quarta-feira 4 de dezembro de 2024

Política Monetária vai na contramão do Nova Indústria Brasil

Incentivos fiscais e tributários, apesar de insuficientes para abranger os propósitos do NIB, desempenham um papel crucial no estímulo ao investimento em P&D e na facilitação da reestruturação industrial, especialmente para as PMEs
Reprodução

O programa Nova Indústria Brasil (NIB), lançado em janeiro do corrente ano, busca enfrentar desafios críticos como a modernização industrial, a baixa competitividade internacional e os impactos ambientais da produção. Através de missões específicas e princípios orientadores, o programa visa não apenas fortalecer a economia, mas também promover a inclusão social, a equidade e a sustentabilidade.

Todavia, como discorreremos aqui, uma grande ameaça à sua implementação é a inadequação da política monetária na contramão das políticas industriais e tecnológicas propostas pelo governo.

O programa NIB delineia missões específicas que refletem o compromisso do Brasil com o desenvolvimento sustentável e a liderança em setores críticos para o futuro econômico e ambiental. Com ênfase em tecnologias sustentáveis e na bioeconomia, o programa busca alinhar crescimento econômico com soluções para desafios globais, como as mudanças climáticas.

A digitalização da indústria é uma prioridade para modernizar a base industrial, aumentar a produtividade e integrar as empresas brasileiras nas cadeias de valor globais através da adoção de tecnologias como IoT, inteligência artificial e manufatura avançada.

Incentivos fiscais e tributários, apesar de insuficientes para abranger os propósitos do NIB, desempenham um papel crucial no estímulo ao investimento em P&D e na facilitação da reestruturação industrial, especialmente para as PMEs, que enfrentam obstáculos financeiros para inovar.

Os recursos são provenientes principalmente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), com uma distribuição prevista de R$ 75 bilhões anuais, a maioria na forma de empréstimos. As compras governamentais direcionadas para os setores envolvidos nas missões do NIB também alavancam recursos para o programa.

A infraestrutura urbana desempenha uma missão crucial ao melhorar a eficiência logística, reduzir os custos de produção e promover soluções tecnológicas sustentáveis nas cidades, como transporte mais limpo e práticas de construção sustentável. Paralelamente, o programa NIB concentra-se no fortalecimento do complexo industrial da saúde, na promoção da agroindústria sustentável e no investimento em tecnologias para defesa e soberania nacional. Essas iniciativas têm como objetivo garantir a autossuficiência em períodos de crise, posicionar o Brasil como líder em tecnologias de saúde, promover práticas agrícolas ambientalmente responsáveis e fortalecer a capacidade industrial em setores estratégicos para a segurança e independência tecnológica.

Assim, o NIB busca criar um ecossistema inovador que promova a colaboração entre universidades, centros de pesquisa e o setor industrial, facilitando a transferência de conhecimento e tecnologia. Este esforço conjunto visa acelerar o desenvolvimento de soluções inovadoras e garantir que a indústria brasileira possa se manter competitiva em um cenário global em rápida transformação. Com um foco claro na sustentabilidade, inovação e tecnologia, o NIB apresenta uma visão abrangente para o futuro da indústria no Brasil, buscando não apenas fortalecer a economia, mas também contribuir para uma sociedade mais justa e um meio ambiente mais saudável.

Foto: Iano Andrade/CNI

Dada a amplitude das missões, alguns fatores ameaçam sua implementação, como o alto risco de falha, a complexidade na definição e avaliação das missões, desafios de coordenação entre diferentes entidades (governança) e dificuldades de acesso a mecanismos de financiamento à inovação, principalmente nos casos de pequenas empresas e startups. Há, contudo, um fator negligenciado nas avaliações quanto aos riscos de implementação do NIB, que é a inadequação da política monetária e seus efeitos de restrição do espaço fiscal para a realização de investimentos públicos que impulsionam o setor privado frente aos desafios colocados pela completa exclusão das políticas de inovação no país nos últimos sete anos.

Alguns podem estar se perguntando qual é a relação entre políticas macroeconômicas de curto prazo, mais especificamente políticas monetárias, com políticas industriais e tecnológicas de longo prazo, como é o caso do NIB. Aliás, a principal preocupação dos críticos do NIB é o seu impacto no cumprimento do arcabouço fiscal e, consequentemente, na gestão da política monetária. Na visão desses economistas, o foco desta última é basicamente a estabilização da inflação, não afetando a dinâmica da economia no longo prazo, que depende das reformas microeconômicas e de seus reflexos sobre a produtividade.

