17 de agosto de 2024 12:42 por Mácleim Carneiro
Não lembro quando comecei a denominar Maceió e suas idiossincrasias pelo epiteto ‘aquário’. No entanto, desde então e ao longo do tempo, tento elaborar uma espécie de tese particular, sem qualquer pretensão sociológica, que seja capaz de embasar e conectar coerentemente o meu ponto de vista aquariano à realidade que nos habita. Sobretudo, ao mirar as duas partes do todo: a Maceió rasa e maquiada da orla marítima, e a Maceió profunda e não menos bela da orla lagunar e periferias. Socialmente, são coisas distintas, apartadas por políticas públicas ou a falta delas, que constituem o admirável e contraditório ‘aquário’ das minhas elucubrações.
É evidente que não se trata de um aquário comum, a começar pelas dimensões de 509,6 Km², onde coabitam quase um milhão de seres em castas arrogantes ou genuflexas, desconexas entre si, porém, perceptíveis a olho nu, pelos estereótipos de peixinhos, peixões e tubarões vorazes. É certo, que essa estrutura social é atávica aos idos de 1815 e tem sido robustecida e sedimentada desde então, à medida que as garras do capitalismo impõem valores excludentes e estabelecem fossos abissais. Então, por que fazer referência a um aquário, como epiteto a Maceió, se, aparentemente, um aquário transparece um ambiente harmônico e de paz, apesar da convivência entre espécies desiguais, endotérmicas ou não?
Conjecturas. Metafóricas
Pois bem, quero começar pelo o que entendo ser fundamental à minha “tese”. Ou seja, metaforicamente, Maceió é um espantoso aquário, a partir das óbvias simbologias, nas quais deduzo consequências, suposições e conjecturas. Então, indubitavelmente, apesar das belezas aquíferas, marítimas e lagunares, que nos cercam, emolduram e contextualizam, o silêncio é a ideia central, o grande cerne, o núcleo e a personagem principal que motiva a alcunha! Por óbvio, os peixes e peixinhos são silenciosos. Fazem movimentos com a boca e o corpo, mas não “dizem” nada além de frágeis bolhas, que se desfazem no instante seguinte. No nosso aquário “Maceyorkino” o silêncio também se estabelece de maneira genuflexa, imposto pelos peixes graúdos e tubarões, que mantêm aceso o caldeirão do homem cordial, definido por Sergio Buarque, como um artifício ou ardil psicológico e comportamental.
Além disso, tal como os aquários ornamentais, temos o que há de mais belo e inegável à imensa maioria dos olhares, sensíveis ou não. A parte Leste do nosso admirável aquário concentra encantos naturais comparáveis aos de algumas cidades costeiras detentoras de fluxos turísticos invejáveis. A enseada da Ponta Verde e Pajuçara, com o mar cristalino e cromático, nos tons verde e azul, de tão bela aos olhos de quem a desfruta, talvez seja invisível aos peixinhos locais, posto que no dia a dia apenas transitam apressados em seus contornos asfálticos. Porém, basta um atento olhar analítico, pelos pontos de vista social e econômico, que toda aquela belezura se torna de fato glamorosa, quase uma tela exclusiva, uma espécie de dádiva oblata aos peixões e tubarões dos estratos e status superiores da pirâmide. Esses, permanentemente, usufruem do que a natureza criou, em várias escalas da visão: ao nível do mar ou das varandas gourmets, a trinta ou quarenta metros de altura, de onde o horizonte é infinito para eles.
Silêncio Ensurdecedor
Do lado Oeste, o nosso aquário tem sido negligenciado e criou lodo, à medida em que só os peixes pequenos o habitam. Sem domínio transformador, submissos ao silêncio imperioso à sobrevivência, acuados pelo braço armado do poder dos tubarões e peixes grandes, manipulados, explorados e enganados por falsas promessas, que jamais se realizam. Assim, toda essa penúria é relativa ao bem-estar e usufruto do lado costeiro, bronzeado e insensível à dialética. O bem-estar de um está intrinsicamente ligado à penúria do outro, embora a parte salobra do nosso aquário também contribua para eleger os peixes grandes e tubarões. O voto é a única opinião pública que eles têm, porém, no momento seguinte, tornam-se invisíveis aos reclames midiáticos, às opiniões publicadas e aos projetos festivos, que o tempo todo tentam incutir que a lama lagunar não combina com o perfume da maresia e salto alto nas passarelas estendidas sobre o asfalto costeiro.
Como epílogo, contextualizando tudo o que foi escrito até aqui, lembro-me da história de um peixinho que vivia num pequeno lago, cuja estrutura social era semelhante à do nosso aquário. Pois bem, um belo dia, o peixinho conseguiu chegar até ao mar. Reza a lenda que, diante da visão de tantas e infinitas possibilidades, o peixinho ficou fascinado e, entusiasmado, resolveu voltar ao pequeno lago, para anunciar as boas novas, a partir das referências que o imenso oceano lhe mostrara serem possíveis realizar. Entretanto, o peixinho esqueceu que os tubarões e peixes grandes, que dominavam o laguinho, não estavam nem um pouco interessados em novidades que pudessem alterar o status quo e os privilégios que desfrutavam por lá. Resultado, o audacioso e altruísta peixinho foi expulso do laguinho, a toque de caixa, e para sempre!
Portanto, assim como no laguinho, temos “um silencio ensurdecedor”! Como certa vez disse Lêdo Ivo, ao ser perguntado sobre a reação dos alagoanos, quando do lançamento do seu livro ‘Ninho de Cobras’ aqui no aquário.
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!!