homenagem à poeta maranhense, amalgamando mais música e feminilidade às artes e à poesia que nos chega de um tempo tão distante. Porém, o embasamento dessas obras é muito maior e mais ousado! Tudo começou em outubro de 2017, lá em João Pessoa, num encontro de mulheres da literatura, o ‘Mulherio das Letras’, onde a homenageada do evento era Maria Firmina dos Reis. Lá, Socorro Lira recebeu a proposta de musicar poemas de Firmina. A compositora aceitou o pedido e assim surgiu uma compilação de quatro canções que deram origem ao EP.

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Ocorre que o resultado da iniciativa agradou bastante! Daí, nasceu o AvivaVOZ, mais um projeto de mulheres fortes, criativas e propositivas. Resultado: em 14 meses, Socorro musicou 102 poemas de dez mulheres poetas, que publicaram entre os séculos 18 e 20, no Brasil. Cantos à Beira-mar – que teve tiragem de apenas 500 exemplares físicos – foi o pontapé inicial desse material.

Socorro Lira. Divulgação

Feitas as devidas referências e necessárias apresentações, vejo que sobrou pouquíssimo espaço para o álbum em si, mas farei uma espécie de arremate resumido, com algumas considerações sobre ele. Primeiro, quando Socorro Lira se posiciona, nas redes sociais, como defensora de causas democráticas e das lutas femininas, ela ratifica em ação, por exemplo, na ficha técnica desse álbum. E, assim, traz participações femininas importantíssimas e competentes. Claro, a começar pela poesia de Maria Firmina, passando pela pesquisa das escritoras Maria Valéria Rezende e Susana Ventura, a arte da capa de Bernardita Uhart, até chegar às musicistas Ana Eliza Colomar (flauta e violoncelo), Clara Bastos (contrabaixo acústico) e Cássia Maria (percussão).

Protagonismo e Singeleza

Sem abrir mão do seu fiel escudeiro de longas datas, o violonista e compositor pernambucano Jorge Ribbas, que assina todos os arranjos e, certamente, foi o responsável pela arregimentação e pelos convidados especiais Ricardo Vignini (guitarra slide), Júlio Caldas (baixolão e cavaquinho) e Álvaro Couto (acordeon), todos com participações expressivas, que agregaram imenso valor a esse trabalho. Assim, Socorro Lira teceu um álbum de absoluta singeleza, onde, sabiamente, as melodias contemporâneas e o linguajar da verve poética de um século distante, foram priorizados, como deveriam ser, e tornaram-se protagonistas absolutos, com a cumplicidade efetiva dos arranjos, que proporcionaram a simplicidade economicamente necessária à construção dessa obra imprescindível à cultura nacional, por vezes tão invisível!

O álbum encerra com um baião, que nos remete a uma nostalgia não vivida, quiçá, do século 19, mas, que não impede sua desenvoltura melódica e rítmica totalmente contemporânea. Antes, passa por uma milonga dos pampas de Veríssimo, porém, tudo começa com um bolero de profundo cismar e pungente aflição, de doce langor, um tanto solene no volver envolvente, anunciando que algo bom começou e está ao nosso alcance, para deguste da nossa fruição! E tem samba, reggae, canção, fado, valsa e loa de maracatu. E há um mundo de motivos para conhecermos a musicalidade esculpida pela compositora, na pedra fundamental da poesia secular de Maria Firmina. “Porque a história é cíclica e o que tem consistência permanece. Porque ela fala de sua época como pouca gente falou, a partir do lugar de mulher, negra, sem posses, quando a escravização do povo negro ainda era legalizada neste país.” Sintetiza, maravilhosamente bem, Socorro Lira!

NO +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

Serviço 
Cantos à Beira-mar, Socorro Lira
Disco físico: à venda pelo site WWW.socorrolira.com.br/loja
Plataformas digitais: YouTube, Spotify, Deezer e etc.

 

 

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