Estudo recente elaborado por Ma e Zimmermann (leia aqui) desafia a visão convencional de que a política monetária tem apenas efeitos de curto prazo. Eles fornecem evidências robustas de sua influência significativa na inovação e no progresso tecnológico a longo prazo. Esta perspectiva ultrapassa as restrições tradicionais do mainstream e enfatiza a necessidade de incorporar a política monetária na formulação de políticas econômicas eficazes. Os autores ressaltam que a evidência demonstra a importância dos efeitos da política monetária nas atividades de inovação e suas possíveis implicações de longo prazo. Ademais, considerando a relevância da inovação na produção e no progresso tecnológico para o crescimento econômico, é fundamental explorar essa dimensão e compreender suas implicações na condução da gestão monetária. Assim, pode-se deduzir que tais interações entre as políticas de curto e longo prazos exigem maior sintonia entre ambas.

No caso do Brasil, a taxa real de juros de 5% esperada para os próximos anos, acima dos 3% a 4% do crescimento do PIB nos cenários mais otimistas, representa uma significativa restrição ao espaço fiscal disponível para investimentos públicos em infraestrutura física, social e tecnológica, em função do esforço para sustentar a trajetória decrescente da relação dívida/PIB. Esse cenário implica em custos mais elevados de financiamento para o governo, reduzindo sua capacidade de realizar investimentos estratégicos que impulsionariam o desenvolvimento econômico de longo prazo, como no caso do NIB. Com taxas reais de juros tão altas, os custos de serviço da dívida pública aumentam, são exigidos superávits primários crescentes, tornando mais difícil para o governo cumprir suas obrigações e ao mesmo tempo promover investimentos essenciais para a competitividade e o desenvolvimento sustentável. Isso cria um dilema para a política econômica, onde a necessidade de conter a inflação e manter a estabilidade fiscal não dialoga com a urgência de promover investimentos públicos que impulsionem o crescimento e a produtividade do setor privado.

Foto: Divulgação

Em uma análise crítica, em 2023, o dispêndio exclusivo com juros da dívida ultrapassou a marca dos setecentos bilhões de reais, excedendo em mais de duas vezes o comprometimento do NIB em alocar recursos financeiros para diversas iniciativas da agenda industrial e tecnológica até 2026. Este cenário coloca em perspectiva, caso persista, os efeitos comprometedores da política de juros altos sobre a capacidade de investimento em setores estratégicos para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país. Destaca-se ainda que, em meio a esse contexto, as universidades federais, pilares fundamentais do sistema de inovação brasileiro, vem enfrentando um processo acelerado de sucateamento desde 2015.

Com o ressurgimento do enfoque neoliberal na busca pelo equilíbrio fiscal, o Brasil negligenciou suas políticas industriais e tecnológicas, relegando ao segundo plano o papel crucial dessas instituições de conhecimento. Ao se tomar os dados de 2014 como referência (https://www1.siop.planejamento.gov.br), em 2023, os gastos com pessoal e encargos sociais, investimentos e outras despesas correntes dessas universidades, ajustados pelo IPCA de dezembro de 2023, apresentaram uma queda significativa. Mesmo após um aumento de 9,5% concedido no passado aos funcionários pelo governo atual, esses gastos estavam 2,35%, 41% e 26% abaixo dos níveis de 2014, respectivamente. O não enfrentamento célere deste processo de desinvestimento no ensino superior compromete não apenas a qualidade da educação, pesquisa e extensão dessas instituições, basilares para o sucesso do NIB, mas também a capacidade do país de se manter competitivo no cenário global de inovação.

A ausência de diálogo entre as agendas macroeconômicas de curto prazo e as políticas industriais e tecnológicas de longo prazo emerge como uma das principais ameaças à transição do Brasil de uma economia predominantemente rentista para uma economia desenvolvida e competitiva, com inclusão social e processos produtivos ambientalmente sustentáveis. Essa falta de alinhamento compromete a capacidade do país de realizar investimentos estratégicos necessários para impulsionar a inovação e modernizar sua base industrial, minando assim a oportunidade de uma transformação abrangente em direção a uma economia mais dinâmica, inclusiva e sustentável.

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