sábado 23 de novembro de 2024

Deputados do pacote ‘anti-MST’ receberam doações de acusados de invadir terras indígenas

Projetos de lei que buscam dificultar atuação do movimento recebem aval de Arthur Lira e tramitam com agilidade
icardo Salles (PL-SP) quer proibir Bolsa Família para quem ocupar latifúndios aptos à reforma agrária – Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Por Murilo Pajolla, do Brasil de Fato
Os protagonistas da ofensiva parlamentar contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que acusam o movimento de “invadir” propriedades rurais, tiveram campanhas eleitorais financiadas por donos de fazendas sobrepostas a terras indígenas. Uma doação partiu de condenado por trabalho escravo e outra de um suspeito por extração ilegal de ouro.
O “pacote anti-invasão” – assim chamado pela bancada ruralista – busca dificultar a ação do MST e tramita de forma acelerada na Câmara. Os projetos de lei foram colocados em marcha como resposta ao Abril Vermelho, mês em que o movimento intensifica, todos os anos, as ocupações de terras aptas à reforma agrária.

O ex-ministro de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles (PL-SP), é o relator do PL 895, que proíbe pessoas que participem de ocupação de terras de acessar direitos sociais, como o Bolsa Família. Segundo investigação do De Olho nos Ruralistas, Salles recebeu doação de 30 mil reais em 2018 de Antonio Marcos Moraes Barros.

Barros e familiares dele são sócios da Elamar Participações e Agropecuária Ltda, empresa proprietária da Fazenda Janaína, no município de Amambai (MS). Metade dos 2,3 mil hectares da fazenda estão sobrepostos à TI Dourados-Amambaipeguá I, área ainda não homologada habitada pelos Guarani Kaiowá.

Doação de condenado por trabalho escravo

O autor do PL 895 é Luciano Zucco (PL-RS), ex-presidente da CPI do MST, que buscou criminalizar o movimento mas terminou sem relatório final.

Uma reportagem do De Olho nos Ruralistas apontou que Zucco recebeu doação de campanha do fazendeiro Bruno Pires Xavier, condenado por manter 23 trabalhadores em condições degradantes em Mato Grosso. A doação foi de R$ 10 mil para a campanha de 2018.

A família de Xavier, dona de um frigorífico, foi alvo de denúncias por crimes ambientais e trabalhistas. 324 trabalhadores rurais foram resgatados situação análoga à escravidão em fazendas do grupo em cinco fiscalizações do Ministério Público do Trabalho (MPT), conforme o De Olho Nos Ruralistas.

“O MST está cometendo crimes”, afirmou Zucco no ano passado ao site Metrópoles.

Disputa com indígenas

O PL 895/203 tramita apensado ao PL 709/2023, já que ambos contêm propostas semelhantes. O PL 709 é de autoria de Marcos Pollon (PL-MS) e foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (23). O texto pode ser votado a qualquer momento no plenário.

O parlamentar que teve financiamento de campanha no valor de R$ 5 mil de Rovilson Alves Correa, um fazendeiro que trava uma disputa com o povo Kadiwéu no Mato Grosso do Sul, de acordo com o De Olho nos Ruralistas.

Os líderes Kadiwéu afirmam que tiveram seus territórios tradicionais invadidos pela propriedade de Rovilson Alves Correa, a fazenda Limoeiro, que tem 160 mil dos seus 538 mil hectares em disputa na Justiça desde 1987, de acordo com um relatório da Amazon Watch.

Ouro ilegal e contrabando de madeira

Coronel Assis (União-MT) é autor do PL 4183/2023, outro item do “pacote anti-MST”. A proposta impõe a movimentos populares a obrigação de terem personalidade jurídica.

Assis recebeu R$ 80 mil do minerador e madeireiro Edmar de Queiroz, investigado pela Polícia Federal por suposta participação em um esquema de comercialização ilegal de ouro. Outra empresa de Queiroz, a Madeplacas, chegou a ser interditada em 2005 por suspeita de contrabando de madeira ilegal da Amazônia. A informação foi publicada originalmente pelo jornal O Globo.

Parentes de Lira com terras sobrepostas a áreas indígenas

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é o responsável por colocar os projetos em votação, e tem movimentado a pauta da extrema direita na Câmara. O presidente Lula (PT) exonerou na semana passada um primo de Lira, Wilson César de Lira Santos, do cargo de superintendente do Incra de Alagoas.

Um dossiê do De Olho nos Ruralistas revelou o despejo de camponeses por Arthur e seu pai, Benedito de Lira em Quipapá (PE), além da criação e venda gado criado dentro da Terra Indígena Kariri-Xocó por primos do presidente da Câmara.

A pesquisa identificou seis fazendas administradas pelos herdeiros de Adelmo Pereira — primo da mãe de Arthur Lira — em São Brás (AL), às margens do Rio São Francisco. Os imóveis estão sobrepostos a 2 mil hectares da TI Kariri-Xocó, homologada por Lula em abril de 2023.

Outro Lado

Brasil de Fato entrou em contato com a Elamar Participações e Agropecuária de Antonio Marcos Moraes Barros, mas ninguém atendeu. A reportagem não localizou outros meios de contato da empresa. Edmar de Queiroz também não foi localizado. Todos os outros empresários e políticos citados foram procurados por e-mail. Se houver respostas, o texto será atualizado.

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