Poetisa, contista e crítica literária, Vera Romariz é professora aposentada da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e doutora em Literatura Vernácula pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Em 1977, estreou com o livro de crônicas Cacos. Os livros que vieram em seguida são de poesia: Quase Pássaro, Campo Minado, Película e Amor aos Cinquenta. Além disso, escreveu o romance Penedos e o livro de contos Pincéis.
Quando o Brasil e o mundo haviam superado os piores e mais tristes momentos da pandemia de Covid-19, Vera Romariz lançou, em 2022, os livros de poesia Um Pouco de Verão em Cada Outono e Na Rua das Árvores Cortadas, memórias e histórias de sua família.
Vera Romariz afirma ser “conscientemente uma poeta antiga e nova, e essa contradição me representa e encanta. É a minha verdade humana e literária”.
O próximo livro será de literatura infantil, O Chicote Manuel, que deve ser lançado em outubro pela Editora Matriz.
O 082 Notícias entrevistou Vera Romariz.
082- Estudar Medicina foi, inicialmente, a sua opção. O que a fez mudar de curso passando a estudar Letras?
Vera Romariz- Tive grande influência de meu pai, apesar de todas as evidências sinalizarem na direção de cursos da área de Humanas. O que me fez tomar uma atitude extremamente corajosa, indo contra as expectativas da sociedade e da família foi a certeza de que seria infeliz distante de um curso para o qual eu demonstrava aptidão e gosto. O curso de Letras.
082- O que o poeta Sabino Romariz, seu avô, representa na sua formação como intelectual?
Vera Romariz- De certa forma, a realidade vivenciada sempre me motivou na construção de minha obra. Estreei com um livro de crônicas, de base memorialística, “Cacos”, editado pelo Departamento de Cultura do estado. Aristóteles disse que o objeto de especulação literária é a realidade, o que sempre me soou acertado. Aos dezoito anos escrevi uma letra de música que dizia “ Por que cantar paisagens quando há rostos, meu amor?” Como dimensionar essa importância? Ele faleceu deixando meu pai muito pequeno e essa orfandade o motivou a ler e dizer até a exaustão os poemas do pai precocemente falecido. Ele driblou a orfandade precoce dizendo os poemas do pai e eu presenciei e ouvi essa herança mágica e amorosa. E gostei e poetizei essa perda criativa em um poema que dizia: “voz canção me conta estórias de infâncias que foram suas”.
Na rua das árvores cortadas foi a continuidade de uma tendência em minha obra. Estreei com crônicas memorialísticas, Cacos, em 1977.
082 – Que tipo de desafio uma jovem intelectual como você enfrentava em Maceió nas décadas de setenta e oitenta?
Vera Romariz – O principal desafio foi o de ser mulher em um mundo patriarcal. Poetas infratoras do status quo como Lucy Brandão pagaram um preço alto sendo marginalizadas pela sociedade. Acredito que fui salva pelo exercício da poesia que possibilitou romper, nos meus limites, convenções e repressões. Mas não foi fácil, nunca o é. A escrita foi meu exíguo espaço de liberdade e alegria.
082- A crítica literária, a contista e a poeta caminham de mãos dadas ou cada uma no seu tempo? É assim que você trabalha?
Vera Romariz – Sou sobretudo poeta hoje, mas esses saberes eram filhos de uma mesma mulher, que amava ser professora de literatura, escrevia prosa e cuidava da formação dos filhos. Eram pedaços importantes de mim, sem os quais eu me desintegraria ou não seria feliz. Porque tenho um verso que diz “teci minha alegria com garras de crochê”. A escritora também está estranhamente ocupada em ser feliz. Tarefa espinhosa. Mas é o que também me encanta.
082- As mudanças tecnológicas que transformaram o mundo empresarial, político, revelando o desconhecido como a Inteligência Artificial (IA), têm sido objeto de suas reflexões?
Vera Romariz- As mudanças tecnológicas me assustam; sou analógica, quase analfabeta digital. Rs.
082- A escritora como a conhecemos hoje desaparecerá com essas transformações?
Vera Romariz- Provavelmente desaparecerei como sou hoje, mas sobreviverei na memória de uma humanidade estranha e a meu ver fascinante. Sou, conscientemente, uma poeta cuja lírica flerta com a tradição e a modernidade. Nesse sentido, sou uma leitora atenta dos clássicos e modernos, mas reconheço que o contemporâneo das grandes rupturas não me atrai. Não ignoro a importância das rupturas na renovação literária, mas gosto de Cecília Meireles, de Bandeira e de Drummond e os vejo como poetas fundamentais, dentre outros como Mário de Andrade, para o entendimento de uma brasilidade literária que dialoga com outras tradições. Sou, conscientemente, uma poeta antiga e nova e essa contradição me representa e encanta. É a minha verdade humana e literária.