2 de setembro de 2024 10:59 por Magno Francisco
Magno Francisco é filósofo e historiador
Quando se entra em um período eleitoral, não é incomum que candidatos de esquerda e da esquerda radical atenuem o impacto de suas declarações a fim de parecerem mais palatáveis eleitoralmente ou demonstrem total despreparo por outro. É como se o discurso radical de superação do capitalismo não fosse plenamente possível de ser apresentado, como se as pessoas não pudessem compreendê-lo, o que não é verdade.
É plenamente possível obter adesão social de vastos segmentos sociais a partir de um discurso revolucionário, especialmente em conjunturas de crise econômica e política, como a que o Brasil e o mundo passam atualmente.
Na realidade, os momentos de instabilidade política são os momentos mais propícios para a difusão de projetos radicais à esquerda e à direita. Prova disso é que nenhuma revolução popular aconteceu em momentos de calmaria, assim como o fascismo foi uma resposta reacionária à crise do capitalismo após a I Guerra Mundial.
Ninguém duvidará de que Bolsonaro e seu aprendiz Pablo Marçal compreenderam isso perfeitamente. Seus seguidores acreditam estar realizando uma revolução conservadora, o que podemos chamar de contrarrevolução, não porque uma revolução popular e socialista esteja iminente, mas porque a burguesia precisa, diante da crise social, evitar qualquer possibilidade de ruptura.
É evidente que o problema da esquerda é de conteúdo, mas também de forma. Não basta ser revolucionário ou radical no conteúdo para ter uma política assertiva ou não conciliatória com as classes dominantes e o sistema social vigente, é preciso conhecer a realidade, o que implica conhecer obrigatoriamente as mutáveis dinâmicas de afeto que mobilizam as classes sociais e apresentar um programa revolucionário com possibilidade de dar respostas aos problemas mais sensíveis.
A burguesia faz isso muito bem, na verdade, através dos seus aparelhos ideológicos, pauta o comportamento e o desejo. Mas, como toda tese pressupõe a sua antítese, há sempre fissuras que podem e devem ser atacadas pelas forças políticas comprometidas com profundas transformações sociais.
Assim, a esquerda, se quer realmente ser uma força social viva, não pode ser nem a caricatura de um radicalismo sem conhecimento da realidade, expressão de despreparo e desconhecimento das classes sociais, especialmente da classe trabalhadora, nem adotar a patética e reacionária “política do possível”, que não passa de uma vergonhosa e reacionária rendição a burguesia. As duas posições, consciente ou inconscientemente, atendem os interesses da burguesia, pois constituem, de modos distintos, expressões de esquerdas inofensivas.
Outro problema que não pode ser esquecido é a dimensão pessoal no processo de disputa política, no caso, da disputa eleitoral. Refiro-me às vaidades, que refletem muitas vezes um individualismo danoso, que causa cegueira e enfraquece projetos políticos coletivos. Por mais que se diga o contrário, é impossível separar o indivíduo e seus afetos e o mais correto é não ignorar essa questão.
É preciso também levar em conta que o processo eleitoral numa democracia burguesa também é constituído para não existir nenhuma possibilidade de superação da ordem capitalista, as leis, o financiamento e o modo como operam os aparelhos ideológicos atuam para reproduzir a dinâmica capitalista e impor os limites da manutenção da ordem como espaço de luta política. Contudo, isso não pode ser desculpa para a submissão à burguesia de um lado e a incompetência política por outro.
Da esquerda neoliberal, essa que adota a política de rendição à burguesia, nada se pode esperar. Mas a esquerda radical pode, se realmente é revolucionária, corrigir as incompreensões e os medos que impedem uma preparação para a luta eleitoral que à catapulte a condição de força social viva na luta pelo poder.
É preciso superar a submissão e a caricatura antes que seja tarde!