Por Flávia Costa*, no portal Vermelho
Ao longo da história, as mulheres têm protagonizado uma jornada marcada por lutas árduas e persistentes em busca de direitos e reconhecimento. Essa trajetória, longe de ser linear, revela uma verdade incômoda: os avanços que conquistamos, muitas vezes, mascaram formas sutis de manutenção do poder. A inclusão, quando ocorre, é frequentemente simbólica e insuficiente, já que as estruturas opressoras permanecem intactas, sustentadas pelas engrenagens do capitalismo.
Somos a maioria neste país e, ainda assim, nossa presença nos espaços de poder é tímida. A ausência de mulheres em posições de liderança, seja no setor público ou privado, é um reflexo gritante da disparidade que vivemos. Onde estão as mulheres negras nas instâncias de decisão? Por que nossas vozes continuam sendo silenciadas? Lutamos há décadas por salários iguais, por espaço, por reconhecimento e, mesmo assim, o assédio, a violência e as múltiplas formas de opressão continuam a crescer, alimentadas por um sistema patriarcal, machista e profundamente enraizado no capital.
Falar de inclusão não basta. É urgente implementar estratégias que, de fato, transformem a realidade daquelas que estão na base dessa pirâmide social. E é na vida das mulheres negras que a corda arrebenta com mais força. Racismo e desigualdade social são irmãs siamesas, que se fortalecem em cada esquina da sociedade. Até que o racismo seja plenamente enfrentado, as conquistas sociais continuarão a ser insuficientes e excludentes para a maioria de nós.
Governar não é apenas executar políticas – é compreender o tecido complexo que constitui as vidas das mulheres. Um governo comprometido com a justiça precisa ir além de discursos bem elaborados e colocar em prática ações efetivas de inclusão e proteção. Vale lembrar que os direitos das mulheres, formalmente reconhecidos pela ONU apenas na década de 1970, ainda estão longe de ser integralmente respeitados e aplicados.
Neste contexto, trago à tona o exemplo de Macaé, uma ativista incansável que testemunhei em múltiplos debates sobre a defesa dos direitos das mulheres. Sua luta é um eco constante que se reflete na figura de Anielle, cuja expressão carrega o peso de uma batalha contínua. Os olhos de Anielle, marcados pelo cansaço e pela dor, são os mesmos que todas nós carregamos. A sua luta é a nossa luta: antirracista, antimachista, contra todas as formas de opressão. Um caminho cheio de cruzes, onde cada mulher que cai deixa marcas indeléveis.
O silêncio que ainda reina sobre essa violência é insuportável. Para qualquer sociedade que almeja a justiça, é imprescindível que suas políticas priorizem a prevenção e a proteção dos direitos das mulheres, levando em conta as múltiplas realidades que enfrentamos. A resposta não está apenas em programas ou discursos, mas em ações concretas que respeitem nossas vivências e fortaleçam nossa autonomia.
Seguimos, incansáveis, nessa caminhada por uma sociedade verdadeiramente acolhedora e justa. A construção de um futuro livre de violência e opressão é responsabilidade coletiva. Precisamos de todos e todas nesse esforço, porque a nossa luta não pode ser ignorada, não pode ser decidida sem a nossa voz.
Nada sobre nós, sem nós. Pela vida de todas as mulheres, digamos não à violência e nos comprometamos a construir uma sociedade melhor. Esta é uma tarefa urgente e inadiável, que depende do reconhecimento e da ação de cada um e cada uma.
*É pedagoga e ativista do movimento do negro, é diretora do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afrobrasileiro na Fundação Cultural Palmares