13 de agosto de 2024 4:09 por Geraldo de Majella
Por Geraldo de Majella, historiador e jornalista
Caminhar pelas ruas de Maceió é uma oportunidade para rememorar acontecimentos, revisitar edificações históricas, instituições culturais e lugares que registram a evolução urbana da cidade. Esses lugares não constituem apenas a memória pessoal e afetiva, mas a memória coletiva. São os casarões, os poucos que ainda existem, as lojas comerciais, bares, residências e pensões.
A Rua Boa Vista é uma das ruas mais antigas da cidade tendo passado por transformações, inclusive a mudança de nome, de Boa Vista para Conselheiro Lourenço de Albuquerque, o Barão de Atalaia, advogado e influente político. Em boa hora, a Câmara de Vereadores, por inciativa do vereador Ênio Lins (PCdoB), aprovou a Lei Municipal nº 4072, de 29 de outubro de 1991, obrigando a retornar os nomes antigos de várias ruas em Maceió, inclusive a Boa Vista.
As ruas do Centro de Maceió foram denominadas pela população e referendadas pela municipalidade com nomes poéticos como a Rua da Alegria, das Árvores, do Sol, das Verduras, do Livramento e Rua Nova, sem a pompa dos títulos nobiliárquicos dos barões e viscondes ou conselheiros do imperador.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas, que funcionou numa modéstia sala no primeiro andar entre a esquina da Rua Boa Vista com a Rua das Árvores, é um espaço de memória coletiva. A categoria se revelou para a sociedade como um polo de luta social que transcendeu às lutas corporativas, e se destacou ao empunhar as bandeiras das liberdades democráticas como anistia para os presos políticos, a luta contra a censura à imprensa, a redemocratização do Brasil e eleições diretas para governador e presidente de República.
A memória das lutas dos jornalistas de Alagoas passa pelos quarteirões da Boa Vista.
A moda
Os pontos da moda tiveram os seus momentos áureos na cidade é o caso da Alfaiataria Savastano & Irmão, italiano estabelecido na Rua da Boa Vista, 23, em 1916, ao abrir a sua oficina procurou destacar nos anúncios comerciais que dispunha de tecidos importados da Europa como casimira e linho. A concorrência com os profissionais alagoanos existia como é demonstrado através dos anúncios publicitários da Alfaiataria Progresso de Pedro Codá, na Rua do Comércio, 454 e Alfaiataria Londres de Olympio de Sant’Ana, Rua do Comércio, 161, os dois eram lideres anarquistas que anos depois, em 1924, fundaram o Partido Comunista Brasileiro (PCB) em Alagoas.
Bar da Nete
O Bar da Nete como era chamada Ionete Freitas de Melo (1932), primeiro funcionou na Boa Vista com Beco São José. Chefe de cozinha e comerciante, Dona Nete nasceu em Garanhuns-PE, e seu bar se tornou um ponto de jornalistas e intelectuais, no Centro de Maceió. Inicialmente funcionou na Rua Boa Vista, em seguida mudou de endereço indo para a Rua do Macena.
Espaço acolhedor, que despertava memórias afetivas ligadas diretamente à alimentação e a bebida, combinação dos estímulos do paladar e olfato, o Bar da Nete parece até que foi criado para os jornalistas e, mais especificamente, para alguns jornalistas.
A “confraria” era composta por Noaldo Dantas, paraibano que chegou a Alagoas na década de setenta, para dirigir o vetusto Jornal de Alagoas, à época o mais antigo em circulação do Estado; Zito Cabral, experiente jornalista policial, originário da cidade de Pilar; Juarez Ferreira, Tobias Granja e Teófilo Lins completavam o quinteto. Essa era a formação básica e diária.
Em seguida, os jornalistas Jurandir Queiroz, Rubens Jambo, Valmir Calheiros, Aldo Ivo, João de Deus, Nunes Lima, José Elias, Freitas Neto, Adelmo dos Santos, Roberto Vila Nova e Nilson Miranda, que retornava a Maceió, vindo do exílio na Europa em 1979, se incorporaram à “confraria”.
O Bar estava situado no espaço geográfico delimitado a um quarteirão do Jornal de Alagoas, a dois do Opinião, semanário fundado por Noaldo Dantas, e a três da Tribuna de Alagoas, que durante alguns anos funcionou na Rua do Sol. A redação da Gazeta de Alagoas, situada à época na Rua do Comércio, ficava próxima; e do Jornal de Hoje, que funcionou na Rua Barão de Alagoas, a quatro ou cinco quarteirões.
Essa área da cidade pode ser definida como um “corredor etílico-cultural” dos jornalistas, radialistas, revisores e gráficos – do pessoal dos jornais e rádios.
Situado próximo ás redações do Jornal de Alagoas, Jornal de Hoje, Gazeta de Alagoas, Tribuna de Alagoas, Rádio Gazeta, Difusora e Palmares que, na época, se localizavam na região central, o Bar da Nete funcionou durante 35 anos.
Foto Studio Pedro Farias
O fotógrafo Pedro de Farias Costa (1930-1989) iniciou o aprendizado aos quinze anos, em 1945, como fotógrafo no Foto Fiel. Em 1959, foi morar na Rua Boa Vista, onde, em 1965, abre o seu próprio negócio, o Foto Studio Pedro Farias.
A carreira profissional tem início em 1947, como fotógrafo do Foto Ideal, com a idade de dezessete anos. Em 1948, transferiu-se para o Foto Stuckert, onde trabalhou durante dezesseis anos, até 1964.
O Studio Pedro Farias era vizinho ao Bar da Nete e um ponto de encontro de jornalistas e fotógrafos amadores e profissionais. O acervo deixado por ele foi consumido pelas labaredas de fogo provocado por um incêndio. Esse trágico acidente destruiu parte significativa da memória da cidade e de Alagoas.
Graciliano Ramos
Entre bares, pensões, repartições públicas e lojas moraram os escritores Lêdo Ivo, Floriano Ivo Júnior e Luiz Gutemberg, juntamente com suas famílias, em épocas distintas. O mais famoso entre eles, Graciliano Ramos, também residiu por algum tempo, como registra o livro Cartas (1982).
A Rua Boa Vista, 384, é o endereço da hospedagem do escritor Graciliano Ramos. Numa carta a seu pai, Sebastião Ramos de Oliveira, em 12 de junho de 1930. Graciliano, informa: “Fomos muito bem de viagem: doze horas de chuva, lama, rios cheios e atoleiros. Podia ser pior. Chegamos quase vivos. E aqui estamos vivendo com graça a Deus (ou sem aa graça de Deus, não sei bem); a correspondência pode vir para o Diário. Mando-lhe a chave pelo Chico Cavalcanti. Dê muitas lembranças à velha Maria e ao resto do pessoal. Mande-me notícias disso por aí”. Graciliano.
As transformações físicas contribuíram em grande medida para a decadência da região central da cidade. A incúria em determinadas circunstâncias, e a inconsciência do poder público, têm ocasionado a destruição de parte do patrimônio histórico que não está circunscrito apenas à Rua Boa Vista, mas a todas as ruas da região central da cidade.
2 Comentários
Tomo a liberdade, ilustre Majela, de um reparo sobre a referência aos anarquistas fundadores, em 1924, do PCB em Alagoas, Partido Comunista DO BRASIL e não’Brasileiro’, denominação, como sabe, alterada a partir do fim dos anos 1950/começo dos 1960.Abrs.
É muito importante E valiosa agente ler a história dos jornalistas da cidade de Maceió. Eu que não foi daquela época