Por Magno Francisco*
O avanço da direita radical no Brasil e no mundo é quase sempre atribuído ao uso político das inovações tecnológicas, especialmente das redes sociais, ou à performance teatral de determinados candidatos. Há grande verdade nisso, mas não é toda a verdade.
De fato, os setores da extrema-direita aparelharam, melhor que qualquer outro segmento político, as variadas possibilidades de tecnologia comunicativa e galvanizaram a lógica do prazer da identificação em suas lideranças. Tal fenômeno não chega a ser uma novidade, o fascismo se tornou uma força política de massas adotando um comportamento semelhante, utilizando as tecnologias e técnicas que à época existiam.
Porém, é preciso acrescentar que, sem um solo histórico favorável, o fascismo não teria escalado o poder político no século XX, tampouco teria grande influência atualmente. Dito de outro modo, a crise social que ameaça a sobrevivência de numerosos segmentos sociais, os ressentimentos derivados da instabilidade econômica, o descrédito dos partidos e políticos tradicionais, a manipulação plástica das narrativas religiosas e outros instrumentos ideológicos presentes no liberalismo pavimentam a ascensão do fascismo.
Ainda seria preciso acrescentar que não é apenas a direita radical que adota tal comportamento, o que implica dizer que a natureza da questão não se reduz à técnica e à tecnologia, mas ao conteúdo político. A extrema-direita tem sido capaz de oferecer a radicalidade (no caso, uma radicalidade reacionária) que situações de crise social exigem.
O fato é que a política no capitalismo sempre foi um espetáculo, em que pese, em algum momento da história ou em alguma região do mundo, já ter parecido uma disputa de ideias fundada na força dos argumentos. A cada novo período, a cada eleição, a disputa política espelha a indústria cultural e novas técnicas de persuasão e controle psicológico baseadas no entretenimento aparecem, promovendo o que os frankfurtianos chamariam de razão instrumental.
A escalada da espetacularização da política é proporcional à agudização da crise do capitalismo. Na realidade, a atual etapa do capitalismo, o neoliberalismo, é a crise como forma de sociabilidade, um processo crônico que atinge todas as dimensões da vida e a disputa pelo controle do Estado também reflete esse processo.
Assim, a surpresa de segmentos dos meios de comunicação e dos ideólogos do liberalismo com o crescimento eleitoral do subproduto do bolsonarismo, Pablo Marçal, na eleição municipal de São Paulo chega a ser cínica. Todas as principais personalidades da extrema-direita são produtos da indústria cultural.
Bolsonaro era um ilustre desconhecido da imensa maioria do povo brasileiro até a intensa divulgação das suas ideias realizada por programas de humor em canais de televisão como Pânico na TV e CQC. Trump foi produtor executivo e apresentador do reality show The Apprencite, exibido no canal NBC desde 2003. Volodymir Zelensky era comediante, produtor de filmes e séries, a exemplo da série Servo do Povo, exibida na TV entre 2015 e 2018, onde ele interpretava o papel de presidente do país e fazia sátiras sobre corrupção.
Marçal sabe que a política no capitalismo neoliberal é a radicalização do espetáculo. O conflito, a falsa polêmica, o estímulo ao ódio determinam o funcionamento das redes sociais, mas também é a lógica da imprensa liberal. Marçal domina a dinâmica dos algoritmos ao mesmo tempo em que diariamente suas ideias são amplamente divulgadas na imprensa.
O elemento central é perceber que o crescimento da extrema-direita é resultado de uma instrumentalização das técnicas e tecnologias de comunicação, da performance de entretenimento promovida por suas lideranças, mas não somente, o conteúdo radical da extrema-direita corresponde a um tipo de resposta que encontra eco na materialidade da vida.
Isso significa que a extrema-direita, as suas expressões atuais, são um produto direto do capitalismo em sua fase neoliberal. Não basta condenar a forma de comunicação ou personalizar o problema político como se fosse uma questão meramente individual, como se a eliminação de um Bolsonaro ou de um Marçal solucionasse o avanço da extrema-direita.
A fascistização em curso no mundo, onde o Brasil aparece como uma espécie de laboratório experimental, é a operação burguesa para a gestão neoliberal do poder. Trata-se de uma via sem volta. A manifestação do capitalismo em decomposição é a brutalização social como um dever ético da burguesia.
Diante disso, resta apenas uma pergunta: até quando vamos seguir condenando o fascismo sem condenar o capitalismo?
*Magno Francisco é professor e historiador