4 de novembro de 2024 11:35 por Da Redação
Por Geraldo de Majella
Em memória de Maria Tereza da Paz, a Dona Pureza, moradora do Flexal de Cima e vítima dos crimes da Braskem. No dia 31, sua dor culminou em um ato de desespero: cometeu suicídio. Que sua partida nos lembre da urgência de justiça para todos os afetados.
A afirmação de que “a justiça no Brasil tem cor e classe social” evidencia a realidade de um sistema judicial frequentemente moldado pelos interesses da classe dominante, alinhada, em muitos casos, a partidos políticos que compartilham uma visão de sociedade excludente. Em vez de atuar como espaço de equidade, o sistema judiciário brasileiro acaba, em várias ocasiões, reproduzindo e aprofundando as desigualdades raciais e sociais. Esse padrão reforça o racismo estrutural e a desigualdade socioeconômica que persistem e marcam, de maneira cruel, a sociedade brasileira.
Esse contexto sustenta um processo de seletividade penal, no qual a aplicação das leis recai com mais severidade sobre negros e pobres. A seletividade judicial reforça a percepção de parcialidade da justiça brasileira, que, em vez de proteger todos os cidadãos de forma igualitária, serve, frequentemente, para salvaguardar os interesses das classes dominantes e perpetuar a exclusão daqueles que já são socialmente marginalizados.
Dentre os poderes da República, o Judiciário se mostra o mais resistente à mudança, especialmente, quando esta visa garantir direitos de segmentos historicamente vulneráveis, como a população pobre, que raramente tem acesso à justiça. A estrutura judicial brasileira permanece distante das demandas populares e inflexível a reformas que visem à inclusão e à equidade, mantendo-se alheia às necessidades de amplos setores sociais.
Essa resistência se reflete na dificuldade de acesso ao sistema de justiça, que, para muitos brasileiros, é uma realidade inatingível devido à complexidade processual e à falta de recursos financeiros. O Judiciário, assim, contribui para a perpetuação das desigualdades ao permanecer impermeável a transformações que poderiam aproximá-lo das classes sociais menos favorecidas.
Um exemplo marcante da dissociação entre a justiça e a população pobre é o cenário vivido pelos moradores dos Flexais, rua Marquês de Abrantes e das Quebradas, no bairro de Bebedouro, em Maceió. Mais de 3.500 pessoas, mulheres, homens, crianças, idosos e pessoas com deficiência estão submetidas a uma situação de extrema humilhação. Essa perversidade, fruto da ação criminosa da mineradora Braskem e da omissão da Prefeitura de Maceió, sob a administração do prefeito João Henrique Caldas (PL), lembra a realidade também cruel de campos de refugiados de guerra.
Enquanto a Justiça Federal se arrasta para decidir – é o que se espera – em favor das vítimas, essa população é levada ao cadafalso, ignorada pelo poder estatal. A morosidade judicial beneficia quem cometeu o crime – a Braskem – e, de forma subsidiária, a Prefeitura de Maceió, parceira em acordos que impactam diretamente essa comunidade.
A agilidade da justiça seria, certamente, maior se esses crimes tivessem ocorrido em bairros de classe média alta, habitados pela elite econômica de Maceió. Contudo, nos bairros predominantemente ocupados por pobres, trabalhadores e negros, o tempo da justiça parece ter parado. A burocracia e os recursos protelatórios são quase infinitos quando se trata de atender as vítimas.
Ainda assim, essas vítimas contam com o apoio da Defensoria Pública Estadual (DPE) e de profissionais comprometidos, cujos estudos técnicos embasam as ações judiciais promovidas pelo defensor público Ricardo Melro e seus companheiros. Neste caso, a justiça se mostra tudo menos cega ou imparcial; tem cor, classe social e perpetua uma tradição histórica brasileira de exclusão e desigualdade.
(*) É historiador e jornalista